quarta-feira, 5 de março de 2014

UCRÂNIA: COMO IMPOR UMA SAÍDA CONTRARREVOLUCIONÁRIA


                                                                       
                                                       



Equipe da Seção Internacional de Prensa Obrera


Depois de três meses de ocupação da praça Maidan, a principal de Kiev, os manifestantes ganharam a queda de braço com o governo de Victor Yanukovich. A queda de Yakunovich foi precedida pelo fracasso de uma tentativa de desalojar o espaço ‘manu militari’: o exército se negou a intervir e os serviços de segurança se retiraram. Enquanto se desenvolvia este quadro insurrecional, A União Européia (UE) e a Rússia realizavam um acordo sobre a formação de um governo de união nacional e o chamado a eleições para o final do ano. “É isto – havia chantageado aos manifestantes o chanceler polaco que integrava a delegação da UE – ou a lei marcial”. Não houver oportunidade. A ocupação da praça, que havia começado em novembro passado, acabou desnudando seu caráter fundamentalmente insurrecional.
Nessas circunstâncias, a oligarquia econômica que controla a Ucrânia mudou a toda velocidade de lado e colocou a nu uma divisão que havia se tornado aguda nos últimos anos. A designação do novo primeiro ministro, até as eleições que deveriam ter lugar agora, no dia 25 de maio, disputada entre um magnata do chocolate e um ex-funcionário do FMI, ligado a Julia Timoshenko, ex primeira ministra liberada depois de haver passado mais de dois anos na prisão. A importância deste cargo fugaz reside em que deverá ocupar-se do plano econômico de urgência para que a União Européia desembolse as quotas de um empréstimo internacional para deter a bancarrota da Ucrânia. A Ucrânia tem uma dívida externa que supera os 100 bilhões de dólares, quando se somam as garantias estatais e as dívidas privadas. Suas reservas internacionais são inferiores aos 20 bilhões de dólares, virtualmente comprometidos nos pagamentos que deverão ser feitos este ano. A derrubada de Yanukovich colocou na sala de espera um crédito de 15 bilhões de dólares oferecidos por Putin, ao qual foram desembolsados 10 por cento. Os funcionários da EU e do FMI dizem temer que o dinheiro que coloquem na Ucrânia vá para os bolsos dos oligarcas. Exigem, antes de abrir a carteira, que a Ucrânia elimine os subsídios de energia, que equivalem a 40 milhões de dólares, o que simplesmente converteria o que ocorre agora em uma brincadeira de crianças.
Como conclusão de conjunto, está claro que a extraordinária crise que atravessa a Ucrânia é outro episódio da restauração capitalista vinculada com a dissolução da União Soviética. O regime oligárquico restauracionista, que estabeleceu seu capital mediante o saque do velho regime burocrático, não é mais que uma fase de transição. O destino final de todo este processo é a captura do velho espaço soviético pelo capital internacional e inclusive a dissolução da Rússia.
A nova fase da crise da Ucrânia desencadeou-se quando Yanukovich descumpriu sua promessa de aderir a um tratado de livre comércio com a UE, como o fariam a Moldávia e a Geórgia nesse momento. O tratado não oferecia nenhum resgate para a bancarrota ucraniana e impunha um acordo catastrófico. A Rússia interveio então para oferecer um pacote de 15 bilhões de dólares de empréstimo e tarifas de gás subsidiadas. O oferecimento dividiu a oligarquia ucraniana, e inclusive a camarilha de Yanukovich, conhecida como “A Família”, uma parte da qual já havia aceitado em princípio uma saída da bancarrota por via de uma aliança com a UE. Ainda que o tratado com a UE foi apresentado como um passo para a integração da Ucrânia com a UE, a verdade é exatamente a oposta: a UE ratificou sua oposição a integrar a Ucrânia e insistiu na necessidade de que o país abrisse seu mercado às mercadorias e capitais da UE. Inclusive agora, depois da derrubada de Yunukovich, a chefa da diplomacia da UE, Catherine Ashton, ratificou que uma ajuda financeira a Ucrânia estava condicionada à execução das conhecidas ‘reformas econômicas’. Os acontecimentos brutais que atravessam a Ucrânia, novamente, são a expressão de uma implacável dinâmica da restauração capitalista, que aponta mais além da Ucrânia, para o completo domínio dos ex Estados burocráticos por parte do capital financeiro internacional.
Os manifestantes ocuparam a praça durante um inverno com temperaturas que chegavam a 40 graus abaixo de zero, sob a pressão da quebra econômica, do roubo e da arbitrariedade do aparelho estatal. Junto a isto opera a ilusão, na pequena burguesia e nos estratos superiores da classe operária, não somente da Ucrânia, de que a UE é a única saída a esse impasse mortal. Esta ilusão tem levado, no caso dos países bálticos, a pagar com taxas de desemprego de 35% o preço da integração a UE e ao euro. Na Bósnia, a ilusão tem se transformado em decepção e provocado um gigantesco levantamento popular a partir do esvaziamento das empresas que foram privatizadas pela restauração capitalista.
A queda de Yanukovich teve lugar depois de que fracassaram os acordos que tentaram orquestrar o governo e a oposição, ou seja a UE e a Rússia, com o objetivo primordial de desalojar a praça Maidan e dar vez aos acordos de bastidores. Os sucessivos compromissos naufragaram em lapso de horas. Em declarações à BBC, os manifestantes afirmaram: “nos aferramos à praça até que todas nossas demandas sejam alcançadas” Neste contexto, o chefe do Estado Maior, Vladimir Samánov, se negou a que o exército substituísse a polícia na repressão: temia provocar a desintegração das forças armadas e inclusive a do país. Samánov acaba de ser eleito ministro da Defesa. Nos últimos dias desta crise, havia-se começado a ventilar propostas para se converter a Ucrânia em uma federação, com zonas de influência para a Rússia e para a União Européia. Inclusive no momento mais agudo da crise, quando a sobrevivência do governo pró-russo já era coisa do passado, Merkel pela Alemanha e Putin pelo governo russo, não deixaram de negociar alternativas comuns: agora Merkel pretende que Putin participe do resgate financeiro da Ucrânia com a UE. É claro que se assiste ao derrubada de um regime contra-revolucionário por forças sociais e políticas, como o imperialismo mundial, que são os baluartes da contra-revolução. Isto, no entanto, procede a través de uma comoção social gigantesca, que promete, talvez não novos episódios imediatos, mas sim guinadas brutais, apenas se vislumbre para as grandes massas o alcance das medidas econômicas que se preparam contra elas.
Nas negociações malogradas com o presidente deposto, o FMI exigiu um aumento de 40 por cento do gás, o congelamento de salários e a demissão de funcionários públicos. A chamada abertura comercial tem por objetivo, desse modo, aplainar o caminho para a penetração industrial e econômica do ocidente. Uma fração da oligarquia já decidiu que não tem uma outra alternativa do que converter-se em sócia secundaria do capital internacional. A Ucrânia necessita de uma assistência financeira, até mesmo para realizar as próximas eleições, segundo o presidente da comissão eleitoral. Assistimos A um processo que , longe de estar concluída, se transformou em um fator de agravamento da crise capitalista mundial; a União Européia já não pode colonizar a Ucrânia incorporando-a à zona do euro, mas tratando-a como colônia na periferia.
A Compreensão do processo político em curso, por trás das massas de trabalhadores ucranianos, determinará, em médio prazo, se os protestos em Maidan poderão voltar-se contra seus manipuladores políticos. No momento as coisas devem ficar como estão.