sexta-feira, 10 de outubro de 2014

ELEIÇÕES NO BRASIL:

                                                                        



UM PETISMO EVANGÉLICO ALIADO À VELHA POLÍTICA




Jorge Altamira


O resultado eleitoral não expressa a recente rebelião popular. Ficaram nos primeiros lugares os responsáveis pela recessão, a inflação e o desemprego. Abre-se uma transição política e um período de crise.

A filiação petista da presidenta da nação esconde o verdadeiro caráter do governo brasileiro, que é, em primeiro lugar, uma aliança com o PMDB, o partido mais importante do país, criado sob a ditadura militar, e, por outro lado, com a direita evangélica, o que impõe à coalizão oficial uma agenda clerical e confessional de características extremadas. Os votos tidos pela situação são a expressão desta coalizão. A frase "governo do PT" nada mais é do que um eufemismo, que ajuda a decorar o governo com enfeites progressistas. Os acontecimentos mais marcantes de corrupção durante a administração “petista” estão relacionados precisamente com a "necessidade" de manter um curral de uma absurda maioria parlamentar.

Quais são as considerações mais importantes levantadas por estes resultados? 

A mais importante é, sem dúvida, que não traduziram a enorme revolta popular do ano passado contra os aumentos das tarifas de transporte e de protesto contra o colapso dos serviços públicos essenciais. Os partidos e coligações estabelecidas se beneficiaram desproporcionalmente das contradições do movimento popular, em cujo seio opera a burocracia sindical, em especial a governista CUT; o oportunismo eleitoral de um setor da esquerda (PSOL), que tem somente olhos para o carreirismo parlamentar; a debilidade dos setores classistas nos sindicatos e na juventude. Sob estas condições, as eleições funcionam como um espelho distorcido da realidade histórica do Brasil. As pesquisas privadas e os meios de comunicação, mais uma vez mostraram seu caráter manipulador neste quadro distorcido, abaixando e levantando as chances de cada candidato, de acordo com as circunstâncias e conveniências. A volatilidade pré-eleitoral é um forte sinal da enorme desconfiança do eleitorado diante das opções apresentadas.
Ficaram em primeiro lugar as forças políticas responsáveis pela recessão industrial - especialmente as demissões e suspensões na indústria automobilística - a inflação e o aumento do desemprego. A dívida pública do Brasil supera 60% do PIB, e se aproxima dos US$ 700 bilhões, e pior ainda é a dívida privada, que está perto dos cem por cento do PIB. A entrada de capital especulativo para aproveitar a diferença monumental das taxas de juros com os mercados internacionais tem sido extraordinária, e agora enfrenta uma reversão de tendência. O medo da fuga de capitais exerce uma enorme pressão sobre a taxa de juros no Brasil, que por sua vez tem um impacto negativo sobre o financiamento da indústria e sobre o crédito ao consumo, que se encontra em níveis muito altos. O "ascenso à classe média", a qual pondera a mídia internacional, é uma consequência do cartão de crédito. O Brasil pós-eleitoral será o cenário do ajuste e da acentuação do "conflito" social. A fuga de capitais já resultou em uma desvalorização do real, mais ou menos significativa. 

Contra o Mercosul

                                                                


Na ausência de um ativismo popular, independente, as eleições foram confinadas a uma disputa entre os setores dominantes. Em que consiste essa disputa? Dilma Rousseff, a presidenta, anunciou com significativa antecedência que abriria mão, em um segundo mandato, da atual equipe econômica. Procurou, deste modo, absorver a pressão dos "mercados", cuja principal preocupação é a de que o Banco Central tenha a capacidade de honrar o pagamento da dívida externa e aumentar os “incentivos” para que o capital especulativo não escape do país. Entre os “incentivos” não figuram somente o congelamento de salários e a redução dos gastos sociais. Um lugar importante é ocupado pela liberalização do comércio exterior e a mudança da política para o petróleo. Os esforços do governo para assinar um acordo de livre comércio com a UE foram bloqueados pela Argentina, de onde procedem as exigências oposicionistas (e do candidato da Frente Ampla do Uruguai) para debilitar o Mercosul e “liberar” a política brasileira da kirchnerista.
Dentro do campo “nacional e popular", como se vê, há também uma divisão de estratégias. Mais precisamente, cedem ante a pressão da crise e do capital internacional. Ninguém menos que o ex-presidente da venezuelana PDVSA , Rafael Ramirez, foi demitido de seu cargo, quando levantou a necessidade de desvalorizar o bolívar e liberar o câmbio. Sobre o tema do petróleo, o governo brasileiro enfrenta a pressão para que a Petrobras atenda aos interesses de seus acionistas privados (aumento do preço da gasolina e uma política de lucros maiores) e dê mais espaço para as empresas petrolíferas internacionais na exploração da plataforma marítima. O ascenso inesperado da oposição encarnada pelo PSDB (Aécio Neves) responde a esta tendência capitalista frente à crise. O governo já se pronunciou a favor de atender essas reivindicações.
Nos círculos financeiros cogita-se que a possibilidade de que uma derrota do governo teria uma capacidade de incidência sobre a crise da Argentina maior do que o “dólar blue”. Marcaria, dizem, uma mudança irreversível de tendência e precipitaria um desenlace mais rápido dessa crise. Esta é uma meia verdade, porque essa mudança de tendência já se encontra comodamente abrigada no atual governo. Inclusive, é maior, a capacidade deste governo de dar uma guinada e aplicar essa política do que a oposição, isso porque o governo tem maior capacidade de controle popular e uma cintura maior para a arbitragem em uma conjuntura de crescente mobilização de massas.
As eleições brasileiras mostram o fim de um ciclo e que a burguesia não pode continuar governando vinha fazendo anteriormente. Isto prevê uma transição e, por conseguinte, uma crise de conjunto. Faz falta agora que os trabalhadores, através, obviamente, de lutas parciais crescentes, desenvolvam sua própria alternativa política.