quarta-feira, 26 de fevereiro de 2014

A CONJUNTURA ATUAL

                                                                 
                

Osvaldo Coggiola

 1. A determinante principal da conjuntura econômica e política brasileira é a continuidade da crise capitalista mundial, agora atingindo fortemente os chamados “mercados emergentes”. Os índices apresentados pelos diversos governos para justificar uma suposta saída da crise não resistem à análise. O crescimento do PIB nos EUA e no Brasil se situa neste ano na casa de 2%, na Europa em 0,8%, depois do retrocesso no quinquênio posterior a 2008. Não foram ainda retomados os índices de atividade econômica de 2007. O débito público, incrementado geometricamente em função da injeção de dinheiro público para salvar o capital falido, especialmente financeiro, não está nem um pouco superado: as dívidas públicas incrementadas estão situadas na casa dos 220% (Japão) ou dos 150% do PIB, em vários países europeus e nos EUA. Este país foi novamente salvo pelo gongo de entrar em default declarado por um acordo suprapartidário em que a direita republicana obteve concessões extraordinárias em matéria de corte dos gastos públicos (saúde e educação). Os lucros dos super ricos e os gastos armamentistas foram, ao contrário, mantidos. Um default norte-americano afundaria de imediato a economia chinesa, locomotiva do comércio mundial e principal destino do fluxo internacional de capitais, pois as divisas resultantes de seus enormes superávits foram transformadas em títulos da dívida pública dos EUA, do qual a China é o principal credor. As contas das grandes instituições financeiras privadas continuam no vermelho, quando levada em conta a carteira dos chamados “créditos podres”. Ou seja, estamos diante de uma recuperação limitada que não resolve os problemas estruturais que precipitaram a economia mundial no limiar do abismo no último quinquênio. O índice da Bolsa de Nova York fechou acima dos 16 mil pontos pela primeira vez na história, um novo volume de valorização fictícia do capital que indica que estamos próximos de uma nova etapa de crise das bolsas, que exigirá nova expansão da divida pública.

2. Como em toda crise, está acontecendo uma super-monopolização do capital em todas as áreas: comercial, financeira (com grandes fusões bancárias) e também industrial (com a criação, por exemplo, da maior companhia aérea com a fusão entre American Airlines e US Airways). O grande capital tenta sair da crise provocando uma queda histórica do valor da força de trabalho, com a massiva destruição de direitos trabalhistas, a precarização dos empregos, a demissão de funcionários públicos e cortes salariais. O desemprego continua enorme, com taxas que beiram o 60% da população abaixo dos 25 anos, em vários países europeus (Grécia, Itália, Espanha). A justiça portuguesa aprovou o aumento da jornada de trabalho dos servidores públicos: os funcionários trabalharão mais, mas não terão reajuste de salários. Portugal enfrentará em 2014 seu quinto ano consecutivo de ajuste orçamentário, incluindo reduções salariais e de pensão para funcionários públicos. A gigantesca transferência de recursos públicos para salvar bancos e indústrias acelerou o processo mundial de concentração do capital: a divida pública mundial, que era de US$ 22 trilhões em 2008, chegou em 2012 a US$ 44 trilhões. A maior falência municipal da história estadunidense (Detroit) ocorreu em julho de 2013, em vista de não poder arcar com uma dívida de US$ 18,5 bilhões. Nos países mais atingidos pela crise, as mobilizações de todo tipo continuam presentes, com paralisações, manifestações de rua, ocupações de prédios e locais de trabalho. Na Espanha, o separatismo regional ameaça até a unidade do Estado Espanhol. As manifestações contra os ajustes econômicos e a retirada de direitos trabalhistas e sociais se ampliam, porém sem uma alternativa política de classe. A presença de formações fascistas (como Aurora Dourada, na Grécia) e até de uma extrema direita xenófoba com chances de vitória eleitoral (a Frente Nacional, na França) evidencia a tendência para uma polarização política resultante da polarização social e do acirramento da luta de classes.

3. O grande capital internacional pressiona também em favor da abertura da economia chinesa (especialmente seu setor financeiro, estatal), que está posta diante dos problemas causados pela desaceleração econômica, incluindo uma forte degradação social, que se expressa no surgimento de favelas nas cidades industriais (China passou de 18% para 50% de população urbana desde a “abertura econômica para o mercado” de 1978). Em novembro, o governo do PC Chinês realizou novas concessões estratégicas ao setor privado. Na América Latina, Cuba segue um rumo semelhante ao da China, em escala muito menor, e condicionada pelo embargo comercial e o cerco imperialista. As possibilidades do grande capital para impor uma saída à crise em seus próprios termos estão condicionadas, de um lado, pelos conflitos internos ao imperialismo, evidenciados pela revelação da espionagem mundial comandada pela NSA (Agência de Segurança) dos EUA, que afeta inclusive seus mais estreitos aliados políticos, tendo provocado um inédito atrito público com a Alemanha. A tendência para o bonapartismo se instalou na própria “democracia americana”, cujo Senado (baseado na representação não proporcional) votou uma lei que impede o bloqueio parlamentar às nomeações presidenciais nos mais altos cargos estatais (exceto a Suprema Corte). Por outro lado, persiste a resistência e a mobilização de massas, nas mais diversas áreas do planeta. O imperialismo ianque busca, sobretudo, recuperar a iniciativa política no Oriente Médio, chave geopolítica mundial. A crise no Egito, em que uma gigantesca mobilização popular foi politicamente expropriada por um golpe militar, tende a escapar ao controle dos EUA (que cortou sua assistência militar a esse país, só conseguindo que o Egito refizesse um acordo militar com a Rússia, reeditando os antigos acordos com a URSS, dos tempos da guerra fria).

4. Os EUA não conseguiram tampouco impor o total retrocesso nuclear ao Irã, contrariando as exigências de Israel, país que avança sobre os territórios e a população palestina de modo tão brutal ao ponto de provocar o distanciamento dos próprios EUA, seu aliado e escudo internacional. A iniciativa de uma intervenção militar imperialista na Síria foi adiada pelas divergências entre os “aliados ocidentais” e dentro da própria administração norte-americana. O declínio da “primavera árabe” não deu lugar a uma nova estabilidade política no Oriente Médio, e menos ainda a uma nova ordem regional nos termos exigidos pelo imperialismo. O acordo nuclear das potências imperialistas (o “grupo 5+1”) com o Irã cria mais problemas dos que resolve. Abre uma frente de crise internacional com o Estado sionista, que qualificou o acordo de “erro histórico”. E abre crises políticas internas de envergadura nos EUA e na própria “república islâmica”, que teve de aceitar as antes rejeitadas inspeções internacionais, que poderão inclusive ser diárias (além do fechamento do reator nuclear de Arak, o único capaz de produzir plutônio). O retrocesso iraniano foi apresentado como a única resposta possível às sanções e ao embargo impostos por Europa e os EUA (que provocaram uma inflação de 40% e um retrocesso do PIB iraniano, em que pesem os aumentos dos preços do petróleo), quando se trata de uma inflexão política. O acordo Brasil - Turquia - Irã, de 2010, previa o enriquecimento do urânio iraniano na Rússia (sob compromisso de não ultrapassar os 20% de enriquecimento, longe dos 90% necessários para produzir artefatos nucleares). Agora, as potências imperialistas terão direito a realizar inspeções in situ, para um enriquecimento máximo de 5%. Aquele acordo, que já era um retrocesso iraniano (ver: La crisis nuclear y el acuerdo Irán-Brasil-Turquia. En Defensa del Marxismo nº 39, Buenos Aires, agosto de 2010), pavimentou o caminho do acordo de novembro deste ano: carece de sentido que seja apresentado como um “modelo antiimperialista” (melhor seria dizer “emergente”) em contraposição ao acordo atual. Que só adiou os problemas, pois deverá ser ratificado pelas partes em seis meses.

5. Na América Latina, as crises políticas crescem em intensidade, e condicionam os processos eleitorais em curso. No México, o governo de Peña Nieto já enfrenta importantes mobilizações da juventude. Na Venezuela, não se encerrou a crise deflagrada pela morte de Hugo Chávez, em um contexto de inflação de 54% anual e desabastecimento provocado pelo capital que lembra aquele que precedeu o golpe chileno de 1973. O aumento dos poderes presidenciais de Maduro deflagrou uma nova crise com a oposição “esquálida” ao mesmo tempo que prepara uma brutal desvalorização monetária que afetará de modo violento a população trabalhadora. O “processo de paz” na Colômbia legitima os ataques e a expropriação da população camponesa das últimas décadas, mas abre um espaço para a atuação de um combativo e perseguido movimento sindical. No Chile, o processo eleitoral foi diretamente influído pelas grandes mobilizações estudantis dos últimos anos, ao ponto de alguns de seus dirigentes terem se transformado nos principais cabos eleitorais do país. A nova “Concertación”, agora ampliada com a presença do PC chileno, fracassou em obter a vitória no primeiro turno, em que pese a enorme deterioração da coalizão neoliberal-direitista, com as abstenções atingindo percentuais próximos a 50%. Na Argentina, a crise do débito e do déficit externo e a entrega do petróleo provocaram a deterioração do governo de Cristina Kirchner, que passou de um índice de 54% na eleição presidencial para menos de 30% nas recentes eleições legislativas, onde a grande vitoriosa foi a “frente de esquerda dos trabalhadores”, articulação política classista que conquistou importantes bancadas parlamentares, nacionais e provinciais, demonstrando que a crise do nacional-populismo não necessariamente beneficia à direita neoliberal, como pretendem fazer crer os agentes da conciliação de classes no movimento operário e popular. Além disso, estes ocultam que o nacionalismo burguês ou pequeno-burguês conclui como correia de transmissão da pressão imperialista. O Partido Obrero, que luta pela refundação da IV Internacional, obteve 30% dos votos nos comícios legislativos de Salta, principal capital do norte do país, é o principal impulsionador da Frente de Izquierda y de los Trabajadores, que não foi uma improvisação eleitoreira de última hora, mas o produto de uma luta política e ideológica de décadas em defesa da independência classista e do governo dos trabalhadores, contra a adaptação teórico/política que foi a marca da esquerda internacional, em especial desde a década de 1990 (“fim do socialismo”).

6. No Brasil, a explosão social de junho de 2013 não foi um raio em céu de brigadeiro. Desde o início da década de 2010, houve o aumento do número de mobilizações e greves por todo o país. Em 2011, vinte estados brasileiros tiveram greves nas redes de ensino municipais e estaduais. Os levantamentos do DIEESE apontaram que em 2012 se registrou um recorde no número de greves, semelhante aos picos da década de 1980. Em que pesem as violentas ações da polícia e a propaganda da imprensa do capital, a luta dos trabalhadores da educação ganhou alcance nacional. A violência da ação governamental foi enfrentada por meio da resistência e da solidariedade dos trabalhadores do país. Vale ressaltar a participação ativa do movimento estudantil na intensificação dessas mobilizações. Na educação superior, houve significativo movimento grevista em diversas instituições estaduais de ensino, além da grande greve das universidades federais de 2012, de mais de 100 dias, em que os professores das instituições federais de ensino se enfrentaram com a política do governo federal. As lutas de junho-julho de 2013 foram pavimentadas por todas as lutas precedentes contra as políticas governamentais de ataque aos direitos e conquistas trabalhistas, com destaque para as lutas do setor púbico. O movimento que explodiu nacionalmente em junho passado tinha tido um anúncio em abril, em Porto Alegre, quando milhares de estudantes tomaram as ruas, enfrentando a repressão policial, contra o aumento das passagens de ônibus; o movimento da juventude alastrou-se a partir do final de maio, para as ruas de diversas cidades e capitais brasileiras, que foram tomadas pelo protesto, com destaque para Rio de Janeiro e São Paulo, onde as mobilizações entraram em choque com a polícia militar e transformaram o centro destas cidades em uma verdadeira praça de guerra. A reivindicação imediata do movimento foi a revogação do aumento das tarifas de ônibus em todas as cidades. O movimento se espalhou rapidamente pelo país, o principal organizador dos protestos foi o Movimento Passe Livre (MPL), que luta pela adoção da tarifa zero (transporte público gratuito para todos).

7. Com o movimento de luta desenvolvido a partir de meados de 2013, o Brasil voltou ao centro do cenário político latino-americano. As mobilizações entraram em choque com a polícia militar e transformaram o centro das principais cidades em praça de guerra. A reivindicação imediata do movimento foi a revogação do aumento das tarifas de ônibus. O movimento se espalhou rapidamente pelo país enfrentando a polícia e a tropa de choque que reprimiu os manifestantes com cassetetes, bombas de gás lacrimogêneo, balas de borracha e a detenção dos ativistas. Durante as primeiras manifestações, Dilma Rousseff ofereceu o apoio da “Força Nacional” a governadores e prefeitos em dificuldades, evidenciando a tendência para a constituição de um Estado policial. Nessa linha, o governo justificou os gastos faraônicos nos megaeventos com o argumento de que o principal saldo da Copa das Confederações, da Copa 2014 e da Olimpíada 2016 será a institucionalização dos “novos esquemas de segurança”. Mas o Brasil se pôs em pé de luta, os jornais do mundo inteiro se fizeram eco. Para a grande imprensa brasileira, até 13 de junho tínhamos só “vândalos” nas ruas; a partir de 17 de junho, a grande data da virada, tivemos “manifestantes”. Milhões de pessoas ocuparam as ruas em mais de 600 cidades, sem coordenação prévia. Diante do recuo das autoridades em relação ao “tarifaço” urbano, os comentaristas burgueses de plantão se manifestaram “surpresos” e até “atordoados” com o crescimento, geométrico e nacional, da mobilização. A luta da juventude iniciou uma nova fase política, começada pela rejeição ao aumento das tarifas do transporte urbano, que se transformou numa mobilização de massas contra todo o regime político.

8. Na segunda quinzena de junho, a revolta das ruas ensejou uma agenda muito mais ampla que a inicial: pela defesa da juventude combativa, pelo direito democrático a manifestar na rua, pela defesa do serviço público (educação, saúde, previdência e previsão social), contra o Estado corrupto e repressivo. O governo (PT e “aliados”) ficou em estado catatônico por duas semanas. O aumento das tarifas de transporte foi o estopim de uma situação social degradada (em muitos aspectos, piorada) nos últimos anos. Dez dias depois do início das manifestações, os jornais avaliavam uma média de 230 mil manifestantes em doze capitais. A 20 de junho, os manifestantes já se contavam na casa do “mais de milhão”, com um milhão só no Rio de Janeiro. As redes sociais, apresentadas como fator chave da generalização da mobilização, são certamente um meio para acelerar e ampliar a difusão de ideias e propostas, sob a condição de que elas (as ideias e as propostas) existam previamente. Para proteger situação de exploração e espoliação da população foi acionado, um aparelho policial/militar herdado da ditadura militar, preservado e aperfeiçoado pelos governos civis desde a “transição democrática”, incluído o governo do PT. Manifestações como as de junho passado ficam sujeitas à classificação de ato de terrorismo, na definição desse crime proposta no Congresso para a segurança nos eventos no Brasil. O enorme aparato repressivo brasileiro incrementou-se e se sofisticou como nunca, em função dos “grandes eventos” (Copa do Mundo e Olimpíadas) pela ação do governo petista.

9. A imprensa brasileira achou um arcano para destrinchar: a identidade do Movimento Passe Livre. O MPL, principal articulador dos protestos, teve sua origem em uma revolta popular na cidade de Salvador, em 2003, a “Revolta do Buzu”. Estendeu-se depois nacionalmente, protagonizou a “revolta da catraca” em Florianópolis. A força da mobilização juvenil já assustara uma parte dos governos das prefeituras, a ponto de várias cidades abaixarem as tarifas (Campinas), ou obedecerem a decisão judicial nesse sentido (Goiânia). O movimento já tem dez anos de história. Em 2005, o MPL definiu seu programa em torno de ir e vir na cidade como direito básico que deve ser assegurado pelo poder público, assim como a educação e a saúde, reivindicando a mudança do modelo de transporte, sob a forma de concessões a empresários privados, para um modelo público. O que exigiria, como outras transformações igualmente necessárias (a remodelação da cidade e do espaço), atacar o regime social capitalista. Exige discutir a espantosa dívida de municípios e estados (R$ 177,5 bilhões, só a do estado de São Paulo, ou mais de 150% de sua receita fiscal) e seus beneficiários (os tubarões financeiros), o controle público dos lucros espantosos das empresas adjudicatárias do transporte urbano, sem falar no orçamento das forças de repressão, em primeiro lugar a PM. Os jovens que lutam pelo passe livre iniciaram uma virada política no país. O black bloc, por sua vez, agora usado como espantalho, apresentado como organização misteriosa e clandestina, não é misterioso nem clandestino. “Anarquista”, para a preguiça mental de alguns, é vagamente “autonomista”, sem programa algum, possui uma estrutura “horizontal” baseada na pura ação que o torna alvo fácil da infiltração policial. O black bloc é a expressão negativa da ausência de uma organização classista e revolucionária na juventude explorada brasileira. Se, para os marxistas de faz um século, o anarquismo era “o preço a pagar pelo movimento operário pelos seus pecados oportunistas”, o “autonomismo” black é o preço inevitável que a esquerda paga pela sua adaptação ao capital no período de sua maior crise histórica.

10. A radicalização repressiva/ antiterrorista do governo é a materialização e a continuidade da política pela qual os governos (tucanos e petistas) fizeram do país uma plataforma privilegiada de valorização fictícia do capital financeiro e industrial, com juros (remuneração do capital financeiro) e isenções fiscais elevados, com privatizações em sequência sem fim; para isso se atacou em regra o patrimônio e o serviço público (transporte, saúde, educação, etc.), em nome da “flexibilidade” e da “eficiência”. O resultado foi uma dívida (interna e externa) monstruosa, aumento de tarifas, e até tarifas onde antes não existiam. Encobriu-se tudo com incentivos ao consumo e bolsas sociais focalizadas, com o resultado de um endividamento médio recorde de 44% da renda anual da população, que duplica quando consideradas só as capitais. A miragem de “crescer exportando” do discurso oficial se estrelou em 2012 contra o crescimento zero e queda da renda per capita. A “recuperação” de 2013 foi deflacionada para 2% no PIB, renda per capita negativa, com inflação em aceleração, com um saldo comercial pífio e, posteriormente, deficitário, depois de alterar a estrutura produtiva do país para transformá-lo em uma plataforma exportadora. A crescente fuga de capitais foi a reação ao sinal amarelo que o grande capital internacional acendeu diante dos índices de decomposição da produção capitalista no país.

11. Para tapar o buraco foram realizadas mais privatizações (leilões do petróleo, gestão privada dos hospitais públicos), eventos e megaeventos, com sua sequela de desapropriações e leis antiterroristas. A corrupção e a crise econômica se cruzam no BNDES, o banco estatal cuja carteira de créditos ao setor privado aumentou de R$ 25,7 bilhões em 2001, para R$ 168,4 bilhões em 2010, com uma taxa decrescente do investimento privado. A maioria das empresas beneficiadas pelos créditos oficiais registra prejuízos ou se encontra em falência. A mais importante é a EBX, de Elke Baptista, beneficiária de R$ 10,5 bilhões em créditos do dinheiro público. Quase três quartos do valor total de sua participação direta nas empresas do EBX estavam em nome de fundos localizados fora do país, controlados pela EBX International S/A, sediada no Panamá. A prática é comum em empresas que buscam driblar a tributação. Em 2012-2013, a cotação dos papéis da empresas do “capitalista do Lula e Dilma” caiu 96,5%. Batista foi rebaixado do 7º para o 100º posto entre os bilionários. Seis meses mais tarde foi retirado do clube, uma vez que sua riqueza fora reduzida a menos de 900 milhões de dólares. As empresas do “grupo X” do “empresário nacional”, crescidas à sombra de concessões petroleiras favorecidas pelo governo, foram vendidas a preço de banana ao capital internacional. A degringolada dos “capitalistas nacionais” joga luz sobre a crise do capitalismo brasileiro. Para sobreviver, o Estado capitalista brasileiro tem que se transformar cada vez mais em agente da espoliação do país pelo capital financeiro internacional. 2/3 das reservas cambiais brasileiras são “reservas estéreis” que quase nada rendem, derivadas da expansão da dívida pública; o governo petista pretende agora assegurar a total independência do Banco Central alegando que ela teria um papel semelhante à “Carta ao Povo Brasileiro” de 2002: os rentistas, banqueiros ou fundos de pensão teriam direito a estabelecer a política monetária que garantisse maior retorno aos títulos públicos. E também prossegue o processo de privatização das rodovias, aeroportos, portos, etc. A explosão da divida pública é o resultado não só da política de estabilização, mas, sobretudo, das políticas de salvamento dos grandes grupos capitalistas impactados pela crise de 2008.

12. A luta popular provocou a deterioração política do governo. Em poucas semanas, o índice de aprovação de Dilma Rousseff caiu de quase 70% para 30%. A proposta de Assembléia Constituinte para tratar da reforma política foi rapidamente engavetada. O governo recuou e passou a defender um plebiscito sobre uma proposta de reforma. Na reunião de Dilma com as centrais sindicais, o representante do Conlutas denunciou a proposta de plebiscito como uma manobra de distração. As propostas das centrais sindicais ao governo foram simplesmente ignoradas. A resposta de Dilma Rousseff à “voz das ruas” ficou reduzida a nada. A promessa de consagrar 100% dos royalties do petróleo pré-sal (esses royalties constituem menos de 8% da renda petroleira, aos que deve-se ainda aplicar o IR, pois o 92% restante fica nas mãos do capital privado) foi mutilada e postergada pelo Congresso. A “reforma política” foi simplesmente enterrada no Congresso Nacional. As bases institucionais da corrupção política não só estão mantidas, mas aprofundadas. Nem se cogita anular a vergonhosa Lei de Anistia, que declarou impunes para sempre a assassinos, torturadores y corruptos comprovados do regime militar. Para não falar da militarização das policias, que matam impunemente e possuem foro judicial e tribunais próprios. Posto diante de uma luta popular de envergadura, o Estado brasileiro desnudou a sua condição de aparelho classista de repressão dos trabalhadores, da juventude e dos pobres.

13. Depois de julho, os movimentos de rua continuaram ditando a política do país, apesar do seu retrocesso. As sete centrais sindicais convocaram a uma greve geral em 11 de julho, continuada com uma nova paralisação realizada a 30 de agosto, jornadas isoladas, sem continuidade e carentes de programa e objetivos classistas. O movimento popular revigorado não é ainda um movimento de classe. Os movimentos dos sem teto passaram a organizar manifestações e bloqueios de avenidas contra as péssimas condições de moradia, saúde e transporte nos bairros pobres. Ao mesmo tempo, se desenvolveu uma formidável ofensiva repressiva nas favelas e bairros pobres, mediante um gigantesco operativo de militarização para evitar que os setores mais explorados se incorporassem à luta. O assassinato do pedreiro Amarildo de Souza ficou como símbolo da natureza repressiva e criminal do Estado brasileiro. Nessas condições, o governo federal, depois de um novo corte orçamentário (10 bilhões de reais), que se somaram aos 28 bilhões já cortados no primeiro semestre de 2013, para alcançar as metas de superávit primário impostas pelo FMI (garantindo o pagamento em dia da dívida pública), liberou seis bilhões de reais em emendas parlamentares com o objetivo de manter o apoio da “base aliada”. O superávit primário de 2013, ainda assim, foi o mais baixo desde 2001. À crescente fuga de capitais se somou o déficit comercial, o primeiro em toda a década petista. O boom exportador brasileiro pertence cada vez mais ao passado. O capital financeiro continua ganhando, beneficiado pela elevação das taxas de juros: Itaú Unibanco (maior banco privado) lucrou 3,6 bilhões de reais no segundo semestre de 2013, recorde histórico. O país afunda ao compasso do parasitismo capitalista-financeiro.

14. O retrocesso econômico do país aprofunda as perdas dos trabalhadores e acirra a polarização social. O PL (Projeto de Lei) 4330 estende a terceirização para todos os setores e atividades da economia brasileira, que tem atualmente 10 milhões de trabalhadores terceirizados (arrochados e sem direitos sindicais ou trabalhistas) para 34 milhões de trabalhadores com carteira assinada, um índice percentual de precarização que atinge 31%, devido ao seu fantástico avanço na década do “governo dos trabalhadores”. A elevação dos índices inflacionários deixa os trabalhadores a mercê do mercado financeiro, corroendo suas condições de vida e comprometendo seu futuro. Continuam os ataques violentos ao patrimônio público e aos direitos dos trabalhadores e camponeses em favor dos interesses do capital. Contra os indígenas, quilombolas e ribeirinhos, o governo tem se colocado ao lado do agronegócio e dos empresários das hidrelétricas. Forçou a privatização dos hospitais universitários através da Empresa Brasileira de Serviços Hospitalares (EBSERH) – empresa pública de direito privado – que retira do Estado a responsabilidade pela assistência à saúde dos trabalhadores e fere a autonomia universitária. A atenção médica universal pelo SUS se transforma numa casca vazia diante da falta de recursos estatais para a saúde pública, os mesmos recursos que sobram para pagar a dívida com o grande capital privado, alimentar o aparelho repressivo e financiar eventos e obras que se transformam em enormes negócios do grande capital. Nessa seara está inscrito o projeto governamental do Fundo de Pensão (FUNPRESP), uma operação financeira que captura recursos dos trabalhadores e os converte em capital aplicado em ações de empresas e títulos públicos. Os movimentos sociais e populares são constantemente criminalizados pelo governo e pelo Poder Judiciário, numa ação articulada com a grande mídia. Tem se assistido a criminalização de lideranças sindicais, indígenas, quilombolas, trabalhadores da educação e estudantes. O governo e seus aliados políticos constroem outro instrumento, a Lei de Greve, que pretende criminalizar e judicializar todo movimento de luta dos explorados brasileiros.

15. A entrega ao capital internacional dos recursos nacionais é a outra face dessa política. A Petrobrás – antes conclamada símbolo da soberania nacional – se associou às multinacionais da Holanda, da França e da China para explorar uma riqueza por meio dos trabalhadores brasileiros e entregá-la ao capital. O leilão do Campo de Libra foi vencido pelo lance mínimo (15 bilhões de dólares) por um único consórcio que envolveu Petrobrás, Shell (Inglaterra/Holanda), Total (França) e Cnpc e Cnooc (China), para uma reserva estimada em 15 bilhões de barris. O Estado brasileiro pagou para ficar com 40% (na verdade, nem isso, pois a Petrobrás não é estatal) do que é seu por lei e Constituição. Em que pese todo o discurso governamental, a ampliação dos recursos para a educação e a saúde por meio da exploração dos recursos naturais será pífia: os minguados royalties do Estado serão depositados num fundo, cujos rendimentos, na melhor das hipóteses, não chegarão a 1% do PIB no ano de 2022, a uma distância sideral, portanto, da reivindicação de 10% do PIB já para a educação. A política em favor do grande capital imperialista e da burguesia exportadora se articula com a política repressiva, com o assassinato de lideranças indígenas por latifundiários amigos do governo, que investiu rios de dinheiro no agronegócio e quase nada em reforma agrária. Com a Copa do Mundo, responsável por reordenar as cidades em benefício do capital, intensificou-se a militarização e reativou-se a Lei de Segurança Nacional, instaurando paulatinamente um estado policial no Brasil.

16. A crise política se aprofundou com a divisão da chamada “base aliada”, pela saída do PSB e a divisão do PDT. A multiplicação de novas alianças políticas opositoras na perspectiva eleitoral de 2014 traduz o aprofundamento da crise de dominação política da burguesia brasileira, confiada na última década a uma aliança das antigas direções sindicais “autênticas”, totalmente burocratizadas e entregues à patronal, com uma tecnocracia oriunda da antiga esquerda reformista, unidas num PT “modernizado” (adaptado por completo à burguesia) e aliado aos históricos parasitas corruptos do orçamento estatal nucleados no PMDB e outros da “base aliada”. Na campanha eleitoral não aparecem alternativas independentes dos trabalhadores.

17. O episódio do julgamento do mensalão que concluiu com a condenação e prisão de alguns dos responsáveis pelo desvio de recursos públicos para garantir a “governabilidade” petista, se insere dentro dessa crise. A condenação e as prisões poupam os grandes corruptos históricos e o principais corruptos políticos: Lula, Renan, Collor, Sarney, Jader Barbalho, ou Fernando Henrique Cardoso pela compra dos votos a favor da sua reeleição ou pelo dinheiro que sumiu da privatização da telefonia, os chefões do PSDB pelo dinheiro e sobre-faturamento das obras do metrô e dos trens. Casos de corrupção que envolvem partidos de oposição burguesa caminham para a prescrição. A condenação dos réus do mensalão não se equivale, porém, ao ataque contra a esquerda que luta e vem sendo sistematicamente perseguida pelo governo federal encabeçado pelo partido desses réus. A crise do mensalão é a expressão da crise de dominação política da burguesia no interior do PT e do próprio coração do Estado. O mensalão foi um esquema de compra de votos parlamentares comandado pelo PT desde sua chegada ao governo em 2003, sob pretexto de que a bancada petista somava menos de um quinto da Câmara. Na verdade, tinha a maioria em consequência de sua coalizão com vários partidos patronais, inclusive de extrema direita (o PSC e o PL, hoje PR, dois grupos evangélicos, por exemplo). A coalizão, mafiosa, era um esquema de colaboração de classes com gorjeta incluída. A primeira lei votada com esse “método” foi a privatização da previdência social (em 2003). O STF, porém, nunca ameaçou acusar Lula: ele foi preservado a instâncias do ex presidente FHC, que ordenou parar seu eventual impeachment (que chegou a ser invocado por alguns deputados opositores). O secretário do Tesouro dos EUA, John Snow, e George Bush visitaram nesse momento o Brasil para pronunciar-se em defesa de seu governo. O imperialismo foi assim um forte defensor do “governo dos trabalhadores”. A maioria dos juízes (7 dos 11) que ditaram a sentença e prisão dos ex dirigentes e governantes petistas foi nomeada para o STF pelo próprio PT. O pedido de prisão imediata foi realizado pelo procurador geral Rodrigo Janot, nomeado por Dilma com aval pessoal de Lula. A ordem de prisão dividiu o tribunal, mas entre os que votaram a favor se encontram os juízes considerados mais próximos ao PT (Barroso e Toffoli). A prisão de Genoíno e Dirceu parece ter sido favorecida por Lula e Dilma (e aceita pelos réus) para excluir esse tema da campanha eleitoral de 2014. A condenação com prisão (semi-efetiva, porque os culpados a cumprirão em regime semi-aberto) é o resultado de um pacto tão mafioso quanto a coalizão que realizou o delito.

18. Nas eleições internas do PT, em meados de novembro, entre os seis candidatos à presidência do partido, havia quatro “opositores”, sendo três “de esquerda”. O candidato oficial (100% alinhado com Lula e Dilma), Rui Falcão, venceu com quase 70% dos votos. O candidato “esquerdista” melhor colocado teve só 7% (os outros nem chegaram a 1%). A diferença de eleições internas anteriores, quando se manteve em segundo plano, Lula jogou todo seu peso político para isolar as outras tendências petistas, que questionavam a política de alianças sem limites à direita do PT, que será aprofundada na campanha pela reeleição de Dilma em 2014. Com o mensalão e a eleição interna aparentemente superados, Lula teria as mãos livres para montar um quarto mandato do PT em condições de crise econômica e social aguda, que anunciam uma tentativa de ataque violento às conquistas históricas da classe trabalhadora. Que as sentenças e prisões do STF fortaleçam o Estado frente ao rugido anti-corrupção de junho-julho é mais do que duvidoso: o mesmo Estado deixa publicamente prescrever crimes semelhantes cometidos pela oposição burguesa (PSDB, DEM), sem falar nos novos escândalos de corrupção municipais e estaduais em São Paulo. O potencial de crise do mensalão não foi esgotado, ele é uma etapa da decomposição do regime político brasileiro.

19. O PSTU tem lançado um chamado para uma frente de esquerda nas eleições de 2014, defendendo a independência de classe contra candidaturas de conciliação de classes ou semi-governistas. É um princípio formal, que pode até ser eleitoreiro (o PSTU declara que a frente “precisa ser organizada de forma a respeitar os espaços de cada um dos partidos que venham a compô-la, seja no que diz respeito à candidatura a vice, na utilização do tempo de TV e mesmo nas definições de coligações nos estados...”). É necessário um balanço crítico do papel da esquerda em junho-julho passados, quando foi apanhada de surpresa pela insurgência juvenil e popular, para a qual não teve proposta nenhuma; se alinhou nas manifestações seguindo a convocação da direção do PT, a “coluna vermelha”, que foi surrada em diversas capitais pelos manifestantes, e ficou depois a reboque das pseudo-iniciativas da burocracia sindical cutista, somando-se sem crítica às paralisações de julho e agosto. Nessas condições, a frente de esquerda é uma proposta vazia de conteúdo que não aparece como a expressão política da insurgência popular. Uma das potenciais componentes da frente, o PCB, já lançou sua própria candidatura presidencial. A outra, o PSOL, se encontra em situação de guerra interna, devido à fraude perpetrada pela direção do partido nas convenções estaduais prévias à convenção eleitoral nacional. Num caso de corrupção declarada, a direção do PSOL do Rio de Janeiro decidiu a expulsão da sua deputada Janira Rocha por nove votos a zero. Janira faz também parte da direção partidária; as fraudes nas convenções estaduais foram escandalosas, incluído o uso da máquina estatal. No Amapá, o PSOL controla a prefeitura da capital, depois de uma vitória eleitoral graças a uma aliança que incluiu PV, PPS, PMN, PTC e PRTB (e com apoio do DEM e do PTB no segundo turno), ou seja, uma aliança com a direita e até com a extrema direita. O Bloco de Esquerda do partido (um conglomerado de pequenas tendências e grupos) propõe “afirmar em 2014 uma candidatura do PSOL para as eleições presidenciais com este perfil (‘organização popular contra a corrupta institucionalidade e seus governos, socialismo com democracia, uma outra democracia com ampla participação popular’) e com uma política de alianças nacional e estadual coerentes entre si, sem alianças com partidos da base de sustentação do governo Dilma, sem alianças com os partidos da base de sustentação dos tucanos e totalmente independente da aliança Marina-Eduardo Campos no âmbito nacional e no âmbito das eleições estaduais; afirmar que as candidaturas do PSOL serão sem qualquer financiamento de empresas, bancos, empreiteiras”. Ou seja, uma aliança democratizante não classista e anti-corrupção. Sobre essa base, uma frente de esquerda seria eleitoreira e uma frustração de um agrupamento classista e revolucionário.

20. A “força de direita governamental que o controla o Congresso” (o PMDB), segundo a definição da esquerda petista, instituiu uma comissão parlamentar de reforma política, com um projeto que flexibilizaria o financiamento partidário, eliminando praticamente as multas aos doadores privados (pessoas ou empresas), e suprimindo qualquer limite à propaganda eleitoral por qualquer meio, liberando os partidos e candidatos da comprovação dos gastos, além de incrementar os recursos públicos de campanha; ou seja, a farra completa, pra não usar outra palavra. A comissão é presidida pelo próprio PT (Cândido Vaccarezza). Assim, se apontou o perigo do surgimento de uma direita fascistoide, como o sujeito que grita “pega ladrão!”, a fim de encobrir uma ação dos verdadeiros ladrões. A esquerda brasileira surgida no calor da fase final da luta contra a ditadura militar e da pseudo-democratização da década de 1980 esgotou seu ciclo histórico e político. Em meio ao colapso comercial e financeiro do país, e à corrosão de seu regime político, uma nova esquerda classista poderia ver a luz sobre a base do balanço político da esquerda atual. A luta contra a reforma da previdência, contra a precarização do trabalho, pelo salário e a estabilidade no emprego, contra as tentativas de desmonte dos hospitais universitários e da saúde pública, em favor da luta dos indígenas que denunciam os ataques do governo aos seus direitos garantidos, da reforma agrária contra o agronegócio, se colocam no plano político e devem levantar um programa alternativo, baseado na estatização do sistema financeiro e do comércio exterior, a anulação da dívida usurária com o grande capital interno e externo, o controle operário da produção, a unidade socialista da América Latina. A esquerda atual, dentro e fora do PT, passa longe dessa perspectiva. As tendências para a inflação e a crise financeira, que se manifestam na saída crescente de capitais do Brasil, passaram a ser o principal combustível de um novo turno de mobilizações populares.

21. O lançamento da candidatura del PSOL (Partido do Socialismo e Liberdade) em seu IVº Congresso, realizado no ano passado, jogou por terra qualquer perspectiva de uma frente de esquerda no Brasil. O congresso, que se desenvolveu em um clima de guerra entre as correntes internas, definiu como candidato ao senador Randolfe Rodrigues, um carreirista político do estado do Amapá (norte) surgido à sombra do que há de mais reacionário da política brasileira, imposto pela direção da tendência “Unidade Socialista” do deputado Ivan Valente. O Congresso foi realizado em um lugar semiclandestino, a 60 km de Brasilia, com o propósito evidente de obstaculizar a chegada da base partidaria, que reclamou dos altos custos para poder participar. O chamado Bloco de Esquerda, uma junção de grupos democratizantes das mais variadas tendências ("socialecologistas", autonomistas, ex morenistas, etc.), denunciou fraude e violência física por parte da direção nas prévias regionais para a eleição de delegados. A US teria dado um inchaço em seus delegados em vários estados, levando a votar a reconhecidos militantes de partidos burgueses, e utilizado a agressão física contra a esquerda. No Amapá, o grupo de Randolfe chegou a pedir a intervenção da Policía Militar para intimidar a militância rebelada. A discussão em torno da candidatura de Randolfe, amplamente repudiada entre a juventude do partido dominou os debates do congresso. A candidatura havia sido qualificada pela esquerda como uma "provocação" contra aqueles que reivindicavam que o PSOL assumisse o espírito das lutas de junho e julho. No auge das manifestações e quando o governo estava encurralado, Randolfe se reuniu com Rousseff para mostrar-lhe seu apoio (!), violando expressamente as resoluções até de sua própia corrente dentro do PSOL. A foto de Dilma e Randolfe sorridentes enquanto o país se incendiava provocou o asco de toda a militância jovem. A impostura não deveria surpreender: Randolfe iniciou sua carreira política de mãos dadas com o grupo de Sarney (o patriarca da direita brasileira) no Amapá, e nas últimas eleições promoveu alianças do PSOL com todo o arco da direita (incluindo o PSDB e o DEM) para ganhar a prefeitura da capital estadual. A esquerda levantava a candidatura presidencial de Luciana Genro (Movimento da Esquerda Socialista, morenista vinculado ao MST argentino), mas sem nenhum tipo de delimitação programática. Os grupos que integraram o bloco “esquerdista” fogem de qualquer perspectiva de independencia política da classe operária, e propunham uma aliança democratizante que se opunha à direção do PSOL apenas em termos "éticos", "anticorrupção" e de modelos de organização interna. Reafirmando o curso gangsteril imposto pela US, a direção vetou além disso a decisão tomada por unanimidade da executiva partidária do Rio de Janeiro de expulsar a deputada Janira Rocha por corrupção, ultracomprovada. Rocha é acusada de afanar parte do salário dos empregados de seu gabinete e até admitiu haver saqueado o caixa do sindicado dos previdenciários do estado para financiar sua carreira política. O Bloco de Esquerda conseguiu submeter à votação um chamado a uma convenção interna para definir a candidatura presidencial, mas perdeu por 201 a 186 votos. Em seguida, o grupo de Valente-Randolfe aprovou por votação "simbólica", quer dizer, sem contagem nominal, a candidatura de Randolfe. A esquerda reclamou, denunciou novamente a fraude (muitos militantes afirmaram que se negarão a fazer campanha por Randolfe), mas finalmente capitulou. Nenhum tendência cogitou em rechaçar a direitização do PSOL sobre bases classistas, e justificam sua permanência para "disputar o partido". Luciana Genro já flerta em ser candidata a vice de Randolfe, o que seria a moeda de troca para zelar pela paz por cima entre os blocos. A nova executiva ficou integrada por 10 da US e 9 do bloco de esquerda. O PSTU havia lançado um chamado para uma frente de esquerda (olimpicamente ignorado pelo PSOL), defendendo em abstrato a independência de classe contra qualquer candidatura de conciliação de classe ou filo-oficialista, mas como um principio puramente formal e com uma natureza oportunista e eleitoreira. Sem fazer referências à situação política do país nem condicionar as alianças à discussão de um programa, o PSTU defendia que a frente deveria ser organizada "respeitando os espaços de cada um dos partidos que venham a conformá-lo, seja no que diz respeito à candidatura a vice, na utilização do tempo de televisão e inclusive nas definições de alianças nos estados". Ou seja, uma candidatura nacional “classista”, e viva a pizza nos estados, que é da onde a eventual frente poderia conseguir alguns deputados. Alguns grupos do PSOL propõem selar alianças com o PSTU e o PCB (que já lançou sua própria candidatura presidencial, um professor universitário) nos estados em que a esquerda do partido é majoritária, uma perspectiva vazia frente à frustração de uma frente classista e revolucionária de esquerda no país. A desorientação da esquerda brasileira é uma continuação de sua completa paralisia em junho-julho, da onde não jogou nenhum papel e chegou a alinhar-se detrás de convocatórias trucas do PT e da burocracia sindical lulista. A prostração da esquerda brasileira se dá no contexto da decomposição acelerada do regime político, cujos partidos, com o PT à cabeça, competem para verem qual apresenta o programa mais antioperário e entreguista no marco da crise econômica galopante. A esquerda democratizante foi superada pelos acontecimentos, agora é necessário superá-la politicamente construindo uma esquerda classista, revolucionária e internacionalista.

terça-feira, 25 de fevereiro de 2014

VENEZUELA: GOLPISMO DE DIREITA E AUTOGOLPE CHAVISTA

                                                                                     


JORGE ALTAMIRA



                Em menos de dez semanas o chavismo passou da vitória eleitoral nas eleições municipais a uma crise política, cujo desenvolvimento leva inevitavelmente a uma mudança de regime político; nem o atual governo pode seguir governando nos termos que vinha fazendo, nem a oposição encontra uma metodologia que a mantenha unificada. Ocorre que a desorganização econômica alcançou proporções gigantescas, que apagam na prática o alcance das eleições, quando a oposição fracassou no propósito de convertê-las em um plebiscito que produziria a derrubada do governo. Criou-se um impasse gigantesco em seu conjunto. O governo triunfante é incapaz de deter a marcha implacável da queda da atividade econômica e a irrupção conseqüente de uma explosão social, enquanto a oposição, estimulada por essa crise social, vem de uma derrota político-eleitoral que acentuou a divisão em suas fileiras. O desabastecimento alcança 30% da oferta de produtos e a indústria e as importações estão paralisadas como consequência de uma situação cambiária terminal, porque o governo não pode oferecer divisas para os câmbios legais, pois isso provocaria uma hemorragia financeira pela via dos mercados paralelos.
            O imobilismo do governo tem sido explorado pela ala direita da oposição, que entende que não há margem para esperar a convocatória de um referendo revocatório do presidente Maduro, em 2016, quando o habilita a constituição. Esta velha fração de direita da oposição gorila, tem rejeitado a tese do chefe da oposição, Henrique Capriles, para quem não há possibilidade de inclinar a balança nas ruas, com tanto que não se produza uma deserção em massa da população que segue respaldando o chavismo. As mobilizações que começaram em fevereiro, a partir do agravamento da insegurança nos ‘campus’ universitários, onde prevalece o movimento estudantil opositor, deu motivos de protestos a todo o mundo: o imobilismo do governo criou uma situação explosiva; o ritmo da crise não habilita uma posição de espera; a oposição não tem ganhado para seu campo a massa chavista; o governo responde com um aparato de repressão legal e para-legal, que mostra o esvaziamento de sua base popular.
            Como ocorre em uma posição de ‘zugswang’1, no xadrez, não pode mover-se nenhuma peça. Daí que se ofereçam saídas bizarras, como a do teórico do ‘socialismo do século XXI’ Hans Drietrich, que tem chamado a se formar um governo de coalizão com Capriles, ou a propiciar uma mediação internacional. A possibilidade de um golpe gorila está fora do radar, por mais que o invoquem, porque as armas quem as detêm são as forças armadas controladas pelo chavismo e porque Obama tão pouco está impulsionando esta alternativa. Ao governo norte-americano lhe interessa, em primeiro lugar, que o presidente Manuel Santos seja reeleito e que prossiga com as negociações com as FARC. O triângulo do golpismo gorila está formado pelo agora detido Leopoldo López, pelo paramilitar colombiano Uribe e pelos fascistas norte-americanos do Tea Party.  Trata-se de um menu indigesto inclusive para a burguesia mundial e os principais governos imperialistas. Aqueles que estão obrigados a impedir que a situação venezuelana se degenere são, especialmente, Cuba, Brasil, Argentina e, em última instância, a Colômbia. Raúl Castro e Dilma Roussef não somente tem um ponto de encontro nos crescentes investimentos brasileiros (construtoras, petroleiras) em Cuba, assim como nos governos de El Salvador e da Nicarágua, que devem bastante ao maquinário eleitoral que o Brasil vem usando com êxito em diversos países.
            As alternativas que poderiam negociar a dupla lulo-castrista são, no entanto, limitadas. A Venezuela enfrenta uma crise econômica e social fora do comum. O ‘ajuste’ que delineia seu desequilíbrio financeiro é enorme; A Venezuela necessitaria de um grande financiamento internacional, que estaria condicionado a que seu governo coloque um freio brutal no sistema de planos sociais. O ‘ajuste’ converteria-se em um ‘harakiri’ para o chavismo; seria incompatível  com o governo e o regime político vigentes. Uma possibilidade de golpismo oficial retomaria uma alternativa já mencionada na imprensa internacional no passado recente, ou seja a de um governo transitório de militares chavistas, encarregado de uma normalização política. Seria uma espécie de golpe a Jaruzelski, o militar polaco ‘comunista’ e ‘pró soviético’ que presidiu, precisamente por isso, a transição da Polônia ao capitalismo a la Otan. A oposição gorila o receberia com grande repúdio, é lógico, porém e sobretudo, com uma expectativa ainda maior, porque um golpe dessas características teria minado de forma irreversível a autoridade histórica do movimento bolivariano. Uma parcela da esquerda saudaria, em sua ignorância, com regozijo o golpe, que seria o sepulcro do chavismo.
            A perola de Cristina Kirchner de que “os extremos se juntam”, poderia encontrar na Venezuela uma confirmação inédita, pois as marchas opositoras, com um definido propósito golpista, somente poderiam materializar-se no caso de que o próprio chavismo oficialize um estado de exceção, ou seja, arbitrariedade estatal. As reivindicações estudantis opositoras são justas; é lamentável que não as tenham levantado, na Venezuela, as juventudes ‘socialistas’, assim como na Argentina são levantadas pela FUBA (Federação Universitária de Buenos Aires), privando, de passagem, a direita de uma arma de demagogia popular. Nos referimos às mobilizações contra os estupros, tentativas de sequestro e sequestro efetivo de universitárias, atos criminais que contam, na Argentina, com a cumplicidade policial. O mesmo vale para a luta contra o desabastecimento e contra a carestia ou contra o enriquecimento descomunal dos capitalistas amigos e os sobre-preços das obras públicas. Porem, ao inverso do que ocorre na Argentina, na Venezuela, este movimento tem uma direção política de direita e definidamente golpista. Isto é o que importa na hora de sua caracterização. Ao mesmo tempo, a repressão criminosa por parte de grupos chavistas paralelos, que são designados como “coletivos”, com a cumplicidade do poder político, colocam a nu uma tendência reacionária e fascistizante do governo, cuja implicação política é apontar a tendência à instauração de uma ditadura. As conspirações que impulsionam a direita, valendo-se de uma demagogia democrática e popular, devem ser combatidas em primeiro lugar com a mobilização das massas e, sobretudo, com a passagem do poder político e da estrutura social aos trabalhadores e a classe operária. A Venezuela está governada por uma camarilha política e econômica e pela chamada ‘boliburguesia’ (burguesia bolivariana).
            Fruto da crise estão se desenvolvendo mobilizações operárias, por exemplo na indústria automobilística , neste caso encabeçada pela UNT, dirigida pelo chavismo. Os trabalhadores exigem a nacionalização da indústria para assegurar os postos de trabalho. Trata-se, no entanto, de uma reivindicação insuficiente, isto a partir do fracasso impressionante das nacionalizações chavistas, que colaboraram com a crise econômica industrial. O que importa é o controle e a gestão operária coletiva da economia nacionalizada, a qual implica um governo dos trabalhadores. Ainda com essas limitações, ante os protestos patronais, tanto o poder judicial como a guarda nacional intervieram contra os trabalhadores. A burocracia sindical mobilizou no domingo passado aos trabalhadores petroleiros e automotrizes para apoiar o governo. Um setor minoritário encabeçado por dirigentes petroleiros classistas rechaçou esta cooptação e convocou a um Encontro Nacional Sindical e Popular de Setores em Luta para discutir um Plano Econômico e Social de Emergência e um plano de mobilização nacional em defesa dos direitos dos trabalhadores e do povo. O problema da independência política do movimento operário segue sendo o problema crucial da situação política venezuelana.
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1 - Zugzwang no xadrez, indica uma dada posição no tabuleiro, na qual os dois enxadristas não têm igualmente nenhuma opção favorável. Simplesmente, refere-se àquelas posições em que a obrigação de jogar é prejudicial; posições em que seria preferível “passar” a vez, se isso fosse possível no jogo. Quando o único movimento viável, é não mover-se de nenhuma forma.

sábado, 22 de fevereiro de 2014

PRISÕES E REPRESSÃO POLICIAL NA MANIFESTAÇÃO CONTRA A COPA EM SÃO PAULO

                                                                         
                                  

Wesley Paulow / USP


No último sábado dia 22, em São Paulo, ocorreu o primeiro protesto contra a Copa do Mundo, após a morte do cinegrafista Santiago Andrade, e das intensas tentativas por parte da mídia burguesa de criminalizar os movimentos sociais.
O ato foi convocado para a Praça da República no final da tarde de sábado. O horário, o dia da semana e o lugar chamado não foram exatamente um estimulo a quem queria protestar.
O ato foi esvaziado, não reunindo mais que 1500 pessoas, a maioria dos quais militantes de esquerda, trabalhadores e principalmente uma parcela significativa da juventude, que participaram do protesto, como o autor dessas linhas.
Houve grande diferença de perspectiva entre as palavras de ordem que os manifestantes gritavam: uma parte deles gritava “não vai ter Copa”, e outros, de forma mais consciente,lançavam gritos de “Copa pra quem?”.
O aparato policial era praticamente o dobro daquele de manifestantes: cerca três mil policiais ocupavam o centro de São Paulo, seguindo pela rua Augusta e a Consolação até a avenida Paulista. Além disso, estava presente para auxiliar na repressão a “Tropa do Braço”, policiais lutadores de jiu­jitsu que não fizeram nada de inovador, repetiram mais do mesmo: bater, bater e bater.
De qualquer forma, não poderia ter faltado o que já é de praxe: bombas, balas de borracha e cassetetes. Arbitrariamente, sem início de tumulto algum, a polícia foi isolando grupos no protesto, alegando  que eles começariam a correr e a quebrar tudo. Daí então foram iniciadas as prisões e as detenções, a PM alcançou seu maior número em uma única manifestação neste ano: 260 presos. Entre os que compõe a lista estão alguns repórteres e até um professor da USP.
Esses números tendem à ser iguais ou maiores no futuro, caso a tentativa de criminalizar as manifestações de rua por parte do governo e do Congresso, com o Projeto de Lei Antiterrorismo for aprovado, já que o conceito de terrorismo empregado no Projeto de lei é muito amplo e daria vazão para a  detenção de qualquer pessoa que simplesmente estiver participando de um protesto, o que na prática, a partir dessa manifestação, já está ocorrendo.
O próximo ato contra a Copa já está marcado para o dia 13 de março, a concentração está marcada para as 18h no Largo da Batata, em Pinheiros, zona oeste da capital. Não se pode recuar e deixar as coisas como estão, é preciso lutar para mostrar que não se pode entregar o país de bandeja para a FIFA e os interesses da burguesia nacional e estrangeira. É preciso lutar, independente do fato de se iremos ganhar, ou não, as próximas batalhas, devemos lutar, e é isso que faremos!

quinta-feira, 20 de fevereiro de 2014

O GRANDE “GOLPE SAÚDE” NOS CORREIOS DO BRASIL



Sergio Miguel


No dia 29 de janeiro de 2014, os trabalhadores dos correios, após assembleia em diversos locais como RS, MT, PR e ES decidiram entrar em greve por tempo indeterminado pela questão do seu plano de saúde e de mais um golpe da ECT querendo impor o Postal Saúde, um plano privado que tira direitos, precariza o atendimento aos trabalhadores e a seus dependentes, implementando cobrança de valores para ser atendido, e encarece, dando prejuízos a estes, tentando enganar dizendo que nada irá mudar na alteração proposta pelo governo. Mas a chamada “iniciativa privada” só visa o lucro, inclusive correndo o risco de “quebrar” a qualquer momento nos marcos da atual bancarrota mundial do capitalismo. Quem corre todos os riscos são apenas os trabalhadores. O já precário Correio Saúde é bem mais em conta para os trabalhadores e devemos defendê-lo com a ampliação de direitos, no que diz respeito aos benefícios que lhes são oferecidos. Ainda assim, setores da FENTECT, na qual pertence a maioria dos sindicatos, vacilam e abrem caminho para a política capituladora dos governistas que atuam na categoria. O movimento paredista começou no dia 30/01/14, os piquetes foram feitos em agências consideradas principais inicialmente, na madrugada e pela manhã deste mesmo dia. Sexta feira, dia 31/02/14, novas assembleias votaram pela continuação da greve, o crescimento da paralisação em nível nacional foi observado demonstrando a importância do apoio a esta luta pelos trabalhadores da ECT, contra a privatização da saúde nos Correios. Já no dia 01/02/14 estavam em greve: RS, Mato grosso, Campinas, S. J. do Rio Preto, Piauí, Paraná, Ceará, Amazonas, Minas Gerais, Pernambuco, Roraima, Paraíba, Vale do Paraíba. Todo o apoio à luta dos trabalhadores da ECT! Por um Correio Saúde 100% sob controle dos trabalhadores!

ESTE TEXTO É A CONTRIBUIÇÃO DE UM SIMPATIZANTE E LEITOR, PORÉM NÃO REPRESENTA A POSIÇÃO DOS EDITORES DO JORNAL E DO BLOG TRIBUNA CLASSISTA, É APENAS UM SUBSÍDIO AO DEBATE SOBRE A FRENTE DE ESQUERDA NA ARGENTINA E SUAS PERSPECTIVAS:

                                                                   

FRENTE DE ESQUERDA E DOS TRABALHADORES: ALGUMAS REFLEXÕES SOBRE UMA VITÓRIA

 José de Mello Junior

Neste início de 2014 a Argentina ganha o noticiário devido o aprofundamento de uma crise econômica que ameaça a frágil estabilidade política mantida nos últimos anos. Como reflexos da crise temos uma desvalorização constante da moeda, o aumento galopante da inflação e uma dolarização da economia que leva as famílias a guardarem dólares em casa. Antes mesmo do aprofundamento da atual crise, um fenômeno político vem se desenvolvendo no seio da esquerda socialista do país vizinho desde 2011. Refiro-me a ascensão de uma alternativa de esquerda, a FIT (Frente de Esquerda e dos Trabalhadores) formada pela aliança entre diversas forças políticas, em sua grande maioria referenciadas no trotskismo.
A primeira experiência importante ocorreu nas eleições 2011 quando entrou em vigor uma lei que passou a exigir 1,5% dos votos das candidaturas partidárias ou de frentes, para que os partidos ou blocos mantivessem o pleno usufruto de suas legalidades institucionais, esta iniciativa foi batizada de “PASO”. A perda desta condição significaria para qualquer agremiação uma série de restrições, como por exemplo, estar fora da utilização da televisão e do rádio em sua comunicação. Projeto semelhante está em andamento no Congresso brasileiro, como parte da pretendida reforma política cujo ponto mais polêmico é exatamente a clausula de barreira, algo semelhante ao “passo”, mas que aqui pretende ser de 3% dos votos válidos. Nas edições de 2011 uniram-se PO ( Partido Operário), PTS ( Partido dos Trabalhadores Socialista) e IS (Esquerda Socialista), formando a FIT, também apoiou a iniciativa o nascente PSTU argentino, que sem personalidade eleitoral, recebeu da FIT a legenda para abrigar seus candidatos. A iniciativa desacreditada por muitos, logrou o êxito de passar pela clausula de barreira de 1,5% levando a candidatura presidencial de Jorge Altamira a disputa eleitoral
efetiva, que ocorre em uma segunda rodada, tendo recebido uma votação de 520.000 mil votos.
Mas foi nas recentes eleições parlamentares de meio de mandato, ocorridas no segundo semestre de 2013, que a aliança política obteve um sucesso realmente espetacular. Na Argentina, metade das câmaras de deputados e senados estaduais e nacionais se renovam no meio do mandato. Novamente o PO, que no Brasil possui relações com o grupo que constrói o Tribuna Classista e a nível internacional faz parte da CRQI, o PTS que no Brasil possui relações com o grupo LER-QI e internacionalmente se organiza na FTQI, e a IS, que em nosso país tem como organização solidária a CST-PSOL e internacionalmente a UITQI, lançaram a FIT com o apoio do PSTU (LITQI) ainda sem personalidade eleitoral e outros pequenos agrupamentos e coletivos da esquerda. Com uma política de crítica dura as candidaturas burguesas e ao governo Kirchner, a coligação apresentou um programa de transição para a saída da crise, no qual o centro foi a defesa dos trabalhadores e de suas conquistas históricas, bem como o rechaço das políticas que privilegiam a banca financeira em detrimento das policias sociais.
Como resultado, foi a única representante da esquerda a conseguir romper a barreira do Passo, tendo recebido quase 1 milhão de votos na primeira votação e por fim, mais de 1, 2 milhão na disputa pelas cadeiras da Câmara Nacional, obtendo 4 cadeiras e quase duas dezenas de deputados estaduais, com destaque para a província (estado) de Salta na qual um quarto do parlamento (como nossas assembleias legislativas estaduais) passou a ser formado por deputados da FIT. Para se ter noção do expressivo resultado estavam em jogo 50% das cadeiras nacionais, com seus 4 deputados, a FIT obteve 3% das vagas, no Brasil significaria 16 deputados. Hoje o PSOL única organização da esquerda socialista com representação no Congresso possui apenas 3.

Para refletir

 Algumas lições desta vitoriosa performance merecem destaque e poderiam despertar em nós ativistas brasileiros de esquerda uma reflexão:

1. Manutenção do programa classista: A FIT foi formada por organizações socialista que não abriram mãos de seus discursos, ou de suas bandeiras históricas para agradar o eleitorado, e sim fortaleceram sua crítica usando o palanque eleitoral como um importante palco da disputa de consciência dos trabalhadores.

2. Importantes alianças apenas no campo da esquerda socialista: Aquelas organizações da esquerda como MST (Movimento Socialista dos Trabalhadores), no Brasil representado pelo MES-
PSOL, que apostaram por alianças fora do espectro da esquerda revolucionaria, foram punidos nas urnas, não obtendo sequer a condição de transpor a clausula de barreira.

3. Uma aliança para além das eleições: Desde 2011, as organizações da FIT vem realizando ações conjuntas nos movimentos sociais e nas principais lutas, mantendo suas individualidades, mas também levando a unidade da esquerda onde ela é necessária.

4. Menos aparato, mais política: Apesar das organizações terem pesos diversos no movimento sendo o PO a maior delas, seguido por PTS e finalmente a IS, os mandatos obtidos serão ocupados em rodízio, algo permitido na legislação Argentina, por exemplo, o mandato de Nestor Pitrola mais conhecido candidato eleito da FIT, será divido em parte com um representante do PTS e outro da IS.  Isto somado a concessão de legenda ao PSTU demonstra uma política de unidade que vai muito, além da mera retórica. Os mandatos pertencem aos trabalhadores representados pelo programa da FIT, a frente é maior que suas partes.

5. Desafios: A unidade na luta cotidiana, na disputa sindical e estudantil, nas ações públicas, para além do eleitoral é o maior desafio desta aliança. E isto se dá na forma de uma disputa entre as forças políticas presentes na frente. Grande parte destas diferenças são debatidas publicamente em seus periódicos e fóruns do movimento. Acordos provisórios e êxitos na luta contra a burocracia sindical e os aparatos burgueses poderão manter firmes os pilares desta aliança dos setores mais significativos da esquerda socialista argentina. E o êxito poderá atrair outras organizações da esquerda.

Em 2014 o que fará a esquerda brasileira?

 O exemplo argentino pode servir de inspiração para uma reflexão entre nós ativistas brasileiros. Aqui, como lá existe uma grande fragmentação da esquerda, que tem servido apenas aos interesses do grande capital e dos aparatos burocráticos. Inverter esta lógica pode ser o primeiro passo rumo a uma recomposição da esquerda após o abandono completo de suas bandeiras promovido por PT e PCdoB. Neste cenário PSOL, PSTU e PCB são as forças que podem conformar este polo político aglutinando dezenas de outros grupos políticos e organizações de combate, bem como aqueles milhares de lutadores que, decepcionado com PT e PC do B, procuram um referencial de esquerda e uma política que anime suas lutas e ecoe sua revolta. As jornadas de junho foram o começo, já vemos sinais de fortes mobilizações se formando no primeiro semestre de 2014. A unidade das forças da esquerda socialista pode propiciar a estes movimentos um programa que vá além de reivindicações pontuais passando a questionar as mazelas produzidas pelo próprio sistema. Sabemos que as tradições da esquerda argentina e brasileira são diferentes.

Porém, questões como unidade e a luta anticapitalista, extrapolam as fronteiras nacionais, afinal trata-se de uma luta contra um capital globalizado e que articula mundialmente sua atuação. Uma frente que esquerda no Brasil seria uma novidade que poderia animar, como a FIT está fazendo, a milhares de lutadores e para além de vitórias eleitorais poderá disputar a liderança das diversas lutas que estão porvir.

segunda-feira, 17 de fevereiro de 2014

2014 – GREVES E LUTAS DE RUAS ASSOMBRAM O CONJUNTO DO REGIME POLÍTICO




A situação política e econômica do país está ligada à continuidade da crise mundial do capitalismo, que agora golpeia fortemente os chamados “mercados emergentes”. Depois do retrocesso no quinquênio posterior a 2008, os índices de atividade econômica de 2007 estão muito longe de serem alcançados. O crescimento do PIB no Brasil, assim como nos EUA, situa-se na casa dos 2%, e na Europa, em pífios 0,8%.
O saldo da balança comercial brasileira despencou quase que 90% em relação a 2012, e é o pior resultado desde 2000, ano marcado por um déficit (exportação inferior à importação) de US$ 731 milhões. O ínfimo saldo positivo atingido em 2013 de apenas US$ 2,561 bilhões é graças a uma manobra contábil chamada de “exportação ficta”, porque se deve à venda de plataformas de petróleo para a própria Petrobrás. Mesmo com o corte brutal de gastos nas áreas essenciais para a vida dos trabalhadores como na saúde e educação, o superávit primário para abater a dívida pública foi o pior nos últimos 15 anos, 1,9% do PIB, quando em 1998 teve 0,33%, às vésperas do colapso do Plano Real. 
O terceiro principal destino das exportações brasileiras, a Argentina, acaba de promover uma maxi desvalorização do peso em uma política de ajuste contra os trabalhadores exigida pelo imperialismo, o FMI e o Clube de Paris, interessados com que as reservas sigam caindo para assegurar o pagamento da dívida externa usurária e parasitária.
Nestes marcos, as mobilizações da juventude e dos trabalhadores contra o aumento das tarifas de transportes e contra a Copa começam gradativamente a ocupar o cenário político nacional, palco das gigantescas manifestações que ocorreram em junho / julho de 2013, as quais iniciaram pelos mesmos motivos.
Mal iniciou o ano de 2014 e as greves de categorias como dos rodoviários e dos servidores municipais da saúde de Porto Alegre, e dos correios nacionais ocupam as manchetes midiáticas e obrigam os governos a acenderem o sinal de alerta, como no caso dos rodoviários da capital gaúcha que sofreram todo o tipo de ameaça como de intervenção do Ministério da Justiça através da assassina Força de Segurança Nacional, substituição dos motoristas pelo aparato da Brigada Militar, imposição de multas diárias ao sindicato, com a greve considerada abusiva pela justiça, etc. medidas que só não foram levadas adiante, porque o temor do governo Dilma, que monitora a greve, era de lançar um bumerangue com o mesmo efeito da repressão promovida em São Paulo pelos governos do PT e PSDB, Haddad e Alckmin, no ano passado, ou seja, de uma nova explosão multitudinária das massas.
Oito mil operários no porto de Rio Grande cruzaram os braços e exigem melhores condições de trabalho, negando-se a se exporem às altas temperaturas insuportáveis dos últimos dias. Os servidores públicos federais, que promoveram as maiores greves, nos últimos 10 anos, já desencadearam a sua campanha salarial, com um indicativo de greve a partir do mês de abril apontado no calendário de lutas. A incapacidade histórica da burguesia nacional manifesta-se em dois setores estratégicos e vitais para a população que são a água e a energia elétrica, com desabastecimento e contínuos apagões que se espalham por todo o país.
A temperatura começa a subir mais depressa do que os governos e os patrões imaginavam, porque os trabalhadores e a juventude revigorados depois de um período breve de calmaria, já dão demonstrações que não estão dispostos a permitir que enquanto a farra das empreiteiras, dos banqueiros, dos latifundiários, dos monopólios privados dos transportes coletivos, dos grandes industriais intensifica-se com o dinheiro público, através principalmente do BNDES, fazendo com que os salários sejam aviltados pelo avanço da inflação, as demissões passem a rondar de maneira mais intensa os postos de trabalho, como no caso da GM no final do ano passado, e os serviços públicos, como na área de saúde e educação sejam completamente sucateados para beneficiar os privatizadores. A luta de classes promete ganhar novamente as ruas em 2014, nos marcos de uma bancarrota capitalista que assola, tanto os mais remotos rincões, como os pontos centrais do planeta.

Declaración del Partido Obrero: VENEZUELA: CONTRA LAS PROVOCACIONES GOLPISTAS Y CONTRA EL ESTADO DE EXCEPCIÓN




Desde hace varios años, Venezuela y el proyecto chavista han entrado en un acentuado proceso de descomposición. A todos los fines prácticos impera en Venezuela un estado de excepción, para hacer frente a una escasez e inflación extraordinarias y a una deuda internacional impresionante. Un sector importante de la burguesía está lucrando como nunca en un mercado negro que no cesa de crecer.  La mayor parte de las gobernaciones y aún el gabinete han pasado a manos de funcionarios de las fuerzas armadas. El movimiento bolivariano, que en 2002 quebró la tentativa de privatizar la explotación del petróleo, ha quedado reducido a un antiimperialismo puramente retórico. Como contrapartida, ha ido a fondo en la estatización del movimiento obrero y en la abolición, en los hechos, de la liberta! d de negociación colectiva. Los asesinatos de activistas clasistas continúan impunes y sigue la represión estatal a los movimientos de lucha independientes.
La tentativa de la oposición de derecha de explotar esta crisis extraordinaria en su beneficio fracasó en las elecciones nacionales y municipales últimas. Este fracaso acentuó una división preexistente e impulsó la acción extralegal del ala que impulsa en forma expresa una salida golpista. Los acercamientos del ala componedora, liderada por el ex candidato presidencial, Capriles, convocada por el gobierno sobre temas como las crisis municipales y la seguridad, no condujeron a nada. La expectativa de la llamada “ultraderecha” es crear un impasse político excepcional que provoque, alternativamente, el establecimiento de un régimen de estado de sitio, un golpe militar del propio chavismo o una intervención diplomática internacional – al estilo de lo que ocurre en Ucrania.
Una victoria de la provocación derechista – que admite diversas alternativas al improbable derrocamiento del gobierno-, sería un retroceso para los trabajadores de Venezuela y del conjunto de América Latina. La responsabilidad principal por esta amenaza, sin embargo, le cabe al propio gobierno de la camarilla cívico-militar que se reviste con banderas bolivarianas. Ante estas circunstancias, que hemos anticipado en forma reiterada, llamamos a repudiar las provocaciones golpistas y a movilizarse por la derrota de ellas, sin brindar el menor apoyo al gobierno existente y denunciando su impotencia y su alianza con los capitales petroleros a los que se fue asociando en la última década. Llamamos a la clase obrera a una deliberación política propia y a valerse de los métodos propios de la clase obrera: asambleas, pl! anes de lucha, huelgas, ocupaciones de empresa, piquetes, contra el golpismo y con un programa de reivindicaciones de los trabajadores.

PROGRAMA – FRENTE DE IZQUIERDA Y DE LOS TRABALHADORES (FIT) - ARGENTINA


01. Salario y condiciones de trabajo

Después de la crisis de 2009, no se han creado nuevos puestos de trabajo en la industria. La tentativa de salida a esa crisis se ha fundado en la prolongación de la jornada laboral, el desconocimiento de los convenios y el recurso a la tercerización y la precarización del trabajo. Por su parte, los trabajadores efectivos han recibido aumentos que se ubican siempre por debajo de la inflación. En este cuadro, los planteos de un salario mínimo igual a la canasta familiar (hoy cercana a los 9.000 pesos), de establecer el convenio más favorable en cada lugar de trabajo para todos sus trabajadores y asegurar el pase a planta de precarizados o contratados, son una defensa integral de la clase obrera y sus condiciones de vida, a costa del capital. Si los capitalistas se declaran "incompetentes" para nuestros reclamos urgentes, que abran sus libros y sus cuentas, que se anule el secreto bancario y comercial. 
Frente a un 40% del trabajo en negro, precarizado o sometido a la tercerización, luchamos por el pase de los trabajadores contratados a planta, y la vigencia del convenio más favorable en cada industria o establecimiento. Para poner fin al desempleo, planteamos el reparto de las horas de trabajo disponibles entre el conjunto de los trabajadores y la formación profesional a cargo de las patronales.

02. Reforma impositiva integral

Si se suma el impuesto al salario a otros que recaen sobre los trabajadores –como el IVA, ingresos brutos o la vivienda única- se llega a que el sistema impositivo retiene hasta el 55% del salario. Como esos recursos bancan el pago de la deuda usuraria y los subsidios a grupos empresarios, el Estado se ha convertido en un instrumento despótico de transferencia de riqueza social de los trabajadores hacia los capitalistas. 
En oposición a ello, planteamos la eliminación de los impuestos al consumo, al salario y a la vivienda única y su reemplazo por un régimen financiado integralmente con impuestos progresivos a los beneficios, patrimonios y a las rentas del suelo. 
Estamos por la abolición del impuesto al salario, que ha llegado a afectar a casi tres millones de trabajadores. Como resultado de la presión popular, el gobierno ha debido echar lastre y exceptuar (sólo hasta diciembre) a quienes ganan hasta $15.000. Pero un millón de trabajadores continúan pagando este impuesto, incluso por trabajar horas extras. Nuestro planteo es su supresión sin condiciones: el salario, que paga la fuerza de trabajo, no puede ser colocado en el mismo plano que los beneficios, que surgen de la explotación de esa fuerza laboral. 
Llevaremos al Congreso un proyecto que plantea su anulación para asalariados, jubilados o monotributistas, y que en ningún caso sea pago por quien gana menos de tres canastas familiares.

03. Jubilación

La estatización de las AFJP no ha servido de ningún modo para la recuperación de los haberes jubilatorios. Los fondos de la ANSES se han malversado para el pago de la deuda externa y para todo tipo de subsidios a grupos capitalistas. Lejos del 82% móvil, las tres cuartas partes de los jubilados perciben un haber de indigencia, que apenas representa el 30% del salario medio en blanco. 
Oficialistas y opositores coinciden en un punto estratégico: hacer de la jubilación una prestación asistencial, y definitivamente desvinculada del salario. Como parte de esa orientación, la oposición de UNEN propugna el “82%” del salario mínimo legal, o sea, apenas trescientos pesos por arriba de la actual y miserable jubilación mínima oficial. 
Nosotros, la izquierda, llevaremos al Congreso la lucha por reestablecer el 82% móvil del último salario percibido; por el pago de las retroactividades y de todos los juicios pendientes, el sostenimiento integral de la asistencia social (y de las propias jubilaciones) a través de impuestos y aportes progresivos que recaigan sobre la clase capitalista y que el Anses sea colocado bajo la administración directa de jubilados y trabajadores.

04. Inflación, devaluación y deuda externa

Al cabo de una década, el gobierno K acumula una deuda superior a la que existía en 2011. El supuesto "desendeudamiento" sólo ha consistido en pagar una parte de la deuda externa con fondos del Banco Central y el Anses, a costa del vaciamiento de éstos últimos. 
El canje de deuda ha representado un beneficio leonino a quienes se acogieron a él. Pero ahora, se les ofrecerá lo mismo a los "fondos buitres", acrecentando todavía más la carga de la deuda externa. 
Después de haberle pagado 175.000 millones de dólares a los usureros internacionales, la economía nacional se asoma a una nueva cesación de pagos. La devaluación que auspician oficialistas y opositores conducirá a la quiebra definitiva del Banco Central y los fondos jubilatorios, que querrá ser endosada a trabajadores y jubilados. En oposición a ello, planteamos la inmediata suspensión del pago de la deuda usuraria (intereses sobre intereses) , cuya persistencia es incompatible con cualquier salida favorable a las reivindicaciones obreras y populares. Los recursos que hoy se destinan a ella deben orientarse a una reindustrialización integral, sobre nuevas bases sociales. Los fondos del Anses y del Banco Central deben ser reconstituídos en base a un impuesto extraordinario al gran capital. Impulsamos una conferencia internacional de los pueblos sometidos a la carga de la deuda externa, para impulsar una acción de fondo por su desconocimiento integral. 
La crisis del "modelo" oficial se manifiesta también en el fracaso de los controles de precios, y, por lo tanto, la inflación galopante. El gobierno de los "controles" ha permitido que los monopolios agropecuarios e industriales trasladen al país buena parte de la inflación internacional, que es resultado de la emisión desenfrenada de dólares para rescatar a la banca en quiebra. Por la vía de la carestía, los trabajadores de Argentina y otros países "emergentes" han contribuido a ese rescate. Pero el kirchnerismo le ha añadido su propia nafta al fuego de la inflación, al aumentar los combustibles -para facilitar los pactos con Chevron- o los intereses bancarios, empujados por la especulación con la deuda pública. 
En este cuadro, los controles oficiales de precios no pueden ser más que un fraude. Planteamos la apertura de los libros de los pulpos agropecuarios, industriales e hipermercados; impuestos progresivos a toda la cadena de producción agrícola y ganadera, y el ajuste automático de los salarios con respecto a la inflación.

05. Transporte

El “triángulo corrupto” de privatizadores, la burocracia sindical y los funcionarios oficiales es el comprobado responsable del vaciamiento del transporte ferroviario. Como parte de él, se ha impuesto un régimen de tercerizaciones y trabajo precario, que ha sido otra fuente de malversación del presupuesto público. En defensa de ese régimen, fue asesinado nuestro compañero Mariano Ferreyra. Un año después, las mismas condiciones del servicio conducían a la masacre de la Plaza Once. 
Denunciamos el fraude de la llamada “revolución ferroviaria” del ministro Randazzo, que ha preservado en sus sitios a los responsables del vaciamiento, y sólo ha cambiado a algún privatizador por alguno de sus socios. 
En oposición al desquicio actual del transporte público y los ferrocarriles, planteamos la expulsión de los concesionarios que han vaciado el servicio en las últimas décadas y de la burocracia sindical que ha sido su cómplice, y la gestión integral del transporte por parte de trabajadores electos. Por la apertura e investigación de todas las concesiones del autotransporte, por su gestión y un plan único de recorridos y frecuencias bajo control de trabajadores electos. Por la jornada de seis horas en todas las variantes del autotransporte.

06. Vivienda

El carácter capitalista del llamado modelo oficial se delata en el acaparamiento sistemático de tierras y del suelo urbano que llevan adelante los monopolios inmobiliarios, agroindustriales o mineros -todos ellos, parte de la base social de los K o de su "liga de gobernadores". La contracara de los superbeneficios de estos pulpos es el encarecimiento insostenible del suelo o los alquileres, otra forma de confiscación de la familia obrera. En Argentina los problemas de vivienda afectan a más de 10 millones de personas. En la Ciudad de Buenos Aires, se ha duplicado la población que vive en villas. En la provincia, los asentamientos pasaron de alrededor de 400 a más de 1.000 en el mismo período, con un número de pobladores que supera los 3 millones. Las viviendas construidas por el Estado durante la gestión K no han alcanzado a atender el crecimiento vegetativo de la población, no hablemos ya del déficit. 
Del otro lado, el copamiento del suelo y la construcción con carácter especulativo y sin control alguno, ha desatado la mayor anarquía y saturación de los servicios en las grandes ciudades. La población trabajadora ha pagado las consecuencias con inundaciones frecuentes, cortes de servicios y otros desastres. 
Planteamos un régimen de impuestos progresivos sobre la propiedad del suelo (a mayor propiedad, mayor impuesto); la disposición de áreas de las zonas urbanas a costo cero para planes de vivienda popular, espacios verdes públicos y culturales, al igual que las tierras privadas ociosas; por un régimen de créditos a tasa cero para la vivienda y un plan enérgico de urbanización y de obras públicas para los asentamientos y villas. Para ello, planteamos una banca nacional única, bajo un directorio electo de trabajadores. 
Estamos por la derogación de los actuales códigos urbanos – que recogen la inspiración del capital financiero e inmobiliario- y una planificación de las ciudades debatida y dirigida por representantes de las organizaciones vecinales y populares.

07. Salud

El sistema de salud pública se encuentra en un estado de derrumbe. Al retroceso sistemático en el número de camas y de personal disponible, se suma la carencia de insumos y la desatención a los pacientes, apenas disimulada con sistemas de “turnos” que se prolongan durante semanas y meses. El vaciamiento del hospital público es la contraparte obligada del negocio de la medicina privada, que incluye la intermediación parasitaria – uno de los centros de negocio del capital financiero – de las prepagas. 
Al vaciamiento sanitario, le oponemos un sistema nacional de salud público y universal, a cargo del estado. Frente al saqueo de las obras sociales, de las patronales, del estado y la burocracia sindical planteamos la extinción del trabajo en negro, a través de la elección universal de cuerpos de delegados que tomen a su cargo el control de los aportes, y el manejo de las obras sociales por comités electos de trabajadores. Por el ingreso masivo de enfermeros, de acuerdo a los cánones de necesidad por paciente, con jornada laboral de seis horas, y de médicos y profesionales, con jornada de seis horas y doble turno en los hospitales públicos.

08. Educación

El gobierno kirchnerista ha mantenido las vigas maestras impuestas a la enseñanza bajo la década “neoliberal”. A través de nuevas leyes (de Educación Nacional, de Educación Técnica, de Financiamiento), se ha consolidado la descentralización menemista de la educación, la adaptación de la educación a las necesidades del mercado capitalista y la continuidad del apoyo a la enseñanza privada. En las universidades, el hacinamiento y la precarización laboral conviven con un régimen de privatización al interior de los propios claustros, una de cuyas expresiones es la utilización del patrimonio científico de la universidad por los monopolios privados. 
La re- nacionalización de la educación en todos sus aspectos debe estar acompañada de la dirección democrática de la Comunidad Educativa, con mayoría de docentes y estudiantes. Planteamos la elaboración de objetivos, contenidos y distribución de recursos, en manos de esta dirección democrática de la educación integrada por todos los miembros de la comunidad educativa.
Por la duplicación del presupuesto educativo, que hoy apenas cubre los salarios docentes. Por un relevamiento inmediato de la situación edilicia de las escuelas bajo control de docentes, auxiliares y alumnos, para su inmediata reparación. Por pasantías educativas bajo normas establecidas por la docencia y no por la empresa, con horario máximo de 4 horas, pagas, bajo convenio de la respectiva actividad. Abordamos la recuperación de las conquistas históricas de la educación como parte de la reapropiación del conjunto de la riqueza y de la vida social por parte de los trabajadores, lo que exige una reorganización social a costa del capital.

09. Seguridad

La inseguridad ciudadana es un problema que afecta, en primer lugar, a los trabajadores y sus barrios. La inseguridad es el signo más contundente de la descomposición del Estado, porque tiene que ver con la vida de las personas. El delito organizado se aloja en las estructuras del Estado, y el ‘menor' en las estructuras de punteros de los partidos tradicionales, con vínculos en la justicia y la policía. 
El crecimiento de la inseguridad es inseparable de la descomposición del capitalismo y de sus estados. Para rescatarse a sí misma, la banca internacional se ha entrelazado con los fondos del narcolavado. El capitalismo se ha transformado en un gigantesco negocio ilegal. Desde la cúpula del gran capital y del Estado, el delito se derrama hacia las salas de juego y la especulación inmobiliaria, y hacia los gobiernos locales y sus punteros políticos, que amparan a los desarmaderos o basurales clandestinos. Para acabar con el delito y la inseguridad, hay que atacar al aparato del Estado que lo encubre y protege, y atacar al régimen social que se nutre como un parásito del negocio de la destrucción física y moral de la juventud y de los seres humanos. 
Estamos por el desmantelamiento del aparato represivo, por sus múltiples y comprobados lazos con el delito organizado. A partir de allí, debe establecerse una fuerza de seguridad ciudadana construida sobre nuevas bases; sus cuadros deben ser reclutados y seleccionados bajo el control de organizaciones sociales y de derechos humanos. 
Que los libros de guardia y partes diarios de las comisarías estén sometidos al control de representantes electos; solamente así vamos a terminar con las zonas liberadas, el gatillo fácil y los chicos muertos en las comisarías. También proponemos la elección popular de los jueces, para que rindan cuentas periódicamente ante la población sobre sus fallos. 
Por último, es necesario que los bancos abran sus cuentas y que sean directamente nacionalizados, para poner fin al lavado de dinero.

10. Democracia sindical

Durante casi una década, el kirchnerismo anudó un pacto con la burocracia de los sindicatos, que aseguró la persistencia de paritarias con techo, por un lado, y de un 40% de precarización laboral, por el otro. La ruptura de los Moyano y otros con el gobierno no obedece a un planteo de lucha: sólo han marchado detrás de la oposición capitalista al kirchnerismo. Los "renovadores” de Massa se están agenciando a lo peor de esa misma burocracia, para asegurarse a futuro la regimentación de los trabajadores, sus sindicatos y sus luchas. 
Nosotros, la izquierda, luchamos por la reorganización clasista de los sindicatos basada en la soberanía de las asambleas obreras y en la independencia política de la clase obrera de la patronal y del estado capitalista. 
Para poner fin a la dictadura de la burocracia sindical en nuestras organizaciones obreras, y asegurar su independencia respecto del Estado y de las patronales, planteamos la derogación de la ley de Asociaciones profesionales junto a la más amplia libertad de organización y representación sindical.

11. Corrupción

La corrupción es inseparable del régimen social existente: el dinero desviado al soborno o la cooptación de funcionarios, para desplazar a otros capitalistas o lograr una mayor porción del presupuesto estatal, es sólo la caja chica de la riqueza social que se sustrae cotidianamente a los trabajadores. Los partidos del régimen fundan su existencia en el apoyo económico de los capitalistas para sus campañas electorales. Esos apoyos, luego, hay que pagarlos. 
Los Lázaro Báez, Cristóbal López y otros ligados a la camarilla oficial, dan cuenta de ello. Pero la oposición patronal que los denuncia no quiere recordar sus propias corruptelas, como la “Banelco” de la Alianza o los peculados del menemismo. 
Planteamos que se abran las cuentas y contratos de la obra pública de toda esta década en la Nación y en las provincias; la investigación independiente de los patrimonios de los Lázaro Báez y otros, y se incauten los recursos y patrimonios de los empresarios vaciadores. 
Por el control obrero de la obra pública, las licitaciones y contratos del Estado, que ningún funcionario o representante estatal gane más que un trabajador calificado y la revocabilidad de los cargos.

12. Derechos de la mujer

El kirchnerismo ha fracasado en abrir paso a las reivindicaciones más elementales de la mujer trabajadora. Las leyes de salud reproductiva han quedado en el papel, bajo el peso de la asfixia presupuestaria en todo el sistema sanitario estatal. Lo mismo ocurre con la cuestión del aborto no punible, que sucumbe bajo la presión del clero y sus agentes en el aparato estatal. Mientras tanto, la mujer soporta el flagelo de las redes de trabajo esclavo y de trata de personas. En un caso, con la complicidad de la gran industria textil; en el otro, de una vasta red de complicidades asociadas al poder político en todo el país. 
Estamos por el desmantelamiento de las redes de trata y la vigencia integral de todos los derechos de la mujer trabajadora. Para terminar con la masacre del aborto clandestino, que se lleva la vida de centenares de mujeres por año, estamos por el derecho al aborto legal, seguro y gratuito. Contra toda forma de opresión sexual y el derecho irrestricto a la libre elección de la sexualidad.