quinta-feira, 3 de abril de 2014

TRIBUNA CLASSISTA Nº 15 – ABRIL DE 2014


Uma publicação de simpatizantes da CRQI (Coordenação pela Refundação da IV Internacional) no Brasil

                                                                   

A NOVA PARTILHA DA UCRÂNIA

Os Estados Unidos e a União Europeia reagiram com cautela frente à anexação da Criméia pela Rússia. Sanções foram adotadas contra alguns oligarcas ligados a Putin no banco Rossia, houve advertências ao magnata do petróleo Gurkov para que vendesse suas ações, no sentido de evitar contratempos para a empresa com sede na Suíça. O monopólio russo do alumínio, Rusal, não teve problemas quando se apresentou para renegociar uma dívida de 10 bilhões de dólares com os bancos ocidentais. Durante a ocupação das tropas russas na Crimeia, que levou duas semanas, os líderes militares da Ucrânia na península nunca receberam diretivas do governo central. Como não cansaram de repetir Obama e consortes, as retaliações contra a Rússia só terão um caráter real se ela for além da ocupação da Criméia. A velha região de população tártara foi reconhecida pelas grandes potências como parte da "zona de influência" da Rússia. É o que já tinha acontecido desde antes da eclosão da crise, como resultado do Tratado de Budapeste (1994) que transferiu à Rússia o arsenal nuclear instalado na Ucrânia e também lhe concedeu o uso do porto de Sebastopol para sua frota no Mar Negro.
O clamor da mídia contra a anexação da Criméia mal consegue esconder que os paises da OTAN conseguiram transformar a Ucrânia em um protetorado. Isso é importante, porque reforça o governo da troika (FMI, BCE, Comissão Europeia) sobre os países que integram a UE. O governo provisório da Ucrânia é um fantoche das potências imperialistas, posto por elas com o voto do parlamento (Rada), que ainda é controlado pelo partido do ex-presidente em fuga, Viktor Yanukovich. Com esse governo fantoche, que não foi eleito por ninguém e foi até mesmo repudiado pela multidão que ocupou três meses a Praça da Independência da capital ucraniana, Kiev, a Comissão Europeia aproveitou a anexação da Criméia para fazê-lo assinar o "Tratado de Adesão" - um eufemismo que converte a Ucrânia em uma colônia do FMI. Na verdade, com uma dívida externa impagável de 100% do seu PIB, mas, sobretudo, com vencimentos imediatos de 20 bilhões de dólares e um Tesouro exausto, a Ucrânia recorreu à ajuda internacional em troca de um plano de ajuste que envolve um enorme tarifaço e a abertura de seu mercado interno, especialmente a entrega a empresas estrangeiras de seus estabelecimentos agrícolas, sendo o celeiro da Europa. Grande parte da dívida ucraniana é com a Rússia, de modo que os credores ocidentais poderiam extorquir Putin com o "não pagamento". Para adicionar tempero, o último empréstimo da Rússia para a Ucrânia (do qual apenas três bilhões de dólares de 15 bilhões foram desembolsados) foi financiado com uma colocação russa na Bolsa de Londres - ou seja, a dívida com a Rússia é, na verdade, uma obrigação com a City. Aqueles que sustentam que a ocupação russa da Criméia foi um ato de resistência ao imperialismo devem ser lembrados que a operação envolveu a entrega de toda a Ucrânia ao capital financeiro internacional e à UE.
As chancelarias ocidentais estão agora ameaçando com forte retaliação se a Rússia for além disso. Embora a Rússia o desminta, lhe é atribuída a intenção de anexar as províncias do leste da Ucrânia e a região moldava de Transnístria, de maioria russa. A Moldávia assinou o tratado de adesão à União Europeia em novembro passado. Para contrariar esta possibilidade, o governo fantoche da Ucrânia designou aos oligarcas mais proeminentes do leste como governadores dessas regiões. Deixou em evidência que a oligarquia da Ucrânia, com uma ou duas exceções, mudou de lado para a UE. A Rússia, por sua vez, tem a intenção de usar as eleições a serem realizadas na Ucrânia no próximo 25 de maio (em singular coincidência com as eleições parlamentares da UE) para propor reformas constitucionais que transformem a Ucrânia em um estado federal. Curiosamente, ainda não se ouve qualquer oposição da OTAN para estas intenções, o que sugere uma negociação para institucionalizar a divisão da Ucrânia.
A divisão da Ucrânia envolveu um salto de qualidade dos antagonismos dentro do bloco imperialista ocidental. A Alemanha e, em menor escala, Itália, simpatizam com a possibilidade de uma aliança estratégica com a Rússia, para competir com o capital norte-americano. A infraestrutura de gás e os enormes investimentos na Rússia criaram para esses paises uma relação política que os EUA não têm. A propaganda para que o fornecimento de gás da Rússia seja substituído por gás não convencional produzido pelos Estados Unidos, da mesma forma que aquela que defende um tratado transatlântico entre os EUA e a UE, procura mudar o foco estratégico delineado principalmente pela Alemanha. Mais uma vez na história a questão da Ucrânia adquire dimensões estratégicas. O destino histórico da Ucrânia está ligado ao destino da restauração capitalista no vasto espaço da Rússia, que foi iniciada pela oligarquia que agora alega estar fazendo uma resistência ao imperialismo.
Para o movimento operário mundial, esta pugna também é decisiva.
A independência e unidade da Ucrânia significa, acima de tudo, uma luta contra o ajuste e a confiscação econômica – ou seja, o foco da luta dos trabalhadores em todo o mundo. A anexação russa da Crimeia, por um lado, e a submissão da Ucrânia à UE, por outro lado, são obstáculos intransponíveis para a unidade dos trabalhadores da Ucrânia contra o ajuste. Somente um governo operário e camponês poderia garantir os direitos políticos das diferentes regiões da Ucrânia. Aqui reside o núcleo de uma estratégia para a esquerda revolucionária. Só a unidade da classe trabalhadora contra o capital predatório pode derrotar e destruir a União Europeia (em unidade com o proletariado europeu) e derrotar os especuladores capitalistas russos e a restauração capitalista. Somente um governo operário e camponês poderia garantir os direitos políticos das regiões da Ucrânia. Os defensores da UE dizem apoiar o direito à autodeterminação nacional da Ucrânia e, portanto, o direito de decidir a adesão à UE, sem dizer que isto implica tornar-se um protetorado e desistir da independência nacional. A Rússia que reivindica o direito de defender-se da OTAN é a Rússia do roubo capitalista e da opressão de outras nações (não é a Rússia operária e camponesa da revolução de 1917), a mesma que com suas ações entrega a causa nacional da Ucrânia para os agentes internos da União Europeia e dos Estados Unidos.
A questão da Ucrânia é um teste para as correntes que se reivindicam marxistas em todo o mundo.

GOVERNO NÃO ATENDE PAUTA DOS SPFs: É GREVE!

O governo federal deu uma demonstração clara de que não há disponibilidade em negociar com os servidores públicos federais (SPF). O recado foi transmitido na reunião entre representantes do Fórum das Entidades Nacionais do SPF e membros da Secretaria de Relações do Trabalho do Ministério do Planejamento, Orçamento e Gestão (Mpog), que aconteceu durante o ato realizado pelos servidores na Esplanada dos Ministérios, em Brasília. A atividade contou com a presença de centenas de manifestantes de diversas categorias do funcionalismo público e integra o dia nacional de mobilização chamado pelo Fórum. Em diversas cidades do país, os docentes federais se uniram aos demais servidores e foram às ruas cobrar atendimento à pauta unificada da categoria, em defesa de serviços públicos de qualidade e valorização dos SPF. Segundo informe passado após a reunião com o Mpog, o Secretário de Relações do Trabalho (SRT/Mpog) Sérgio Mendonça recebeu os dirigentes, acompanhado de sua equipe, e foi explícito ao informar que o governo entende que há um acordo vigente, firmado em 2012 com várias categorias do funcionalismo, e que não irá negociar, nem a pauta específica das categorias nem a unificada dos SPF, e que não há margem orçamentária para revisão do acordado.
O secretário da SRT/Mpog disse apenas que seria possível refletir sobre a possibilidade de reajuste nos benefícios sociais. As entidades cobraram do governo uma resposta escrita e oficial à pauta protocolada em janeiro, o que foi prometido para o final de março, e informaram que as entidades devem intensificar as mobilizações. Já existe uma greve em curso e várias entidades já têm uma agenda de ações. Na capital federal, representantes do ANDES-SN e de várias categorias se reuniram em frente ao prédio principal do Mpog, para cobrar a resposta do governo à pauta unificada. No início de fevereiro, o Planejamento havia se comprometido com dirigentes do Fórum dos SPF em dar retorno às reivindicações e sobre o encontro com ministra até o início de março, o que não ocorreu. Ficou explícita a indignação dos servidores com o descaso do governo em relação ao pleito da categoria, principalmente diante da argumentação de que não há recursos disponíveis, uma vez que o governo reviu diversos contratos e aumentou o repasse de verba pública para as empreiteiras que estão construindo estádios pra a Copa. Os técnicos administrativos das universidades federais, representados pela Fasubra, estão em greve desde segunda-feira 17 de março.

CSP-CONLUTAS CONQUISTA DOIS NOVOS SINDICATOS

Um deles foi o Sindicato dos Vigilantes do Ceará (Sindivigilante/CE). A segunda conquista foi a vitória da Chapa 10, apoiada pela CSP-Conlutas, nas eleições do Sindicato dos Trabalhadores das Universidades Federais no Estado do Ceará (Sintufce). A Central, que ganhou recentemente as eleições do Sindivigilante/CE, ralizada em janeiro, agora celebra a filiação desta entidade. Já os servidores judiciários do Ceará votaram e decidiram que agora o Sintufce terá uma nova gestão, voltada aos trabalhadores e com independência do governo. A Chapa 10, Vamos a Luta com Ética e Transparência, da CSP-Conlutas, derrotou três chapas ligadas à CUT. A Chapa 10 obteve 771 votos, a Chapa 20, do Movimento Unir para Ressignificar, ficou com 373 votos; e a Chapa 30 – Tribo e Correspondência Cutista, ficou com 682 votos; a Chapa 40 – Liberdade Sindical, 157 votos. As vitorias classistas devem levar para uma politica mais ousada pela unidade clasista do conjunto dos trabalhadores, não para uma politica de maior autoconstrução e divisão.

REPRESSÃO POLICIAL NAS UNIVERSIDADES QUE LUTAM

Na Universidade Federal de Santa Catarina (UFSC), policiais federais sem qualquer identificação passaram a abordar estudantes e a revistar suas mochilas, prendendo um estudante por porte de maconha - ainda a ser melhor esclarecido - e levando-o arrastado até um carro da segurança da universidade. Após a comunidade acadêmica tentar negociar a liberação do estudante, o delegado responsável chamou a Tropa de Choque e ordenou a ação, que feriu e deteve manifestantes - transformando o campus da UFSC em praça de guerra.
A repressão iniciou quando estudantes avisaram professores e técnico-administrativos da tentativa de detenção. A assembleia docente, a reunião do comando de greve dos técnico-administrativos em educação com a Reitoria e a reunião do Conselho do Centro de Filosofia e Ciências Humanas (CFH) – que ocorriam concomitantemente - foram interrompidas para que seus participantes buscassem interceder junto à Polícia Federal (PF) e impedir a repressão. Mas, ao contrário de diálogo, o que se viu foi mais violência. Mesmo com tentativas de negociação e intercedência de várias autoridades das esferas públicas municipal, estadual e federal, a Tropa de Choque da Polícia Militar foi acionada para entrar no campus da UFSC.
Em frente ao Núcleo de Desenvolvimento Infantil - onde crianças preparavam-se para sair do prédio - foram usadas bombas de gás, cães, balas de borracha e cassetetes. Diversos professores, técnico-administrativos e estudantes foram agredidos. O professor Paulo Pinheiro Machado, diretor do CFH, foi atingido por spray de pimenta enquanto tentava negociar com a PF. Três estudantes e um morador da região foram detidos e documentos de professores e técnico-administrativos foram apreendidos. Segundo o professor Mauro Titton, presidente da Seção Sindical do ANDES-SN na UFSC, os feridos na manifestação foram levados a um hospital, e advogados acompanharam os manifestantes que tentavam fazer exame de corpo de delito e registrar boletim de ocorrência contra a violência policial. Os estudantes sofreram intimidação, mas com a intervenção dos advogados foi feito o registro de BO. A ação policial foi destemperada e afrontou a legalidade, além de violentar a autonomia universitária prevista no artigo 207 da Constituição Federal. Alguns manifestantes se mantiveram no campus e ocuparam a Reitoria da universidade.
Em protesto contra a repressão policial, docentes, técnico-administrativos e estudantes convocaram a paralisação das atividades da UFSC na quarta-feira, e a realização de uma Assembleia da Comunidade Universitária para o mesmo dia. Também estão sendo realizadas atividades sobre a repressão policial durante todo o dia, na Reitoria da universidade. O ANDES-SN encaminhou uma carta ao Ministro da Justiça, José Eduardo Cardozo, exigindo a imediata apuração dos fatos e a consequente punição dos responsáveis pela operação.
No dia 18 de março, na Universidade Federal de Campina Grande (UFCG), seguranças particulares e as Polícias Militar e Federal reprimiram manifestantes que lutavam contra a adesão dos dois Hospitais Universitários da universidade à Empresa Brasileira de Serviços Hospitalares (EBSERH). Apesar da repressão, a manifestação foi vitoriosa e mais uma vez a UFCG não aderiu à EBSERH. A luta continua!

TODO APOIO À GREVE DOS TRABALHADORES DO COMPERJ!

As organizações sindicais, do movimento estudantil e popular vem tornar público o mais irrestrito e solidário apoio à greve dos trabalhadores do Comperj, que, em greve há mais de 40 dias, lutam por melhores salários e condições de trabalho. Denunciamos e repudiamos todas as intimidações, ameaças, repressão e agressões promovidas pelas empreiteiras, por grupos de capangas armados em parceria com o sindicato – que chegaram a atingir com tiros dois trabalhadores que participavam de manifestações no dia 6 de fevereiro – e também a violenta ação da polícia militar do governador Sérgio Cabral que, mais uma vez, reprimiu a manifestação dos trabalhadores no último dia 12 de março, deixando vários operários feridos. Declaramos que estamos ao lado das justas reivindicações dos trabalhadores em greve que pedem condições mínimas para a sobrevivência de suas famílias e filhos. Estamos ao lado dos grevistas que lutam contra a exploração promovida pelos patrões, que enriquecem cada vez mais pagando baixos salários e não oferecem condições dignas de trabalho, chegando a servir comida estragada para os trabalhadores.
Chega de vacilar: o sindicato precisa ficar ao lado dos trabalhadores! Consideramos que a atual direção do sindicato (SINTICOM-CUT) tem uma grande responsabilidade e não pode ignorar a vontade da categoria e jogar fora a enorme força da greve. As assembleias precisam ser democráticas e a categoria precisa ser ouvida. O sindicato é dos trabalhadores e todos devem ter o direito de apresentar suas propostas e quem deve decidir é a categoria em greve! É preciso dar visibilidade à greve, como fizeram os garis do Rio de Janeiro! A greve do Comperj é forte porque a luta é justa! Os garis do Rio de Janeiro também enfrentaram a intransigência da prefeitura, uma direção de sindicato que atuou contra a luta, a justiça que decretou a greve ilegal e a imprensa, mas deram visibilidade à greve, conquistaram o apoio popular e o governo teve que atender as reivindicações. É hora dos trabalhadores do Comperj ganhar as ruas para pressionar as empreiteiras, a Petrobras e os governos!
As empreiteiras, a Petrobras e o governo tem que atender as reivindicações dos trabalhadores! Exigimos da Petrobras, das empreiteiras e do governo a imediata abertura de negociações e o atendimento de todas as reivindicações dos trabalhadores: 15% de reajuste! Nenhum desconto dos dias parados! Sodexo de R$ 500,00! Chega de intimidação, de ameaças e repressão! Os trabalhadores do Comperj não estão sozinhos! Acompanhamos com atenção a luta dos trabalhadores do Comperj e estamos empenhando esforços para ajudar essa heroica greve. Os garis deram o exemplo e agora chegou a vez dos trabalhadores do Comperj: A luta conquista vitórias!
Assinam: CSP-Conlutas; Andes; Sinasefe; Assines; Sindscop, Sintiferj ...

A USP, DEPÓSITO DE LIXO TÓXICO EVANGÉLICO

Na USP, universidade “de ponta” do Brasil, o inquérito civil 14.482.58/2005, instaurado pelo Ministério Público Estadual para apurar irregularidades e crimes cometidos na EACH (que resultou em ação civil pública), traz revelações, como a de que o prazo de 90 dias concedido à comissão ad hoc nomeada em 7/11/2013 pelo então reitor J.G. Rodas com a finalidade de processar o diretor da EACH, Jorge Boueri Filho, expirou sem que seu relatório final tenha sido apresentado. A EACH é a “USP Zona Leste”, inaugurada há poucos anos. Encerrada uma sindicância aberta contra Boueri, a Portaria Interna (portanto secreta) 1.126/2013, do reitor, determinou a instauração de processo administrativo disciplinar contra o diretor, considerando 1) “as razões expostas no relatório final da Comissão de Sindicância”, 2) provas coletadas pela Reitoria e 3) o inquérito civil instaurado pelo MPE, “sob no 358/11, para apuração de eventuais atos de improbidade administrativa praticados por ocasião do depósito das terras referidas”. Boueri teria “faltado com os deveres funcionais previstos”, o que pode sujeitá-lo “inclusive à pena de demissão prevista no artigo 256, inciso II da Lei 10.261/68”. Apesar da gravidade do caso, até o fechamento desta edição nem mesmo a nova gestão da Reitoria tinha notícias a respeito do desfecho do processo, que deveria ter ocorrido em 7/2. Outra revelação importante do inquérito 14.482.58/2005, atestada por diversos depoimentos, é de que o depósito ilegal de terras na EACH teve início em outubro de 2010 e estendeu-se até outubro de 2011. Estima-se que, neste intervalo de tempo, mais de seis mil viagens de caminhão tenham sido realizadas pelas empresas de terraplanagem Ratão e Demolidora Formosa entre os locais de origem da terra contaminada e o campus leste. O local citado como origem é o “Templo do Rei Salomão”, da Igreja Universal do Reino de Deus, no bairro do Brás. Os depoimentos colhidos pela Promotoria do Meio Ambiente indicam que o diretor Boueri autorizou pessoalmente todas as operações relativas ao aterro ilegal. O chefe do setor de Planejamento e Projetos da EACH, engenheiro Luciano Piccoli, declarou que a professora Rita Giraldi, assessora do diretor da EACH, alertou Boueri por e-mail, em janeiro de 2011, de que “ele não poderia transportar e depositar terra no campus, pois não havia as necessárias licenças ambientais para transporte e deposição de terra”, por tratar-se de área de Área de Proteção Ambiental (APA), e que ele “deveria fazer uma licitação para a movimentação de terra”. Piccoli relatou ao MPE que em setembro de 2013 recebeu duas ameaças por telefone: “Não fala nada se não vai sobrar pra você”, lhe disse um interlocutor que ele não conseguiu identificar. Valter Pereira da Silva, dono da empresa Ratão e, ao que parece, principal protagonista da movimentação ilegal de terras, disse textualmente no seu depoimento: “Por determinação do governador Geraldo Alckmin, no ano de 2007 o sr. Marcos Alano, responsável pela empresa de terraplanagem Alano, retirou a calha do rio Tietê e todo o entulho oriundo da demolição do Presídio do Carandiru e os jogou na área onde hoje está instalada a USP-Zona Leste”. Silva relatou candidamente como teve início sua relação com Boueri: “Como o declarante estava fazendo serviço de terraplanagem no Templo do Rei Salomão, do bispo Edir Macedo, precisava de um lugar para despejar terra decorrente da escavação para a construção do referido Templo (...) e como o declarante morava e mora próximo da USP-Zona Leste, em janeiro de 2011 se dirigiu até o mencionado campus, para ver se conseguia despejar a terra no interior do campus”. Uma vez na EACH, ele entrou em contato com a professora Giraldi, que teria consultado o diretor. “Depois da autorização do professor Boueri, o declarante passou a levar caminhões de terra, terra essa proveniente do Templo do Rei Salomão, para o interior do campus da USP-Leste”. Todos os ajustes foram verbais, sem contrato escrito.

CONTRA A NOVA INTERNACIONAL SINDICAL PELEGA!

Roberto Leher

A construção de um espaço articulador das lutas latino-americanas sempre foi um objetivo do Andes-SN, do Conadu-H e de diversas entidades sindicais e coalizões de luta em prol da educação pública (como a Rede SEPA, México, EUA, Canada e outros). Ainda seguimos caminhando nesse sentido, mas com dificuldades diversas, uma delas, positiva, é que os nossos sindicatos e movimentos continuadamente estão em luta, promovendo greves, e isso trava o processo, pois os militantes dessas organizações acabam girando sua atividade para a luta local, nacional. Mas precisamos avançar! Retomar as iniciativas, promover encontros, abrir linha editorial comum, jornais em âmbito latino-americano. O capital e seus operadores sempre atuam no sentido de inviabilizar o internacionalismo. Isso quando a educação está resolutamente internacionalizada, seja no âmbito privado-mercantil, por meio dos fundos de investimento e pelas corporações (Laureate, DeVry etc.), seja nas públicas (e o sonho da internacionalização subordinada de nossas universidades). O triste caso da CEA, sob a direção da mafiosa Esther Gordillo (hoje presa) com a conivência dos sindicatos brasileiros, exceto o Andes-SN e outros poucos, é ilustrativo disso. Em suma, precisamos perseverar nas nossas ações e retomar as boas articulações em prol de um espaço articulador de fato comprometido com a luta antimercantil na educação! Pois bem. Vejam que os pelegos voltam a ofensiva, após a desmoralização da CEA (para a qual contribuíram), E estão construindo uma nova forma de organização das forças pelegas:

Encontro de Organizações Sindicais da Educação Superior da América Latina e do Caribe

Será realizado entre os dias 22 e 25 de abril, em Porto Alegre (RS), o Encontro de Organizações Sindicais da Educação Superior da América Latina e do Caribe. A reunião agregará as entidades sindicais do setor que integram a Internacional da Educação para a América Latina (Ieal) e terá como anfitriões a Contee, a CNTE e o Proifes-Federação, entidades filiadas à Ieal no Brasil. Na Contee, a comissão organizadora é formada pelo coordenador da Secretaria-Geral, Cássio Filipe Galvão Bessa, pela coordenadora da Secretaria de Assuntos Educacionais, Adércia Bezerra Hostin, e pela coordenadora da Secretaria de Políticas Internacionais, Maria Clotilde Lemos Petta. O Sinpro/RS, filiado à Contee, também está na organização do evento. Nos dias 22 e 23, as atividades serão restritas aos representantes das entidades da Ieal. Já nos dias 24 e 25 (após abertura na noite do dia 23), serão feitos debates públicos com a comunidade universitária, os quais serão transmitidos pela internet.


Memória e História:

PROGRAMA DO PARTIDO OPERÁRIO SOCIAL-DEMOCRATA RUSSO (POSDR) ADOTADO EM SEU II CONGRESSO

17 de Julho a 10 de Agosto de 1903

O desenvolvimento da troca de mercadorias provocou uma ligação tão estreita entre todos os povos do mundo civilizado que o grande movimento de emancipação do proletariado teve de ser tornar internacional, sendo que já o é desde há muito tempo. Na medida em que se considera uma das unidades do exército mundial do proletariado, a Social-Democracia Russa persegue o mesmo objetivo final ao qual também aspiram os sociais-democratas de todos os outros países. Esse objetivo final é determinado pelo caráter da atual sociedade burguesa e pelo ritmo de seu desenvolvimento. A principal característica dessa sociedade é a produção de mercadorias, fundada nas relações capitalistas de produção, em cujo contexto a parte mais importante e mais significativa dos meios de produção e de circulação de mercadorias pertence a uma classe numericamente insignificante, ao passo que a esmagadora maioria é formada por proletários e semi-proletários os quais, em decorrência de sua situação econômica, são forçados a venderem, permanente ou periodicamente, suas forças de trabalho, i.e. serem contratados pelos capitalistas enquanto trabalhadores assalariados e gerarem, mediante seu trabalho, o rendimento das classes sociais superiores.
O campo de dominação das relações capitalistas de produção amplia-se, sempre cada vez mais, à medida que o duradouro aperfeiçoamento da técnica, sob a elevação do significado econômico das grandes indústrias, conduz à exclusão dos pequenos produtores autônomos, transformando uma parte desses em proletários, estreitando, na vida socioeconômica, o significado de todos os demais e fazendo-os cair, aqui e ali, em dependência do capital, mais ou menos completa, evidente e opressiva. O mesmo progresso técnico concede, além disso, às empresas a possibilidade de empregarem, nos processos de produção e de circulação de mercadorias, mulheres e crianças, em sempre crescente medida. Porém, uma vez que esse progresso conduz, por outro lado, a uma redução relativa da necessidade de força de trabalho humana por parte dos empresários, a demanda por essa mesma força de trabalho permanece, necessariamente, aquém da oferta e, através disso, eleva-se a dependência do trabalho assalariado em face do capital, aprofundando-se a dimensão de sua exploração.
Essa situação objetiva existente no interior dos países burgueses e sua luta concorrencial permanentemente mais aguçada, no quadro do mercado mundial, dificultam, cada vez mais, a venda das mercadorias produzidas, sempre em quantidade crescente. A superprodução que se expressa em crises industriais mais ou menos agudas, acompanhadas por períodos mais ou menos extensos de estagnação industrial, é a consequência inevitável do desenvolvimento das forças produtivas na sociedade burguesa. Por sua vez, as crises e os períodos de estagnação industrial derrubam, mais ainda, os pequenos produtores, e aumentam, ainda mais, a dependência do trabalho assalariado em face do capital, conduzindo, mais rapidamente, a uma piora relativa e, às vezes, também absoluta, da situação da classe trabalhadora.
Desse modo, o aperfeiçoamento da técnica que significa, porém, um aumento da produtividade do trabalho e um crescimento da riqueza social provoca, na sociedade burguesa, uma elevação da desigualdade social, um crescimento da distância havida entre possuidores e desapossados, bem como, para camadas sempre mais amplas das massas trabalhadoras, uma elevação da insegurança existencial, do desemprego e das mais variadas privações. Com o crescimento e o desenvolvimento de todas essas contradições características da sociedade burguesa cresce, porém, também, na mesma medida, a insatisfação das classes trabalhadoras e exploradas com a ordem de coisas existente, elevando-se o número e a determinação dos proletários, aguçando-se sua luta contra seus exploradores.
Ao mesmo tempo, o aperfeiçoamento da técnica, concentrando os meios de produção e de circulação e socializando o processo de trabalho nas indústrias capitalistas, cria, de modo sempre mais acelerado, a possibilidade material de substituição das relações capitalistas de produção por relações comunistas, i.e. a possibilidade da Revolução Social que é o objetivo final de toda a atividade da Social-Democracia Internacional, enquanto portadora consciente do movimento da classe do proletariado.
Introduzindo, após a substituição da propriedade privada dos meios de produção e de circulação pela propriedade social, uma organização planificada do processo de produção social, destinada a assegurar o bem estar e o pleno desenvolvimento de todos os membros da sociedade, a Revolução Social do Proletariado eliminará a divisão de classes da sociedade e, através disso, libertará toda a humanidade escravizada, na medida em que prepara o fim de todos os tipos de exploração de uma parte da humanidade pela outra.
Pressuposto indispensável dessa revolução social é a ditadura do proletariado, i.e. a conquista de um poder político pelo proletariado que lhe permita reprimir toda e qualquer resistência, oposta pelos exploradores. A Social-Democracia Internacional que coloca a si mesma a tarefa de capacitar o proletariado a cumprir sua missão histórica, organiza-o em um partido político independente, oposto a todos os partidos burgueses, dirige todas as expressões de sua luta de classes, revelando-lhe o antagonismo inconciliável existente entre os interesses dos exploradores e os dos explorados e esclarecendo-lhe o significado histórico, bem como os pressupostos necessários da Revolução Social vindoura. Simultaneamente, exibe a todas as demais massas trabalhadoras e exploradas o desespero de sua situação, na sociedade capitalista, e a necessidade da Revolução Social, deflagrada no interesse de sua emancipação em face do jugo do capital.
O partido da classe trabalhadora, a Social-Democracia, conclama a integrarem-se em suas fileiras todas as camadas da população trabalhadora e explorada, desde que se posicionem desde o ponto de vista do proletariado. No caminho rumo a seu objetivo final comum que está condicionado pela dominação do modo de produção de capitalista em todo o mundo civilizado, os sociais-democratas dos diversos países devem colocar a si mesmos diferentes tarefas imediatas, por um lado porque esse modo de produção não se encontra, em toda a parte, em um mesmo grau de desenvolvimento, por outro, também porque seu desenvolvimento processa-se, nos países considerados especificamente, segundo relações sócio-políticas diferentes.
Na Rússia, onde o capitalismo já se tornou o modo de produção dominante, mantiveram-se ainda resquícios muito numerosos de nossa velha ordem pré-capitalista que se funda na escravidão das massas trabalhadoras pelos latifundiários, pelo Estado ou pelo Chefe de Estado. Esses resquícios que se situam, em grande medida, no meio do caminho do progresso econômico, impedem um desenvolvimento multilateral da luta de classes do proletariado, sustentando a manutenção e o fortalecimento de formas bárbaras de exploração pelo Estado e pelas classes possuidoras dos muitos milhões de camponeses, mantendo o povo inteiro ignorante e desprovido de Direitos.
O mais significativo desses resquícios e o mais poderoso bastião de toda essa barbárie é a autocracia czarista. Em toda a sua natureza, ela orienta-se de maneira hostil em face de todo e qualquer movimento social e tem de ser considerada como o pior adversário de todas as aspirações de liberdade do proletariado. Por isso, o Partido Operário Social-Democrático Russo (POSDR) coloca a si mesmo enquanto próxima tarefa política a derrubada da autocracia czarista e sua substituição por uma República Democrática, cuja Constituição deverá assegurar :
1. A auto-determinação do povo, i.e. a concentração de todo Poder Supremo de Estado nas mãos de uma Assembleia Constituinte que há de ser composta por representantes do povo e constituída por uma Câmara ;
2. Direito eleitoral geral, igual e direto, concedido a todos os cidadãos e cidadãs, maiores de 20 (vinte) anos, de participarem tanto nas eleições para a Assembleia Constituinte quanto nas eleições para todos os órgãos auto-administrativos locais. Votação secreta nas eleições. Direito de todos os eleitores serem eleitos para todas e quaisquer instituições representativas. Período de mandatos parlamentares de 2 (dois) anos. Assembleia dos representantes do povo;
3. Ampla auto-administração local. Auto-administração regional em todas as localidades que se distingam por especiais condições de vida e pela composição da população ;
4. Inviolabilidade da pessoa e da moradia;
5. Direito ilimitado de consciência, opinião, imprensa, assembleia, greve e associação;
6. Direito de livre locomoção e indústria;
7. Abolição dos estamentos e igualdade de Direitos de todos os cidadãos, independentemente do sexo, religião, raça e nacionalidade;
8. Direito da população à educação em sua língua materna, assegurado mediante a criação de escolas necessárias para tanto, às custas do Estado e dos órgãos de auto-administração. Direito de todos os cidadãos falarem em assembleias, em sua própria língua materna. Direito igual de utilização da língua materna ao lado da língua oficial do Estado, em todas as instituições sociais, locais e estatais;
9. Direito de auto-determinação para todos os povos que pertençam à Federação do Estado ;
10. Direito de todos convocarem para depor, em processos comuns, qualquer tipo de autoridade diante do Tribunal de Jurados ;
11. Eleição de juízes pelo povo;
12. Substituição das Forças Armadas Regulares pelo armamento geral do povo;
13. Separação da Igreja do Estado e da Escola da Igreja;
14. Educação profissional e geral, gratuita e obrigatória, para todas as crianças de ambos os sexos, até a idade de 16 (dezesseis) anos. Manutenção de todas as crianças pobres com alimentos, vestimentas e meios de aprendizado, às custas do Estado.
Enquanto pressuposto fundamental da democratização de nosso orçamento estatal o POSDR exige a abolição de todos os impostos indiretos e a introdução de impostos progressivos, incidentes sobre a renda e a herança. No interesse da preservação da classe trabalhadora diante da decadência física e moral, bem como no interesse do desenvolvimento de sua capacidade de lutar por sua libertação, o POSDR exige:
1. Limitação da jornada de trabalho dos trabalhadores assalariados a 8 (oito) horas ;
2. Introdução, mediante lei, de um descanso semanal, dotado de duração ininterrupta de, no mínimo 42 (quarenta e duas) horas, para trabalhadores assalariados de ambos os sexos, em todos os ramos da economia;
3. Proibição absoluta de horas extras;
4. Proibição do trabalho noturno (das 21 horas às 6 horas), em todos os ramos da economia, salvo naqueles em que é incondicionalmente necessário, por razões técnicas, aprovadas pelas organizações operárias;
5. Proibição de os empresários empregarem trabalho infantil - estando a criança em idade escolar (até os 16 anos) -, e limitação da jornada de trabalho dos jovens (entre 16 e 18 anos) a 6 (seis) horas de trabalho.
6. Proibição do trabalho feminino nos ramos econômicos em que sua realização seja prejudicial para o organismo feminino. Dispensa do trabalho para as mulheres, nos 4 (quatro) meses anteriores e nos 6 (seis) meses posteriores ao parto, com continuação do pagamento do salário no montante normal, durante todo o período em causa.
7. Criação de jardins de infância para recém-nascidos e crianças, em todas as oficinas, fábricas e outras indústrias em que mulheres trabalharem. Dispensa do trabalho para mulheres em período de amamentação, no mínimo a cada 3 (três) horas, por período não inferior a 30 (trinta) minutos ;
8. Previdência estatal dos trabalhadores, em caso de velhice e de total ou parcial perda da capacidade de trabalho, às custas de um fundo especial, formado através de tributação especial dos capitalistas.
9. Proibição do pagamento do salário em espécie. Determinação do pagamento semanal em dinheiro para todos os trabalhadores, sem qualquer exceção, devendo o pagamento dos salários ser realizado durante a jornada de trabalho;
10. Proibição de os empresários realizarem descontos pecuniários no salário, sejam quais forem os motivos e os objetivos que possam existir (punições, desqualificação etc.) ;
11. Nomeação de um número suficiente de inspetores de fábrica, em todos os ramos da economia, e extensão da supervisão e inspeção de fábrica a todas as empresas que paguem salários, inclusive as do Estado (o trabalho das domésticas situa-se também no domínio dessa supervisão). Nomeação de inspetores para os ramos econômicos em que seja empregado trabalho feminino. Co-atuação dos representantes eleitos pelos trabalhadores e pagos pelo Estado nas atividades de vigilância seja do respeito à legislação fabril, seja da determinação dos valores de prestação salarial, seja do controle de qualidade do material, seja da rejeição estabelecida por comissão, seja ainda do controle dos resultados do trabalho;
12. Supervisão da situação sanitária das habitações alugadas pelos empresários aos trabalhadores, bem como do estatuto de funcionamento dessas habitações e de suas condições de aluguel, exercida por órgãos da auto-administração local, sob co-atuação de representantes eleitos pelos trabalhadores, a fim de que os trabalhadores assalariados sejam resguardados contra ingerências dos empresários em suas vidas e em sua afirmação enquanto pessoas privadas e cidadãos.
13. Instituição de uma supervisão da saúde, dotada de bom funcionamento e inteiramente independente dos empresários em sua organização médico-sanitária, em todas as empresas que realizem pagamento de salário. Assistência medicinal gratuita para os trabalhadores e continuidade da realização dos pagamentos salariais durante a enfermidade, às custas dos empresários;
14. Instituição da responsabilidade penal dos empregadores, em caso de violação da legislação de proteção ao trabalho;
15. Instituição de tribunais fabris, compostos paritariamente por representantes dos empresários e representantes dos trabalhadores, em todos os ramos da economia;
16. Obrigação de os órgãos de auto-administração local criarem ofícios departamentais, encarregados da contratação de trabalhadores nacionais e imigrantes (certificado de trabalho), em todos os ramos da economia, bem como co-atuação de representantes das organizações operárias locais em sua administração. Com o objetivo de eliminar os resquícios da servidão que incidem como um pesado jugo diretamente sobre os camponeses e no interesse de promover um livre desenvolvimento da luta de classes nos vilarejos, o POSDR exige, sobretudo:
1. a abolição dos pagamentos nobiliários e dos juros fundiários, bem como de todos os deveres que oneram, atualmente, o campesinato, enquanto estamento tributável ;
2. a supressão de todas as leis que restrinjam a utilização pelos camponeses de sua terra ;
3. a restituição dos valores pecuniários aos camponeses que lhes foram subtraídos na forma de pagamentos nobiliários e juros fundiários. Confiscação da propriedade e da posse dos mosteiros e da Igreja, como também dos bens dos senhores feudais e das pessoas pertencentes à família do Czar e ao seu gabinete e, ao mesmo tempo, a ocupação dos latifúndios da nobreza que se valeram de empréstimos nobiliários, com base na instituição de impostos sobre a terra. Transferência das somas obtidas dessa forma para um fundo nacional especial destinado à satisfação das necessidades culturais e beneficentes das comunidades dos vilarejos;
4. a constituição de comitês de camponeses : a. visando à devolução à comunidade do vilarejo (mediante expropriação ou – caso a terra tenha sido transmitida de mão em mão – mediante a recompra pelo Estado, às custas do proprietário fundiário nobiliário) das parcelas de terra que, na supressão da servidão, foram destacadas da terra do camponês e servem, nas mãos dos proprietários fundiários como meio de sua submissão; b. visando à transmissão daquele solo à propriedade dos camponeses no Cáucaso que o utilizam enquanto obrigação transitória, khisanen etc. ; c. visando à supressão dos resquícios das relações de servidão que, permaneceram mantidas nos Urais, no Altai, na região ocidental e em outras regiões do Estado.
5. a autorização para os tribunais reduzirem valores excessivamente elevados de arrendamento e declararem nulos os contratos com caráter de vassalagem.
Aspirando a atingir seus próximos objetivos, o POSDR apoia todos os desejos oposicionistas e revolucionários que sejam dirigidos contra a ordem social e política existente na Rússia, rejeitando, porém, ao mesmo tempo, todas as propostas de reforma que estejam ligadas, das mais diversas formas, com a expansão ou a consolidação do paternalismo policial-burocrático das classes trabalhadoras. Por sua vez, o POSDR está convencido de que a concretização duradoura, consequente e plena das mencionadas transformações políticas e sociais é apenas alcançável através da derrubada da autocracia e da convocação de uma Assembleia Constituinte, livremente eleita por todo o povo.

SOBRE A CRISE CAPITALISTA MUNDIAL

Pablo Rieznik

Ao ingressar no sexto ano de uma crise capitalista sem precedentes, as tendências para um novo colapso do sistema financeiro se apresentam apenas como a ponta do “iceberg” de uma bancarrota generalizada. Isto, apesar de uma injeção monumental de recursos, equivalentes a um quarto do produto mundial para tentar manter a tona a deteriorada nave do mercado mundial capitalista. O remédio “keynesiano”, uma expressão que deve ser precisada, fracassou. Em todo caso, os intentos por combinar a análise marxista e as formulações do economista inglês no sitio comum da “heterodoxia” carecem de todo rigor. Α crise capitalista mundial estourou em meados de 2007, quando se declarou a quebra de importantes fundos de investimento aplicados na especulação com ativos imobiliários. Foi o que arrastou Wall Street a uma emblemática queda das cotizações dos valores negociados na principal bolsa de valores do mundo. Alcançou seu apogeu em 15 de setembro do ano seguinte quando foi declarada a bancarrota de um dos maiores bancos de investimento norte-americanos – o Lehman Brothers. Era a ponta do iceberg, o que estava posto então era a situação de emergência do sistema financeiro internacional, à beira de uma quebra generalizada. O establishment mundial se debateu entre uma extensa nacionalização do sistema bancário para tentar manter em pé a atividade econômica semiparalisada ou seu resgate formal mediante uma injeção monumental de dinheiro e subsídios que evitasse um colapso terminal.
O montante de recursos utilizados para este fim se estima na magnitude equivalente a totalidade de produção anual dos EUA, da ordem de 15 trilhões de dólares, uma quarta parte aproximadamente do produto bruto mundial, uma quantidade sem precedentes na história do capitalismo.
A eclosão da crise financeira foi seguida por uma depressão econômica de alcances igualmente planetários. As economias mais desenvolvidas registraram uma queda superior a 3% em 2009, depois da estagnação durante o ano anterior. Nos primeiros meses da crise o estouro dos mercados de ações e a produção industrial alcançavam registros superiores aos alcançados na pior crise da economia capitalista até então, a de 1929. Diferente daquela, contudo, os analistas consideraram, praticamente por unanimidade, que o curso subsequente do desmoronamento (que na década de 1930 se prolongou em um tobogã ininterrupto por muitos anos) desta vez seria limitado por um massivo resgate financeiro que havia sido evitado setenta anos atrás. De fato, no fim de 2009, se declarava oficialmente o fim da recessão.
Os dados que se mostravam para provar que a marcha para o abismo havia sido detida e inclusive, revertida, eram enganosos. A situação de falência dos bancos foi dissimulada por manipulações do que se chama “contabilidade criativa” para superestimar o valor de ativos desvalorizados. Os indicadores da atividade econômica se encontravam também distorcidos, do mesmo modo que os lucros das empresas que se apresentavam nas contas nacionais. As cifras da economia real, tais como o nível de emprego, o volume de crédito ou investimento – para citar as mais significativas – mostravam para quem quisesse ver que não se recuperaram nunca do solavanco.
A suposta recuperação da recessão a partir da segunda metade do ano de 2009 repousava no relançamento de uma atividade especulativa enorme que, sobretudo, reproduzira o mesmo mecanismo que havia conduzido ao colapso da chamada “bolha” imobiliária de 2007, quando os preços das moradias começaram a baixar, as taxas de juros a subir e os devedores privados começaram a ingressar em massa na fila de suspensão de pagamentos de suas hipotecas, arrastando assim os fundos a galope, montados nestas últimas. Foi uma bola de neve que varreu tudo a seu redor, liquidando um negócio fictício que se apoiava em uma hipertrofia do endividamento para sustentar a superprodução de edifícios e urbanizações.
Foi apenas o inicio porque, morta a “bolha”, viva a bolha! Não para resgatar as vitimas, mas os vitimadores: os bancos e companhias financeiras golpeadas pelo vendaval. A partir de 2008 se inflou, então, um novo endividamento, ainda que, desta vez às custas das finanças públicas e, também, em uma dimensão homérica. Seu estouro foi mais rápido ainda e é o terreno em que se desenvolve a crise agora, decretando a quebra das economias de países e regiões inteiras. O caso mais notório foi da Grécia (mas também da Islândia, Irlanda e, antes, os países bálticos) que, há mais de um ano, se desenvolve penosamente como a crônica de um “default” anunciado.
O default é o terreno da nova fase da crise que afeta οs elos mais débeis da cadeia da economia globalizada, um fenômeno que domina as vicissitudes da crise na atualidade. Por isso, é mais que sintomático o fato de que o quinto ano da crise estreasse com o bombástico problema de possível default do governo norte-americano. Como se sabe, a declaração formal de suspensão de pagamentos foi evitada formalmente com a autorização do legislativo pactuada entre o governo de Obama e os opositores, do partido republicano, para elevar o nível de endividamento público estatal. Como, por outra parte, os Estados Unidos detêm o poder de gestão da moeda que continua funcionado como dinheiro mundial, não poucos especialistas estimaram que o chamado default era uma montagem artificial. Continuaremos a análise.

O GOLPE DE 1964 FOI COMANDADO PELO IMPERIALISMO E A BURGUESIA BRASILEIRA

Entrevista concedida por Osvaldo Coggiola ao jornal do Sedufsm (Sindicato Docente de Santa Maria)

- Qual a principal herança que os ditadores militares, no período mais recente, deixaram para a América Latina?
R - A principal herança que eles deixaram foi um retrocesso político e cultural histórico. Nos países em que mais se sofreu a repressão, como na Argentina e no Chile, boa parte de uma geração de lutadores desapareceu. E isso é insubstituível, pois são pessoas, cérebros, obras. Muitas delas eram jovens, setores extremamente dinâmicos que simplesmente desapareceram. Na Argentina se fala em 30 mil vítimas, mas esse número não dá conta da qualidade do que essas pessoas representavam. Ou seja, da importância que essas pessoas tinham, eram estudantes, sindicalistas. Essas pessoas são insubstituíveis. Isso se vê, por exemplo, nos partidos de esquerda, e o caso típico é a Argentina. Há militantes de 60 anos para cima e há outros até a idade de 40 anos. A geração que tem 40, 50 anos, é pouco numerosa, pois é uma geração que foi eliminada fisicamente. Por isso, observamos um buraco geracional, não apenas nos partidos políticos, mas até mesmo nas universidades. É uma geração que sofreu as consequências do exílio, da tortura e da morte. A repressão não se refere apenas aos mortos. São as pessoas que foram para o exílio e nunca mais voltaram. As pessoas que passaram longos períodos na prisão. As pessoas que abandonaram projetos de vida e nunca mais puderam retomá-los. Então, a cifra é muito maior que os simples números da repressão. Essa cifra não está calculada e não teria importância calcular, porque ela é muito maior que os 30 mil na Argentina e maior que as centenas desaparecidas no Brasil. Em função disso, outra herança é o medo, que as gerações mais jovens estão perdendo ao se engajar em projetos revolucionários mais recentes. Isso [a ditadura] criou uma consciência medrosa. Se chocar frontalmente contra a ordem constituída vai suscitar uma reação de tal ordem por parte da ordem constituída que não vale a pena o choque. As gerações que saíram à rua em junho aqui no Brasil e outras que estão lutando atualmente na Argentina não têm esse medo, porque não sofreram esse período, eles nasceram em meados da década de 80 ou 90, quando as ditaduras já eram coisas do passado. Por isso se dá um choque atualmente entre o dinamismo político e social dessa juventude – de toda a América Latina – e as lideranças políticas sobreviventes do período precedente, porque parte de duas experiências políticas diferentes. Uns não têm esse medo da repressão – está claro que atualmente há repressão, mas contra movimentos e não contra pessoas perseguidas individualmente -, enquanto as gerações precedentes têm essa experiência. Quero dizer, essa experiência não é puramente negativa, porque o realismo político também é necessário. Mas às vezes isso provoca um choque. Por exemplo, a Marilena Chauí chegou a falar que os jovens que estavam nas ruas em junho acreditam no poder mágico da política, deixando como uma crítica ao movimento. Isso é tipicamente uma reação da geração mais velha diante da audácia da geração mais jovem. Há uma incompreensão geracional que só tem superação em termos políticos, não pode ter uma superação em termos culturais porque isto é normal, faz parte da vida. É absolutamente claro que processos revolucionários historicamente, desde a Revolução Francesa em diante, tiveram como protagonistas fundamentais as gerações mais jovens. Entre as lideranças revolucionárias raramente as pessoas superavam os 40 anos de idade. Nunca se viu uma revolução feita com pessoas de 70 anos ou mais. Parece que o retrocesso político, cultural, foi a herança mais importante (da ditadura).
P - Na sua avaliação, qual a importância de ser rememorado os 50 anos do golpe militar de 1964?
R - A importância é grande, em primeiro lugar porque vivemos num sistema político que, em grande parte, é originário das leis de exceção que foram proclamadas naquele período. No momento em que se discute um projeto de lei antiterrorista, a lei de segurança nacional ainda está ali dentro, e essa lei de segurança nacional é parte do arcabouço jurídico da ditadura militar. Portanto, a principal importância de se lembrar o golpe de 64 é lembrar tudo que está em pé, desde lá, na estrutura política brasileira atual. A segunda importância histórica extrapola as dimensões do Brasil, porque o golpe brasileiro de abril de 1964 foi o primeiro de uma série de golpes que abalaram toda a América Latina. Mais para o fim de 64, tivemos o golpe boliviano, que veio acabar com as consequências da revolução de 1952, que nacionalizou as minas na Bolívia e tudo mais. Na Argentina tivemos um período de grande convulsão política, que se inicia com o golpe militar em 1966 e que no fundo só vai terminar em 83, 84, quando finalmente o último golpe militar cedeu seu lugar a um governo eleito por vias democráticas. Então, temos aí uma situação de aproximadamente 20 anos em que toda América do Sul viveu um período de forte repressão e de militarização da sociedade. E o sinal verde para esse processo, que abalou excessivamente nosso continente, foi exatamente o golpe militar de 1964. A América Latina seguiu o Brasil, e o Brasil seguiu os Estados Unidos. Portanto, hoje lembrar o golpe de 1964 não é lembrar um episódio do passado, é lembrar um episódio que ainda está presente no arcabouço político vigente no Brasil e ainda está presente no restante dos países da América Latina.
P - Quando se fala em ditadura militar no Brasil é preciso lembrar que na América do Sul houve a Operação Condor. O que falta contar, no teu entendimento, sobre o colaboracionismo entre os vários regimes militares?
R - Isso foi muito central nos últimos tempos a partir da descoberta de que de fato existia uma coordenação das ditaduras militares, e que essa coordenação foi apoiada pelos Estados Unidos. Isso foi descoberto a partir de uma série de arquivos e papéis no Paraguai, não por acaso, pois justamente o Paraguai era a ditadura mais antiga, que provinha de 1954. Essa questão deixou absolutamente claro o que já se sabia, que havia essa colaboração. Já se sabia, por exemplo, a partir do Universindo (Díaz), militante uruguaio que foi sequestrado no Rio Grande do Sul e levado para o Uruguai junto com Lilian Celiberti. E houve outros casos que se pode relatar de militantes brasileiros que foram sequestrados na Argentina, e por aí vai. Portanto já se sabia, antes que se especulasse a Operação Condor, de que havia essa colaboração. A Operação Condor em si não foi uma novidade, a novidade foi simplesmente o fato de se estabelecer claramente que ela existia. Há um perigo na questão da Operação Condor ao se tomar exclusivamente esse aspecto, e em particular o fato de que os EUA estavam por trás dessa repressão, de inocentar, de alguma maneira, os militares latino-americanos. Dizer, por exemplo, que os EUA infiltraram pessoas nos exércitos sul-americanos, para que estes [exércitos], sob o comando desses infiltrados, fizessem golpes militares, repressão, etc, na verdade não foi assim. O golpe não foi originado nos EUA. O golpe foi originado no Brasil, na Argentina, no Chile, a partir do exército e a partir das lideranças civis que apoiaram esse golpe, que em particular incluem a grande maioria das lideranças empresariais de todos esses países. As lideranças empresariais chilenas, argentinas, uruguaias, brasileiras, apoiaram e bateram na porta dos quartéis. Esse foi o movimento que propiciou o golpe. Se tivesse só os EUA por trás não teria havido golpe, ou o golpe teria sido derrotado. Ou seja, foi um movimento da burguesia de nossos países, com seus representantes políticos e militares. E o golpe não foi de um setor infiltrado no interior das Forças Armadas. Na verdade foi um golpe das Forças Armadas como instituição. Quando se toma a Operação Condor como único elemento existente dentro desses processos se chega a uma imagem caricatural dos processos militares. Essa imagem caricatural diz que os golpes foram produtos de espécies de elites militares que agiam obedecendo ordens que vinham do exterior. Mas não foi o golpe de uma elite militar, foi um golpe das Forças Armadas como tais. Com alguma resistência dentro das Forças Armadas, o que foi claro no caso brasileiro. Ou com nenhuma resistência, como foi o caso da Argentina. Então, a instituição como tal foi a protagonista, e não só a instituição, mas também as classes sociais que apoiaram o golpe. E em segundo lugar temos também a construção, que já se viveu na segunda guerra mundial, de uma imagem idealizada, que não corresponde à verdade, e que poupa analisar a dinâmica de classes, ou seja,
fazer uma análise marxista desses golpes e processos. Por exemplo, a construção de uma mitologia se deu logo depois da Segunda Guerra Mundial. Ela demorou muitos anos para ser reconstruída, e ainda está sendo reconstruída. A mitologia que afirma que uma vez que em países – França, Polônia, etc – enfim, países que ficaram ocupados por exércitos nazistas, a população resistiu, mas não teve sucesso devido à força extraordinária do exército nazista. Uma imagem idealizada que não corresponde à verdade e que poupa o fato de que não somente lideranças empresariais, mas setores importantes da população apoiaram e fizeram grandes negócios com o nazismo. E só nas duas últimas décadas que apareceram uma série de livros, pesquisas e obras cinematográficas que mostram como um setor importante da população apoiou a invasão nazista e se sentiu muito bem. No caso latino-americano também se vê que os órgãos de imprensa e a mídia que apoiaram o golpe militar, agora se referem àquele período como o período negro da ditadura militar, quando esses mesmos órgãos apoiaram naquele momento. E procuram algum e outro detalhe que os apresente como opositores, quando não foram opositores, ao contrário, foram colaboradores extremos, como o caso típico da Folha de São Paulo, ou da Globo, enfim. E também o apoio de setores importantes e grandes da classe media.
Falta falar tudo isso: em primeiro lugar que não foram golpes que suscitaram a oposição de todos, tiveram apoio interno, apoio quase total da burguesia, não houve nenhum setor do empresariado que se pronunciasse contra o golpe militar em nenhum desses países. E esse empresariado é o mesmo que temos atualmente, com pequenas mudanças. E em segundo lugar com apoio de setores e instituições. O que suscitou muitas polêmicas foi o apoio da igreja católica, que no caso argentino e chileno foi um apoio militante. A igreja católica chamou pelos golpes antes e depois apoiou, chegando no caso argentino a estar envolvida nos próprios extermínios. Isso suscitou grandes polêmicas para esclarecer qual tinha sido a atitude do atual papa diante da ditadura militar. Existiram exceções dentro da igreja, mas essas não estão vivas porque foram mortas. Portanto, o que falta para esclarecer é fazer uma história objetiva, que parta dessa dinâmica de classe, e que veja que foi um movimento de reação política. Não foram governos como nazismo ou fascismo italiano. Mas dizer que não eram regimes fascistas não significa que alguns traços do fascismo não estivessem presentes.
P - Há historiadores que desenvolvem o argumento de que o golpe no Brasil teria sido reação a um golpe que se preparava pela esquerda. Qual a sua avaliação?
R - É uma versão capciosa e mal intencionada. Uma revolução proletária, quando vitoriosa, se impõe através de um golpe. Derruba quem está no poder pela força. Logicamente no caso brasileiro essa possibilidade não existia. Não havia nenhuma revolução prestes a ser realizada no Brasil. O golpe de 64 foi o caso típico de um golpe preventivo. Mesma coisa pode se dizer do golpe militar argentino de 66 e até certa medida do golpe boliviano de 64. Já o golpe boliviano de 71 contra a assembleia popular – que proclamava abertamente a busca pelo poder -, o golpe chileno de 1973, o golpe uruguaio de 1973, o golpe peruano de 1975 e principalmente o golpe argentino de 1976 eram golpes contrarrevolucionários, ou seja, contra revoluções em andamento. Revoluções em andamento não significa que essas revoluções tivessem garantido a sua vitória, mas havia processos de mudança revolucionária em andamento. Diferentemente do golpe brasileiro, foram golpes contrarrevolucionários, não preventivos, por isso foram muito mais violentos, porque em geral o golpe preventivo faz uma repressão de caráter seletivo. Já os golpes da década de 70 não foram repressão de curto alcance e preventiva, foi repressão para destruir qualquer possibilidade de uma ação revolucionária. Obviamente tem as pessoas que falam que os militares agiram porque pensavam que ia se implantar uma ditadura comunista. Tudo bem, os militares podem ter agido por esse motivo ou qualquer outro. E fizeram uma ação política obviamente em função do que eles pensavam. Mas isso não é uma desculpa. O fato de pensar dessa maneira não lhe confere qualquer tipo de legitimidade para executar uma ação dessa natureza. Apresentar um golpe de direita e dizer que – como dizem um monte de jornalistas – os militares finalmente implantaram uma ditadura, mas que pior seria uma ditadura de esquerda, como na União Soviética. Essas pessoas evidentemente não são inteligentes e gostam de pensar como a classe dominante. Nos últimos tempos se acentua esse movimento e vemos uma inúmera quantidade de artigos – na Veja, na Folha de São Paulo – de jornalistas, até jovens, que defendem esse ponto de vista. Esse ponto de vista é completamente idiota e reacionário. Mas ao mesmo tempo é bem remunerado. Recebem por isso. E tem a grande imprensa facilitando para esse tipo de opiniões. Eles estão dizendo que uma revolução se apoia num golpe e instaura uma ditadura revolucionária. Mas isso não é nenhuma novidade, os revolucionários já afirmam isso desde o século XVIII. Afirmar que havia um plano sorrateiro... não havia nenhum plano sorrateiro. Aliás, as grandes revoluções da história não têm nada de plano sorrateiro, se fazem em momentos de aguçamento da luta de classes, em que as frações revolucionárias proclamam abertamente que o que é necessário nesse momento não é apenas uma mudança constitucional, mas uma verdadeira revolução. E afirmar que a implantação de regimes de caráter socialista na Argentina, Brasil e em qualquer dos países, teria resultado numa coisa semelhante à União Soviética não tem nenhum sentido. Tomamos o caso da revolução cubana... Cuba atualmente não é nenhum modelo político a ser imitado porque não há verdadeira democracia operária. Mas dizer que em Cuba houve um massacre da população semelhante àquele praticado por Stalin, que matou milhões de pessoas, é muito idiota. Essa teoria é uma vulgaridade completa, reacionária e de direita. E é dita por pessoas que citam autores que não leram, ou seja, pessoas incultas que disfarçam sua incultura com citações de terceira mão. Lamentavelmente o problema é que essas pessoas têm acesso à grande mídia e os verdadeiros historiadores e pesquisadores são lidos por poucas pessoas. Nós vivemos uma ditadura da burguesia, sob formas democráticas, não somente no aspecto social, mas no aspecto político, ideológico e cultural.
P - Os sindicatos, movimentos sociais e populares podem realmente ficar tranquilos de que “golpe nunca mais”?
R - Não. Em primeiro lugar, quando se afirma que golpe nunca mais quer dizer que governos militares como existiram naquele momento nunca mais, e provavelmente nunca mais mesmo. Mas não são esses únicos movimentos possíveis de reação política. Atualmente isso é impossível, mas por motivos muito concretos, em alguns casos se trata simplesmente da decadência, no caso do exército argentino que atualmente não ganharia uma guerra mais fraca. O ciclo militar nos últimos anos esgotou por um longo período histórico todo seu capital político, porque levou em geral todos esses países ao fundo do poço, não só cultural e político, mas também econômico. Os golpes militares da década de 60 ainda se apoiavam numa conjuntura de expansão econômica internacional. Os golpes militares da década de 70 não tinham uma conjuntura desse tipo, então deixaram não somente um saldo de mortos, presos e fuzilados, mas também um saldo de retrocesso econômico, de desindustrialização. A Argentina, por exemplo, depois do golpe militar nunca mais voltou a ser o país da década de 60, o país que tinha peso econômico, que ainda tinha o PIB superior ao brasileiro. Hoje o PIB argentino não supera o PIB de São Paulo. E o governo militar foi o grande responsável pelas políticas que levaram a Argentina a esse estado de coisas. A Argentina iniciou uma decadência histórica. Atualmente não há nenhuma possibilidade de golpe militar dessa natureza, porque não existem os fatores internos nem externos que possibilitem esse tipo de coisa. Em segundo lugar, os EUA estão apoiando golpes militares em casos extremos e com características muito peculiares, como um eventual golpe militar na Síria ou Líbia. Os EUA não estão em condições de impor sua lei a ferro e fogo como faziam na década de 60. Atualmente enfrentam uma crise econômica e política interna, e uma crise nas relações internacionais. Não pode se dar ao luxo de designar um ditador qualquer e dar ajuda para que imponha sua lei a ferro e fogo. Ou mesmo enviar tropas, como foi com o Vietnã. Podemos dizer que tanto pelas condições internacionais quanto pelas condições políticas internas, golpes militares clássicos daquele tipo são impossíveis. O que pode agora são golpes como o que houve em Honduras, ou seja, um golpe militar com apoio civil para que convoque eleições e através desse mecanismo eleitoral legitimar o presidente. Foi o caso também do Paraguai. E não devemos esquecer que tanto no caso de Honduras como no Paraguai os governos resultantes dessa dinâmica de golpe militar com eleições se alojam no poder com aprovação dos governos de esquerda da América latina, que não aprovaram abertamente os golpes, mas acabaram reconhecendo os governos oriundos das eleições posteriores a esses golpes. Portanto, atualmente, o imperialismo norte-americano mostra uma gama de possibilidades políticas maiores. Eles sabem que o golpe militar não é o único recurso. Os EUA desconfiam quando exércitos de países periféricos ficam muito fortes, porque podem se tornar independentes. Os EUA não gostam de governos reacionários que se tornam muito fortes, eles gostam de poder ter um controle um pouco mais político. Por isso se pode dizer que golpes militares desse tipo, de criação de ditaduras puramente militares, não estão na ordem do dia. O que não significa que os objetivos que esses golpistas defenderam nas décadas de 60 e 70 não continuam vigentes. Esses objetivos se impõem, mas por outros meios. Saudosistas da ditadura militar em geral são tão idiotas quanto os jornalistas. São cretinos, imbecis e têm memória fraca. São manifestações de pessoas que não têm credibilidade.
P - A essência golpista doutrinária das Forças Armadas se mantém. A gente observa, é óbvio que não é institucional, mas a questão da Dilma, que não é comunista... e no entanto pelas redes sociais é muito costumeiro imagens colocando-a como guerrilheira. Isso me parece que vem da formação doutrinária.
R - Enquanto houver exército permanente separado da sociedade com suas próprias normas o golpe militar é sempre presente. E não só na América Latina, mas também nos EUA. A possibilidade de um golpe militar, historicamente falando, continua presente. Na América Latina, na Ásia, África, nos EUA, na Europa. Os militares são uma casta e têm uma peculiaridade: a única casta que tem o direito de ter o monopólio da força pública. Então se tem uma casta com interesses diferenciados e ela tem o monopólio da forca militar é óbvio que em algum momento, seja por uma crise ou motivo que for, a tentação de se apoderar do poder vai aparecer. Não tem solução nesses termos. O que deveria ser destruído é a casta. Mas como fazer isso? Um processo revolucionário deverá pensar em criar outro tipo de instituição armada para cuidar das questões de segurança.
P - É um absurdo que em 31 de março ainda se comemore a revolução. Ou quando o governo lançou a comissão da verdade, que é capenga, os generais não baterem continência...
R - Mesmo na Argentina, onde os titulares foram condenados à prisão, mesmo assim se cultua as Forças Armadas. Onde a pessoa foi oficialmente condenada pelo Estado. Não há nenhuma formação política que resolva essa questão, porque o interesse material de casta continua sendo um fato incontornável. Uma coisa é dizer que não existem condições políticas, outra é dizer que não existem condições históricas. Isso é mentira. Existem todas as condições históricas. Porque enquanto houver exército com interesses separados de casta, sem nenhum tipo de democracia interna, e com monopólio do uso da força, a possibilidade de um golpe militar vai continuar existindo. Basta haver uma situação que propicie.
P - A lei antiterrorismo se analisada é mais grave que a lei de segurança nacional...
R - Pode ser, mas não se iguala à ditadura militar. Essa é uma lei proclamada por um governo civil, e ainda mais grave porque se diz de esquerda. É claro que é reacionário, embora não seja ditadura. O problema é sair das opções políticas a partir do tipo de regime político. O que tem que ver são os interesses de classe por trás. E para sair desse circulo vicioso só entendendo que a sociedade tem uma dinâmica determinada pelos interesses de classe e quem em última instância a história da humanidade continua sendo a história da luta de classes, porque o único caminho para acabar com a possibilidade de golpes militares é acabar com as condições estruturais que o permitem. No mundo em que vivemos, a condição estrutural que permite é o monopólio da força por parte de uma casta, e por outro lado uma situação na qual temos um monopólio mundial da força, porque os EUA tem um poder militar tão distante dos outros países como nunca se viu na história da humanidade. É uma batalha que está determinada pela luta de classes, e não por detalhes como o fato de ter um presidente negro ou secretária de Estado mulher. Isso foi apresentado como um grande avanço social e político. Essa secretária de estado mulher ameaçou jogar uma bomba atômica sobre o Iraque. É preciso uma revolução que acabe com o poder da burguesia e dos seus corpos armados.

UCRÂNIA E A CRISE MUNDIAL

Jorge Altamira

Enquanto a imprensa mundial difunde proclamações de “firmeza” e belicosidade de parte dos governos envolvidos na crise da Ucrânia, a linha fundamental segue sendo a negociação diplomática. O comercio e os investimentos do capital internacional na Rússia são relativamente elevados e o mesmo ocorre com o dinheiro roubado pela oligarquia russa nos paraísos fiscais e em Londres. A bancarrota da Ucrânia, por outro lado, é sideral, e não poderia ser enfrentada em um marco de acentuação da crise entre Rússia e os estados da OTAN. A Rússia teria que participar do resgate da Ucrânia, de cuja bancarrota é a principal responsável.
À luz dessa condição, o referendo na Criméia busca reforçar a posição diplomática da Rússia, não promover uma anexação territorial. Putin já assegurou de mil maneiras aos EUA e à UE que não tem intenção de anexar a península nem o leste da Ucrânia (como se isso não fosse o que ocorre desde que se firmou a entrega do porto de Sebastopol à frota russa) – uma forma de oferecer discutir tudo o que está em jogo. Agora, o conflito transfere-se às eleições previstas para o dia 25 de maio próximo. A carta mais relevante é a representada pelo partido de Yulia Timoshenko, que soube negociar no passado com os russos embolsando pesadas comissões. O governo transitório atual é um fantoche jurídico e político imposto pelos EUA durante a crise da noite de 21 de fevereiro, para fazer fracassar um acordo prévio com a Rússia; um governo cuja composição foi rechaçada pela multidão sublevada na Praça da Independência, em Kiev, a capital da Ucrânia. O primeiro ministro é um personagem repudiado do partido de Timoshenko, que responde direto ao FMI.
Não se deve esquecer que neste conflito não está na mesa de discussão a incorporação da Ucrânia à UE, como é a aspiração, seguramente, da maioria dos ucranianos, mas um acordo de comercio que daria via livre à penetração do capital internacional na Ucrânia. A UE não quer sequer falar de uma integração da Ucrânia, dado que isso agravaria sua crise económica e trabalhista interna, e porque a Ucrânia, em completa falência, não reúne as condições para competir dentro de um bloco económico. Grande parte da oligarquia da Ucrânia e também da Rússia já se encontra a favor desta perspectiva, uma vez comprovado que o esquema atual produziu uma bancarrota abismal. Em uma síntese muito apertada se poderia dizer que a Rússia e a OTAN estão negociando a divisão política e económica da Ucrânia, não a unidade ou divisão territorial, pois inclusive a Crimeia seguirá na Ucrânia na ficção de república autónoma. Um acordo de divisão, como todos os desta natureza, seria por definição transitório ou episódico, em especial porque o capital internacional aponta a colonização capitalista completa, não só da Ucrânia como da própria Rússia. Qualquer acordo precário provocará divisões na camarilha de Putin e nos comandos das forças armadas. O FMI já advertiu que o ajuste que se deveria impor à Ucrânia provocará uma decadência colossal das condições de vida e trabalho de seu povo. O imperialismo flerta com um recrudescimento dos antagonismos nacionais e sociais e com situações revolucionárias.
O ressurgimento da questão nacional na Ucrânia oferece possibilidades revolucionárias à classe operária internacional. A Ucrânia foi uma encruzilhada de caminhos da história mundial, por motivos históricos variáveis. A reivindicação da independência nacional da Ucrânia, formulada de forma consequente, constitui um ataque à dominação da oligarquia e ao regime restaurador da Rússia, por um lado, e à colonização financeira por parte da UE, por outro lado. A Ucrânia é uma peça importante para o dispositivo militar da OTAN, como cabeça de ponte até a Rússia asiática, o Cáucaso e o Oriente Médio, ainda que também para reforçar os EUA frente a seus rivais na Europa. A independência e unidade da Ucrânia contra a depredação de uns e outros projeta uma luta revolucionária de massas.
Alguns intelectuais europeus explicam que se trata do contrário, pois o povo da Ucrânia estaria lutando pelo direito nacional a incorporar-se à UE. O direito à autodeterminação significaria ou implicaria, para eles, na assimilação política da Ucrânia por parte da UE. Tal explicação apaixona à esquerda democratizante da Europa, incluídos os trotskistas da teoria da revolução democrática, pois reforça sua própria posição, que define a UE como o novo campo nacional da luta social e inclusive apresenta a submissão aos planos da Comissão Europeia como um mal menor. A UE não aceita essa integração sem a condição de uma etapa prévia de ajuste, miséria social e colonização económica. É a própria UE da “democracia”, a que rechaça o direito da Ucrânia à autodeterminação. Por isso impôs um governo montado em Bruxelas e Nova Iorque, contra a vontade da sublevação popular. A resposta reacionária e brutal de Putin serviu ao imperialismo, pois a ocupação da Crimeia deu fôlego ao governo usurpador em Kiev. Na condição de socialistas revolucionários devemos orientar a experiência que se desenvolverá com esta crise, para opor o direito nacional da Ucrânia ao opressor russo e ao colonizador da austeridade e da miséria capitalistas.
A questão nacional da Ucrânia tem um potencial revolucionário sobre a Rússia, ainda que o atropelo do imperialismo e seu apoio aos grupos fascistas da Ucrânia tenham produzido uma reanimação do chauvinismo russo (que reivindica seu direito a ocupar a Ucrânia). No médio prazo, no entanto, ficarão em evidência os verdadeiros interesses da camarilha do Kremlin e da oligarquia russa. A crise ucraniana já está provocando uma enorme saída de capitais da Rússia e a desvalorização do rubro. Os custos do chauvinismo se somarão a carga enorme de miséria das massas russas. É um momento oportuno para tirar das prateleiras os escritos bolcheviques a favor do derrotismo na Rússia. Denunciando ao imperialismo capitalista da OTAN na Ucrânia, os revolucionários russos deveriam reclamar a saída das tropas russas da Ucrânia e defender o direito da Ucrânia à autodeterminação nacional – com as bandeiras de uma Ucrânia unida, independente, operária e socialista.