quarta-feira, 26 de fevereiro de 2014

A CONJUNTURA ATUAL

                                                                 
                

Osvaldo Coggiola

 1. A determinante principal da conjuntura econômica e política brasileira é a continuidade da crise capitalista mundial, agora atingindo fortemente os chamados “mercados emergentes”. Os índices apresentados pelos diversos governos para justificar uma suposta saída da crise não resistem à análise. O crescimento do PIB nos EUA e no Brasil se situa neste ano na casa de 2%, na Europa em 0,8%, depois do retrocesso no quinquênio posterior a 2008. Não foram ainda retomados os índices de atividade econômica de 2007. O débito público, incrementado geometricamente em função da injeção de dinheiro público para salvar o capital falido, especialmente financeiro, não está nem um pouco superado: as dívidas públicas incrementadas estão situadas na casa dos 220% (Japão) ou dos 150% do PIB, em vários países europeus e nos EUA. Este país foi novamente salvo pelo gongo de entrar em default declarado por um acordo suprapartidário em que a direita republicana obteve concessões extraordinárias em matéria de corte dos gastos públicos (saúde e educação). Os lucros dos super ricos e os gastos armamentistas foram, ao contrário, mantidos. Um default norte-americano afundaria de imediato a economia chinesa, locomotiva do comércio mundial e principal destino do fluxo internacional de capitais, pois as divisas resultantes de seus enormes superávits foram transformadas em títulos da dívida pública dos EUA, do qual a China é o principal credor. As contas das grandes instituições financeiras privadas continuam no vermelho, quando levada em conta a carteira dos chamados “créditos podres”. Ou seja, estamos diante de uma recuperação limitada que não resolve os problemas estruturais que precipitaram a economia mundial no limiar do abismo no último quinquênio. O índice da Bolsa de Nova York fechou acima dos 16 mil pontos pela primeira vez na história, um novo volume de valorização fictícia do capital que indica que estamos próximos de uma nova etapa de crise das bolsas, que exigirá nova expansão da divida pública.

2. Como em toda crise, está acontecendo uma super-monopolização do capital em todas as áreas: comercial, financeira (com grandes fusões bancárias) e também industrial (com a criação, por exemplo, da maior companhia aérea com a fusão entre American Airlines e US Airways). O grande capital tenta sair da crise provocando uma queda histórica do valor da força de trabalho, com a massiva destruição de direitos trabalhistas, a precarização dos empregos, a demissão de funcionários públicos e cortes salariais. O desemprego continua enorme, com taxas que beiram o 60% da população abaixo dos 25 anos, em vários países europeus (Grécia, Itália, Espanha). A justiça portuguesa aprovou o aumento da jornada de trabalho dos servidores públicos: os funcionários trabalharão mais, mas não terão reajuste de salários. Portugal enfrentará em 2014 seu quinto ano consecutivo de ajuste orçamentário, incluindo reduções salariais e de pensão para funcionários públicos. A gigantesca transferência de recursos públicos para salvar bancos e indústrias acelerou o processo mundial de concentração do capital: a divida pública mundial, que era de US$ 22 trilhões em 2008, chegou em 2012 a US$ 44 trilhões. A maior falência municipal da história estadunidense (Detroit) ocorreu em julho de 2013, em vista de não poder arcar com uma dívida de US$ 18,5 bilhões. Nos países mais atingidos pela crise, as mobilizações de todo tipo continuam presentes, com paralisações, manifestações de rua, ocupações de prédios e locais de trabalho. Na Espanha, o separatismo regional ameaça até a unidade do Estado Espanhol. As manifestações contra os ajustes econômicos e a retirada de direitos trabalhistas e sociais se ampliam, porém sem uma alternativa política de classe. A presença de formações fascistas (como Aurora Dourada, na Grécia) e até de uma extrema direita xenófoba com chances de vitória eleitoral (a Frente Nacional, na França) evidencia a tendência para uma polarização política resultante da polarização social e do acirramento da luta de classes.

3. O grande capital internacional pressiona também em favor da abertura da economia chinesa (especialmente seu setor financeiro, estatal), que está posta diante dos problemas causados pela desaceleração econômica, incluindo uma forte degradação social, que se expressa no surgimento de favelas nas cidades industriais (China passou de 18% para 50% de população urbana desde a “abertura econômica para o mercado” de 1978). Em novembro, o governo do PC Chinês realizou novas concessões estratégicas ao setor privado. Na América Latina, Cuba segue um rumo semelhante ao da China, em escala muito menor, e condicionada pelo embargo comercial e o cerco imperialista. As possibilidades do grande capital para impor uma saída à crise em seus próprios termos estão condicionadas, de um lado, pelos conflitos internos ao imperialismo, evidenciados pela revelação da espionagem mundial comandada pela NSA (Agência de Segurança) dos EUA, que afeta inclusive seus mais estreitos aliados políticos, tendo provocado um inédito atrito público com a Alemanha. A tendência para o bonapartismo se instalou na própria “democracia americana”, cujo Senado (baseado na representação não proporcional) votou uma lei que impede o bloqueio parlamentar às nomeações presidenciais nos mais altos cargos estatais (exceto a Suprema Corte). Por outro lado, persiste a resistência e a mobilização de massas, nas mais diversas áreas do planeta. O imperialismo ianque busca, sobretudo, recuperar a iniciativa política no Oriente Médio, chave geopolítica mundial. A crise no Egito, em que uma gigantesca mobilização popular foi politicamente expropriada por um golpe militar, tende a escapar ao controle dos EUA (que cortou sua assistência militar a esse país, só conseguindo que o Egito refizesse um acordo militar com a Rússia, reeditando os antigos acordos com a URSS, dos tempos da guerra fria).

4. Os EUA não conseguiram tampouco impor o total retrocesso nuclear ao Irã, contrariando as exigências de Israel, país que avança sobre os territórios e a população palestina de modo tão brutal ao ponto de provocar o distanciamento dos próprios EUA, seu aliado e escudo internacional. A iniciativa de uma intervenção militar imperialista na Síria foi adiada pelas divergências entre os “aliados ocidentais” e dentro da própria administração norte-americana. O declínio da “primavera árabe” não deu lugar a uma nova estabilidade política no Oriente Médio, e menos ainda a uma nova ordem regional nos termos exigidos pelo imperialismo. O acordo nuclear das potências imperialistas (o “grupo 5+1”) com o Irã cria mais problemas dos que resolve. Abre uma frente de crise internacional com o Estado sionista, que qualificou o acordo de “erro histórico”. E abre crises políticas internas de envergadura nos EUA e na própria “república islâmica”, que teve de aceitar as antes rejeitadas inspeções internacionais, que poderão inclusive ser diárias (além do fechamento do reator nuclear de Arak, o único capaz de produzir plutônio). O retrocesso iraniano foi apresentado como a única resposta possível às sanções e ao embargo impostos por Europa e os EUA (que provocaram uma inflação de 40% e um retrocesso do PIB iraniano, em que pesem os aumentos dos preços do petróleo), quando se trata de uma inflexão política. O acordo Brasil - Turquia - Irã, de 2010, previa o enriquecimento do urânio iraniano na Rússia (sob compromisso de não ultrapassar os 20% de enriquecimento, longe dos 90% necessários para produzir artefatos nucleares). Agora, as potências imperialistas terão direito a realizar inspeções in situ, para um enriquecimento máximo de 5%. Aquele acordo, que já era um retrocesso iraniano (ver: La crisis nuclear y el acuerdo Irán-Brasil-Turquia. En Defensa del Marxismo nº 39, Buenos Aires, agosto de 2010), pavimentou o caminho do acordo de novembro deste ano: carece de sentido que seja apresentado como um “modelo antiimperialista” (melhor seria dizer “emergente”) em contraposição ao acordo atual. Que só adiou os problemas, pois deverá ser ratificado pelas partes em seis meses.

5. Na América Latina, as crises políticas crescem em intensidade, e condicionam os processos eleitorais em curso. No México, o governo de Peña Nieto já enfrenta importantes mobilizações da juventude. Na Venezuela, não se encerrou a crise deflagrada pela morte de Hugo Chávez, em um contexto de inflação de 54% anual e desabastecimento provocado pelo capital que lembra aquele que precedeu o golpe chileno de 1973. O aumento dos poderes presidenciais de Maduro deflagrou uma nova crise com a oposição “esquálida” ao mesmo tempo que prepara uma brutal desvalorização monetária que afetará de modo violento a população trabalhadora. O “processo de paz” na Colômbia legitima os ataques e a expropriação da população camponesa das últimas décadas, mas abre um espaço para a atuação de um combativo e perseguido movimento sindical. No Chile, o processo eleitoral foi diretamente influído pelas grandes mobilizações estudantis dos últimos anos, ao ponto de alguns de seus dirigentes terem se transformado nos principais cabos eleitorais do país. A nova “Concertación”, agora ampliada com a presença do PC chileno, fracassou em obter a vitória no primeiro turno, em que pese a enorme deterioração da coalizão neoliberal-direitista, com as abstenções atingindo percentuais próximos a 50%. Na Argentina, a crise do débito e do déficit externo e a entrega do petróleo provocaram a deterioração do governo de Cristina Kirchner, que passou de um índice de 54% na eleição presidencial para menos de 30% nas recentes eleições legislativas, onde a grande vitoriosa foi a “frente de esquerda dos trabalhadores”, articulação política classista que conquistou importantes bancadas parlamentares, nacionais e provinciais, demonstrando que a crise do nacional-populismo não necessariamente beneficia à direita neoliberal, como pretendem fazer crer os agentes da conciliação de classes no movimento operário e popular. Além disso, estes ocultam que o nacionalismo burguês ou pequeno-burguês conclui como correia de transmissão da pressão imperialista. O Partido Obrero, que luta pela refundação da IV Internacional, obteve 30% dos votos nos comícios legislativos de Salta, principal capital do norte do país, é o principal impulsionador da Frente de Izquierda y de los Trabajadores, que não foi uma improvisação eleitoreira de última hora, mas o produto de uma luta política e ideológica de décadas em defesa da independência classista e do governo dos trabalhadores, contra a adaptação teórico/política que foi a marca da esquerda internacional, em especial desde a década de 1990 (“fim do socialismo”).

6. No Brasil, a explosão social de junho de 2013 não foi um raio em céu de brigadeiro. Desde o início da década de 2010, houve o aumento do número de mobilizações e greves por todo o país. Em 2011, vinte estados brasileiros tiveram greves nas redes de ensino municipais e estaduais. Os levantamentos do DIEESE apontaram que em 2012 se registrou um recorde no número de greves, semelhante aos picos da década de 1980. Em que pesem as violentas ações da polícia e a propaganda da imprensa do capital, a luta dos trabalhadores da educação ganhou alcance nacional. A violência da ação governamental foi enfrentada por meio da resistência e da solidariedade dos trabalhadores do país. Vale ressaltar a participação ativa do movimento estudantil na intensificação dessas mobilizações. Na educação superior, houve significativo movimento grevista em diversas instituições estaduais de ensino, além da grande greve das universidades federais de 2012, de mais de 100 dias, em que os professores das instituições federais de ensino se enfrentaram com a política do governo federal. As lutas de junho-julho de 2013 foram pavimentadas por todas as lutas precedentes contra as políticas governamentais de ataque aos direitos e conquistas trabalhistas, com destaque para as lutas do setor púbico. O movimento que explodiu nacionalmente em junho passado tinha tido um anúncio em abril, em Porto Alegre, quando milhares de estudantes tomaram as ruas, enfrentando a repressão policial, contra o aumento das passagens de ônibus; o movimento da juventude alastrou-se a partir do final de maio, para as ruas de diversas cidades e capitais brasileiras, que foram tomadas pelo protesto, com destaque para Rio de Janeiro e São Paulo, onde as mobilizações entraram em choque com a polícia militar e transformaram o centro destas cidades em uma verdadeira praça de guerra. A reivindicação imediata do movimento foi a revogação do aumento das tarifas de ônibus em todas as cidades. O movimento se espalhou rapidamente pelo país, o principal organizador dos protestos foi o Movimento Passe Livre (MPL), que luta pela adoção da tarifa zero (transporte público gratuito para todos).

7. Com o movimento de luta desenvolvido a partir de meados de 2013, o Brasil voltou ao centro do cenário político latino-americano. As mobilizações entraram em choque com a polícia militar e transformaram o centro das principais cidades em praça de guerra. A reivindicação imediata do movimento foi a revogação do aumento das tarifas de ônibus. O movimento se espalhou rapidamente pelo país enfrentando a polícia e a tropa de choque que reprimiu os manifestantes com cassetetes, bombas de gás lacrimogêneo, balas de borracha e a detenção dos ativistas. Durante as primeiras manifestações, Dilma Rousseff ofereceu o apoio da “Força Nacional” a governadores e prefeitos em dificuldades, evidenciando a tendência para a constituição de um Estado policial. Nessa linha, o governo justificou os gastos faraônicos nos megaeventos com o argumento de que o principal saldo da Copa das Confederações, da Copa 2014 e da Olimpíada 2016 será a institucionalização dos “novos esquemas de segurança”. Mas o Brasil se pôs em pé de luta, os jornais do mundo inteiro se fizeram eco. Para a grande imprensa brasileira, até 13 de junho tínhamos só “vândalos” nas ruas; a partir de 17 de junho, a grande data da virada, tivemos “manifestantes”. Milhões de pessoas ocuparam as ruas em mais de 600 cidades, sem coordenação prévia. Diante do recuo das autoridades em relação ao “tarifaço” urbano, os comentaristas burgueses de plantão se manifestaram “surpresos” e até “atordoados” com o crescimento, geométrico e nacional, da mobilização. A luta da juventude iniciou uma nova fase política, começada pela rejeição ao aumento das tarifas do transporte urbano, que se transformou numa mobilização de massas contra todo o regime político.

8. Na segunda quinzena de junho, a revolta das ruas ensejou uma agenda muito mais ampla que a inicial: pela defesa da juventude combativa, pelo direito democrático a manifestar na rua, pela defesa do serviço público (educação, saúde, previdência e previsão social), contra o Estado corrupto e repressivo. O governo (PT e “aliados”) ficou em estado catatônico por duas semanas. O aumento das tarifas de transporte foi o estopim de uma situação social degradada (em muitos aspectos, piorada) nos últimos anos. Dez dias depois do início das manifestações, os jornais avaliavam uma média de 230 mil manifestantes em doze capitais. A 20 de junho, os manifestantes já se contavam na casa do “mais de milhão”, com um milhão só no Rio de Janeiro. As redes sociais, apresentadas como fator chave da generalização da mobilização, são certamente um meio para acelerar e ampliar a difusão de ideias e propostas, sob a condição de que elas (as ideias e as propostas) existam previamente. Para proteger situação de exploração e espoliação da população foi acionado, um aparelho policial/militar herdado da ditadura militar, preservado e aperfeiçoado pelos governos civis desde a “transição democrática”, incluído o governo do PT. Manifestações como as de junho passado ficam sujeitas à classificação de ato de terrorismo, na definição desse crime proposta no Congresso para a segurança nos eventos no Brasil. O enorme aparato repressivo brasileiro incrementou-se e se sofisticou como nunca, em função dos “grandes eventos” (Copa do Mundo e Olimpíadas) pela ação do governo petista.

9. A imprensa brasileira achou um arcano para destrinchar: a identidade do Movimento Passe Livre. O MPL, principal articulador dos protestos, teve sua origem em uma revolta popular na cidade de Salvador, em 2003, a “Revolta do Buzu”. Estendeu-se depois nacionalmente, protagonizou a “revolta da catraca” em Florianópolis. A força da mobilização juvenil já assustara uma parte dos governos das prefeituras, a ponto de várias cidades abaixarem as tarifas (Campinas), ou obedecerem a decisão judicial nesse sentido (Goiânia). O movimento já tem dez anos de história. Em 2005, o MPL definiu seu programa em torno de ir e vir na cidade como direito básico que deve ser assegurado pelo poder público, assim como a educação e a saúde, reivindicando a mudança do modelo de transporte, sob a forma de concessões a empresários privados, para um modelo público. O que exigiria, como outras transformações igualmente necessárias (a remodelação da cidade e do espaço), atacar o regime social capitalista. Exige discutir a espantosa dívida de municípios e estados (R$ 177,5 bilhões, só a do estado de São Paulo, ou mais de 150% de sua receita fiscal) e seus beneficiários (os tubarões financeiros), o controle público dos lucros espantosos das empresas adjudicatárias do transporte urbano, sem falar no orçamento das forças de repressão, em primeiro lugar a PM. Os jovens que lutam pelo passe livre iniciaram uma virada política no país. O black bloc, por sua vez, agora usado como espantalho, apresentado como organização misteriosa e clandestina, não é misterioso nem clandestino. “Anarquista”, para a preguiça mental de alguns, é vagamente “autonomista”, sem programa algum, possui uma estrutura “horizontal” baseada na pura ação que o torna alvo fácil da infiltração policial. O black bloc é a expressão negativa da ausência de uma organização classista e revolucionária na juventude explorada brasileira. Se, para os marxistas de faz um século, o anarquismo era “o preço a pagar pelo movimento operário pelos seus pecados oportunistas”, o “autonomismo” black é o preço inevitável que a esquerda paga pela sua adaptação ao capital no período de sua maior crise histórica.

10. A radicalização repressiva/ antiterrorista do governo é a materialização e a continuidade da política pela qual os governos (tucanos e petistas) fizeram do país uma plataforma privilegiada de valorização fictícia do capital financeiro e industrial, com juros (remuneração do capital financeiro) e isenções fiscais elevados, com privatizações em sequência sem fim; para isso se atacou em regra o patrimônio e o serviço público (transporte, saúde, educação, etc.), em nome da “flexibilidade” e da “eficiência”. O resultado foi uma dívida (interna e externa) monstruosa, aumento de tarifas, e até tarifas onde antes não existiam. Encobriu-se tudo com incentivos ao consumo e bolsas sociais focalizadas, com o resultado de um endividamento médio recorde de 44% da renda anual da população, que duplica quando consideradas só as capitais. A miragem de “crescer exportando” do discurso oficial se estrelou em 2012 contra o crescimento zero e queda da renda per capita. A “recuperação” de 2013 foi deflacionada para 2% no PIB, renda per capita negativa, com inflação em aceleração, com um saldo comercial pífio e, posteriormente, deficitário, depois de alterar a estrutura produtiva do país para transformá-lo em uma plataforma exportadora. A crescente fuga de capitais foi a reação ao sinal amarelo que o grande capital internacional acendeu diante dos índices de decomposição da produção capitalista no país.

11. Para tapar o buraco foram realizadas mais privatizações (leilões do petróleo, gestão privada dos hospitais públicos), eventos e megaeventos, com sua sequela de desapropriações e leis antiterroristas. A corrupção e a crise econômica se cruzam no BNDES, o banco estatal cuja carteira de créditos ao setor privado aumentou de R$ 25,7 bilhões em 2001, para R$ 168,4 bilhões em 2010, com uma taxa decrescente do investimento privado. A maioria das empresas beneficiadas pelos créditos oficiais registra prejuízos ou se encontra em falência. A mais importante é a EBX, de Elke Baptista, beneficiária de R$ 10,5 bilhões em créditos do dinheiro público. Quase três quartos do valor total de sua participação direta nas empresas do EBX estavam em nome de fundos localizados fora do país, controlados pela EBX International S/A, sediada no Panamá. A prática é comum em empresas que buscam driblar a tributação. Em 2012-2013, a cotação dos papéis da empresas do “capitalista do Lula e Dilma” caiu 96,5%. Batista foi rebaixado do 7º para o 100º posto entre os bilionários. Seis meses mais tarde foi retirado do clube, uma vez que sua riqueza fora reduzida a menos de 900 milhões de dólares. As empresas do “grupo X” do “empresário nacional”, crescidas à sombra de concessões petroleiras favorecidas pelo governo, foram vendidas a preço de banana ao capital internacional. A degringolada dos “capitalistas nacionais” joga luz sobre a crise do capitalismo brasileiro. Para sobreviver, o Estado capitalista brasileiro tem que se transformar cada vez mais em agente da espoliação do país pelo capital financeiro internacional. 2/3 das reservas cambiais brasileiras são “reservas estéreis” que quase nada rendem, derivadas da expansão da dívida pública; o governo petista pretende agora assegurar a total independência do Banco Central alegando que ela teria um papel semelhante à “Carta ao Povo Brasileiro” de 2002: os rentistas, banqueiros ou fundos de pensão teriam direito a estabelecer a política monetária que garantisse maior retorno aos títulos públicos. E também prossegue o processo de privatização das rodovias, aeroportos, portos, etc. A explosão da divida pública é o resultado não só da política de estabilização, mas, sobretudo, das políticas de salvamento dos grandes grupos capitalistas impactados pela crise de 2008.

12. A luta popular provocou a deterioração política do governo. Em poucas semanas, o índice de aprovação de Dilma Rousseff caiu de quase 70% para 30%. A proposta de Assembléia Constituinte para tratar da reforma política foi rapidamente engavetada. O governo recuou e passou a defender um plebiscito sobre uma proposta de reforma. Na reunião de Dilma com as centrais sindicais, o representante do Conlutas denunciou a proposta de plebiscito como uma manobra de distração. As propostas das centrais sindicais ao governo foram simplesmente ignoradas. A resposta de Dilma Rousseff à “voz das ruas” ficou reduzida a nada. A promessa de consagrar 100% dos royalties do petróleo pré-sal (esses royalties constituem menos de 8% da renda petroleira, aos que deve-se ainda aplicar o IR, pois o 92% restante fica nas mãos do capital privado) foi mutilada e postergada pelo Congresso. A “reforma política” foi simplesmente enterrada no Congresso Nacional. As bases institucionais da corrupção política não só estão mantidas, mas aprofundadas. Nem se cogita anular a vergonhosa Lei de Anistia, que declarou impunes para sempre a assassinos, torturadores y corruptos comprovados do regime militar. Para não falar da militarização das policias, que matam impunemente e possuem foro judicial e tribunais próprios. Posto diante de uma luta popular de envergadura, o Estado brasileiro desnudou a sua condição de aparelho classista de repressão dos trabalhadores, da juventude e dos pobres.

13. Depois de julho, os movimentos de rua continuaram ditando a política do país, apesar do seu retrocesso. As sete centrais sindicais convocaram a uma greve geral em 11 de julho, continuada com uma nova paralisação realizada a 30 de agosto, jornadas isoladas, sem continuidade e carentes de programa e objetivos classistas. O movimento popular revigorado não é ainda um movimento de classe. Os movimentos dos sem teto passaram a organizar manifestações e bloqueios de avenidas contra as péssimas condições de moradia, saúde e transporte nos bairros pobres. Ao mesmo tempo, se desenvolveu uma formidável ofensiva repressiva nas favelas e bairros pobres, mediante um gigantesco operativo de militarização para evitar que os setores mais explorados se incorporassem à luta. O assassinato do pedreiro Amarildo de Souza ficou como símbolo da natureza repressiva e criminal do Estado brasileiro. Nessas condições, o governo federal, depois de um novo corte orçamentário (10 bilhões de reais), que se somaram aos 28 bilhões já cortados no primeiro semestre de 2013, para alcançar as metas de superávit primário impostas pelo FMI (garantindo o pagamento em dia da dívida pública), liberou seis bilhões de reais em emendas parlamentares com o objetivo de manter o apoio da “base aliada”. O superávit primário de 2013, ainda assim, foi o mais baixo desde 2001. À crescente fuga de capitais se somou o déficit comercial, o primeiro em toda a década petista. O boom exportador brasileiro pertence cada vez mais ao passado. O capital financeiro continua ganhando, beneficiado pela elevação das taxas de juros: Itaú Unibanco (maior banco privado) lucrou 3,6 bilhões de reais no segundo semestre de 2013, recorde histórico. O país afunda ao compasso do parasitismo capitalista-financeiro.

14. O retrocesso econômico do país aprofunda as perdas dos trabalhadores e acirra a polarização social. O PL (Projeto de Lei) 4330 estende a terceirização para todos os setores e atividades da economia brasileira, que tem atualmente 10 milhões de trabalhadores terceirizados (arrochados e sem direitos sindicais ou trabalhistas) para 34 milhões de trabalhadores com carteira assinada, um índice percentual de precarização que atinge 31%, devido ao seu fantástico avanço na década do “governo dos trabalhadores”. A elevação dos índices inflacionários deixa os trabalhadores a mercê do mercado financeiro, corroendo suas condições de vida e comprometendo seu futuro. Continuam os ataques violentos ao patrimônio público e aos direitos dos trabalhadores e camponeses em favor dos interesses do capital. Contra os indígenas, quilombolas e ribeirinhos, o governo tem se colocado ao lado do agronegócio e dos empresários das hidrelétricas. Forçou a privatização dos hospitais universitários através da Empresa Brasileira de Serviços Hospitalares (EBSERH) – empresa pública de direito privado – que retira do Estado a responsabilidade pela assistência à saúde dos trabalhadores e fere a autonomia universitária. A atenção médica universal pelo SUS se transforma numa casca vazia diante da falta de recursos estatais para a saúde pública, os mesmos recursos que sobram para pagar a dívida com o grande capital privado, alimentar o aparelho repressivo e financiar eventos e obras que se transformam em enormes negócios do grande capital. Nessa seara está inscrito o projeto governamental do Fundo de Pensão (FUNPRESP), uma operação financeira que captura recursos dos trabalhadores e os converte em capital aplicado em ações de empresas e títulos públicos. Os movimentos sociais e populares são constantemente criminalizados pelo governo e pelo Poder Judiciário, numa ação articulada com a grande mídia. Tem se assistido a criminalização de lideranças sindicais, indígenas, quilombolas, trabalhadores da educação e estudantes. O governo e seus aliados políticos constroem outro instrumento, a Lei de Greve, que pretende criminalizar e judicializar todo movimento de luta dos explorados brasileiros.

15. A entrega ao capital internacional dos recursos nacionais é a outra face dessa política. A Petrobrás – antes conclamada símbolo da soberania nacional – se associou às multinacionais da Holanda, da França e da China para explorar uma riqueza por meio dos trabalhadores brasileiros e entregá-la ao capital. O leilão do Campo de Libra foi vencido pelo lance mínimo (15 bilhões de dólares) por um único consórcio que envolveu Petrobrás, Shell (Inglaterra/Holanda), Total (França) e Cnpc e Cnooc (China), para uma reserva estimada em 15 bilhões de barris. O Estado brasileiro pagou para ficar com 40% (na verdade, nem isso, pois a Petrobrás não é estatal) do que é seu por lei e Constituição. Em que pese todo o discurso governamental, a ampliação dos recursos para a educação e a saúde por meio da exploração dos recursos naturais será pífia: os minguados royalties do Estado serão depositados num fundo, cujos rendimentos, na melhor das hipóteses, não chegarão a 1% do PIB no ano de 2022, a uma distância sideral, portanto, da reivindicação de 10% do PIB já para a educação. A política em favor do grande capital imperialista e da burguesia exportadora se articula com a política repressiva, com o assassinato de lideranças indígenas por latifundiários amigos do governo, que investiu rios de dinheiro no agronegócio e quase nada em reforma agrária. Com a Copa do Mundo, responsável por reordenar as cidades em benefício do capital, intensificou-se a militarização e reativou-se a Lei de Segurança Nacional, instaurando paulatinamente um estado policial no Brasil.

16. A crise política se aprofundou com a divisão da chamada “base aliada”, pela saída do PSB e a divisão do PDT. A multiplicação de novas alianças políticas opositoras na perspectiva eleitoral de 2014 traduz o aprofundamento da crise de dominação política da burguesia brasileira, confiada na última década a uma aliança das antigas direções sindicais “autênticas”, totalmente burocratizadas e entregues à patronal, com uma tecnocracia oriunda da antiga esquerda reformista, unidas num PT “modernizado” (adaptado por completo à burguesia) e aliado aos históricos parasitas corruptos do orçamento estatal nucleados no PMDB e outros da “base aliada”. Na campanha eleitoral não aparecem alternativas independentes dos trabalhadores.

17. O episódio do julgamento do mensalão que concluiu com a condenação e prisão de alguns dos responsáveis pelo desvio de recursos públicos para garantir a “governabilidade” petista, se insere dentro dessa crise. A condenação e as prisões poupam os grandes corruptos históricos e o principais corruptos políticos: Lula, Renan, Collor, Sarney, Jader Barbalho, ou Fernando Henrique Cardoso pela compra dos votos a favor da sua reeleição ou pelo dinheiro que sumiu da privatização da telefonia, os chefões do PSDB pelo dinheiro e sobre-faturamento das obras do metrô e dos trens. Casos de corrupção que envolvem partidos de oposição burguesa caminham para a prescrição. A condenação dos réus do mensalão não se equivale, porém, ao ataque contra a esquerda que luta e vem sendo sistematicamente perseguida pelo governo federal encabeçado pelo partido desses réus. A crise do mensalão é a expressão da crise de dominação política da burguesia no interior do PT e do próprio coração do Estado. O mensalão foi um esquema de compra de votos parlamentares comandado pelo PT desde sua chegada ao governo em 2003, sob pretexto de que a bancada petista somava menos de um quinto da Câmara. Na verdade, tinha a maioria em consequência de sua coalizão com vários partidos patronais, inclusive de extrema direita (o PSC e o PL, hoje PR, dois grupos evangélicos, por exemplo). A coalizão, mafiosa, era um esquema de colaboração de classes com gorjeta incluída. A primeira lei votada com esse “método” foi a privatização da previdência social (em 2003). O STF, porém, nunca ameaçou acusar Lula: ele foi preservado a instâncias do ex presidente FHC, que ordenou parar seu eventual impeachment (que chegou a ser invocado por alguns deputados opositores). O secretário do Tesouro dos EUA, John Snow, e George Bush visitaram nesse momento o Brasil para pronunciar-se em defesa de seu governo. O imperialismo foi assim um forte defensor do “governo dos trabalhadores”. A maioria dos juízes (7 dos 11) que ditaram a sentença e prisão dos ex dirigentes e governantes petistas foi nomeada para o STF pelo próprio PT. O pedido de prisão imediata foi realizado pelo procurador geral Rodrigo Janot, nomeado por Dilma com aval pessoal de Lula. A ordem de prisão dividiu o tribunal, mas entre os que votaram a favor se encontram os juízes considerados mais próximos ao PT (Barroso e Toffoli). A prisão de Genoíno e Dirceu parece ter sido favorecida por Lula e Dilma (e aceita pelos réus) para excluir esse tema da campanha eleitoral de 2014. A condenação com prisão (semi-efetiva, porque os culpados a cumprirão em regime semi-aberto) é o resultado de um pacto tão mafioso quanto a coalizão que realizou o delito.

18. Nas eleições internas do PT, em meados de novembro, entre os seis candidatos à presidência do partido, havia quatro “opositores”, sendo três “de esquerda”. O candidato oficial (100% alinhado com Lula e Dilma), Rui Falcão, venceu com quase 70% dos votos. O candidato “esquerdista” melhor colocado teve só 7% (os outros nem chegaram a 1%). A diferença de eleições internas anteriores, quando se manteve em segundo plano, Lula jogou todo seu peso político para isolar as outras tendências petistas, que questionavam a política de alianças sem limites à direita do PT, que será aprofundada na campanha pela reeleição de Dilma em 2014. Com o mensalão e a eleição interna aparentemente superados, Lula teria as mãos livres para montar um quarto mandato do PT em condições de crise econômica e social aguda, que anunciam uma tentativa de ataque violento às conquistas históricas da classe trabalhadora. Que as sentenças e prisões do STF fortaleçam o Estado frente ao rugido anti-corrupção de junho-julho é mais do que duvidoso: o mesmo Estado deixa publicamente prescrever crimes semelhantes cometidos pela oposição burguesa (PSDB, DEM), sem falar nos novos escândalos de corrupção municipais e estaduais em São Paulo. O potencial de crise do mensalão não foi esgotado, ele é uma etapa da decomposição do regime político brasileiro.

19. O PSTU tem lançado um chamado para uma frente de esquerda nas eleições de 2014, defendendo a independência de classe contra candidaturas de conciliação de classes ou semi-governistas. É um princípio formal, que pode até ser eleitoreiro (o PSTU declara que a frente “precisa ser organizada de forma a respeitar os espaços de cada um dos partidos que venham a compô-la, seja no que diz respeito à candidatura a vice, na utilização do tempo de TV e mesmo nas definições de coligações nos estados...”). É necessário um balanço crítico do papel da esquerda em junho-julho passados, quando foi apanhada de surpresa pela insurgência juvenil e popular, para a qual não teve proposta nenhuma; se alinhou nas manifestações seguindo a convocação da direção do PT, a “coluna vermelha”, que foi surrada em diversas capitais pelos manifestantes, e ficou depois a reboque das pseudo-iniciativas da burocracia sindical cutista, somando-se sem crítica às paralisações de julho e agosto. Nessas condições, a frente de esquerda é uma proposta vazia de conteúdo que não aparece como a expressão política da insurgência popular. Uma das potenciais componentes da frente, o PCB, já lançou sua própria candidatura presidencial. A outra, o PSOL, se encontra em situação de guerra interna, devido à fraude perpetrada pela direção do partido nas convenções estaduais prévias à convenção eleitoral nacional. Num caso de corrupção declarada, a direção do PSOL do Rio de Janeiro decidiu a expulsão da sua deputada Janira Rocha por nove votos a zero. Janira faz também parte da direção partidária; as fraudes nas convenções estaduais foram escandalosas, incluído o uso da máquina estatal. No Amapá, o PSOL controla a prefeitura da capital, depois de uma vitória eleitoral graças a uma aliança que incluiu PV, PPS, PMN, PTC e PRTB (e com apoio do DEM e do PTB no segundo turno), ou seja, uma aliança com a direita e até com a extrema direita. O Bloco de Esquerda do partido (um conglomerado de pequenas tendências e grupos) propõe “afirmar em 2014 uma candidatura do PSOL para as eleições presidenciais com este perfil (‘organização popular contra a corrupta institucionalidade e seus governos, socialismo com democracia, uma outra democracia com ampla participação popular’) e com uma política de alianças nacional e estadual coerentes entre si, sem alianças com partidos da base de sustentação do governo Dilma, sem alianças com os partidos da base de sustentação dos tucanos e totalmente independente da aliança Marina-Eduardo Campos no âmbito nacional e no âmbito das eleições estaduais; afirmar que as candidaturas do PSOL serão sem qualquer financiamento de empresas, bancos, empreiteiras”. Ou seja, uma aliança democratizante não classista e anti-corrupção. Sobre essa base, uma frente de esquerda seria eleitoreira e uma frustração de um agrupamento classista e revolucionário.

20. A “força de direita governamental que o controla o Congresso” (o PMDB), segundo a definição da esquerda petista, instituiu uma comissão parlamentar de reforma política, com um projeto que flexibilizaria o financiamento partidário, eliminando praticamente as multas aos doadores privados (pessoas ou empresas), e suprimindo qualquer limite à propaganda eleitoral por qualquer meio, liberando os partidos e candidatos da comprovação dos gastos, além de incrementar os recursos públicos de campanha; ou seja, a farra completa, pra não usar outra palavra. A comissão é presidida pelo próprio PT (Cândido Vaccarezza). Assim, se apontou o perigo do surgimento de uma direita fascistoide, como o sujeito que grita “pega ladrão!”, a fim de encobrir uma ação dos verdadeiros ladrões. A esquerda brasileira surgida no calor da fase final da luta contra a ditadura militar e da pseudo-democratização da década de 1980 esgotou seu ciclo histórico e político. Em meio ao colapso comercial e financeiro do país, e à corrosão de seu regime político, uma nova esquerda classista poderia ver a luz sobre a base do balanço político da esquerda atual. A luta contra a reforma da previdência, contra a precarização do trabalho, pelo salário e a estabilidade no emprego, contra as tentativas de desmonte dos hospitais universitários e da saúde pública, em favor da luta dos indígenas que denunciam os ataques do governo aos seus direitos garantidos, da reforma agrária contra o agronegócio, se colocam no plano político e devem levantar um programa alternativo, baseado na estatização do sistema financeiro e do comércio exterior, a anulação da dívida usurária com o grande capital interno e externo, o controle operário da produção, a unidade socialista da América Latina. A esquerda atual, dentro e fora do PT, passa longe dessa perspectiva. As tendências para a inflação e a crise financeira, que se manifestam na saída crescente de capitais do Brasil, passaram a ser o principal combustível de um novo turno de mobilizações populares.

21. O lançamento da candidatura del PSOL (Partido do Socialismo e Liberdade) em seu IVº Congresso, realizado no ano passado, jogou por terra qualquer perspectiva de uma frente de esquerda no Brasil. O congresso, que se desenvolveu em um clima de guerra entre as correntes internas, definiu como candidato ao senador Randolfe Rodrigues, um carreirista político do estado do Amapá (norte) surgido à sombra do que há de mais reacionário da política brasileira, imposto pela direção da tendência “Unidade Socialista” do deputado Ivan Valente. O Congresso foi realizado em um lugar semiclandestino, a 60 km de Brasilia, com o propósito evidente de obstaculizar a chegada da base partidaria, que reclamou dos altos custos para poder participar. O chamado Bloco de Esquerda, uma junção de grupos democratizantes das mais variadas tendências ("socialecologistas", autonomistas, ex morenistas, etc.), denunciou fraude e violência física por parte da direção nas prévias regionais para a eleição de delegados. A US teria dado um inchaço em seus delegados em vários estados, levando a votar a reconhecidos militantes de partidos burgueses, e utilizado a agressão física contra a esquerda. No Amapá, o grupo de Randolfe chegou a pedir a intervenção da Policía Militar para intimidar a militância rebelada. A discussão em torno da candidatura de Randolfe, amplamente repudiada entre a juventude do partido dominou os debates do congresso. A candidatura havia sido qualificada pela esquerda como uma "provocação" contra aqueles que reivindicavam que o PSOL assumisse o espírito das lutas de junho e julho. No auge das manifestações e quando o governo estava encurralado, Randolfe se reuniu com Rousseff para mostrar-lhe seu apoio (!), violando expressamente as resoluções até de sua própia corrente dentro do PSOL. A foto de Dilma e Randolfe sorridentes enquanto o país se incendiava provocou o asco de toda a militância jovem. A impostura não deveria surpreender: Randolfe iniciou sua carreira política de mãos dadas com o grupo de Sarney (o patriarca da direita brasileira) no Amapá, e nas últimas eleições promoveu alianças do PSOL com todo o arco da direita (incluindo o PSDB e o DEM) para ganhar a prefeitura da capital estadual. A esquerda levantava a candidatura presidencial de Luciana Genro (Movimento da Esquerda Socialista, morenista vinculado ao MST argentino), mas sem nenhum tipo de delimitação programática. Os grupos que integraram o bloco “esquerdista” fogem de qualquer perspectiva de independencia política da classe operária, e propunham uma aliança democratizante que se opunha à direção do PSOL apenas em termos "éticos", "anticorrupção" e de modelos de organização interna. Reafirmando o curso gangsteril imposto pela US, a direção vetou além disso a decisão tomada por unanimidade da executiva partidária do Rio de Janeiro de expulsar a deputada Janira Rocha por corrupção, ultracomprovada. Rocha é acusada de afanar parte do salário dos empregados de seu gabinete e até admitiu haver saqueado o caixa do sindicado dos previdenciários do estado para financiar sua carreira política. O Bloco de Esquerda conseguiu submeter à votação um chamado a uma convenção interna para definir a candidatura presidencial, mas perdeu por 201 a 186 votos. Em seguida, o grupo de Valente-Randolfe aprovou por votação "simbólica", quer dizer, sem contagem nominal, a candidatura de Randolfe. A esquerda reclamou, denunciou novamente a fraude (muitos militantes afirmaram que se negarão a fazer campanha por Randolfe), mas finalmente capitulou. Nenhum tendência cogitou em rechaçar a direitização do PSOL sobre bases classistas, e justificam sua permanência para "disputar o partido". Luciana Genro já flerta em ser candidata a vice de Randolfe, o que seria a moeda de troca para zelar pela paz por cima entre os blocos. A nova executiva ficou integrada por 10 da US e 9 do bloco de esquerda. O PSTU havia lançado um chamado para uma frente de esquerda (olimpicamente ignorado pelo PSOL), defendendo em abstrato a independência de classe contra qualquer candidatura de conciliação de classe ou filo-oficialista, mas como um principio puramente formal e com uma natureza oportunista e eleitoreira. Sem fazer referências à situação política do país nem condicionar as alianças à discussão de um programa, o PSTU defendia que a frente deveria ser organizada "respeitando os espaços de cada um dos partidos que venham a conformá-lo, seja no que diz respeito à candidatura a vice, na utilização do tempo de televisão e inclusive nas definições de alianças nos estados". Ou seja, uma candidatura nacional “classista”, e viva a pizza nos estados, que é da onde a eventual frente poderia conseguir alguns deputados. Alguns grupos do PSOL propõem selar alianças com o PSTU e o PCB (que já lançou sua própria candidatura presidencial, um professor universitário) nos estados em que a esquerda do partido é majoritária, uma perspectiva vazia frente à frustração de uma frente classista e revolucionária de esquerda no país. A desorientação da esquerda brasileira é uma continuação de sua completa paralisia em junho-julho, da onde não jogou nenhum papel e chegou a alinhar-se detrás de convocatórias trucas do PT e da burocracia sindical lulista. A prostração da esquerda brasileira se dá no contexto da decomposição acelerada do regime político, cujos partidos, com o PT à cabeça, competem para verem qual apresenta o programa mais antioperário e entreguista no marco da crise econômica galopante. A esquerda democratizante foi superada pelos acontecimentos, agora é necessário superá-la politicamente construindo uma esquerda classista, revolucionária e internacionalista.