Osvaldo Coggiola
Dilma Rousseff começou seu segundo mandato (o quarto do seu
partido) depois de vencer o 2º turno com 51,6% dos votos. Nas eleições
presidenciais anteriores, no entanto, Lula havia obtido 61,3% e 60,8% (2002 e
2006) e a própria Dilma, 56% (2010), no 2º turno. No berço histórico do PT, o
ABC paulista, Dilma foi derrotada extraordinariamente. Depois da vitória de
Pirro há cerca de um mês atrás, sua primeira medida foi aumentar as taxas de
juros, para “acalmar os mercados”, isto é, aumentar a dívida pública. O capital
financeiro já tem uma taxa de lucro entre 40 e 50% maior que a média do país. A
segunda foi oferecer o ministério da Fazenda ao presidente do Bradesco (junto
com o Itaú, um dos maiores bancos do país), que rechaçou a oferta.
Simultaneamente o escândalo
de corrupção da maior empresa do país, a Petrobrás, chamado de Operação Lava Jato, adquiriu dimensões “fellineanas”.
O escândalo precedente, o mensalão (compra de votos parlamentares pelo
governo), havia sido definido como “o maior” e “o último”; o da Petrobrás supera,
com folga, ambos os títulos. Trata-se de esquema de propinas multimilionárias
para a concessão de contratos públicos. Encontram-se envolvidas as nove maiores
empresas construtoras do país (Camargo Correa, Engevix, Galvão, Mendes Júnior,
IESA, OAS, Odebrecht, Queiroz Galvão e UTC) que já possuem vários diretores
presos. Os beneficiários, diretores da empresa estatal, desviavam as propinas
para as contas dos “partidos” (eufemismo) da coalizão de governo (PT, PMDB, PP,
e algum outro da “base aliada”) e, claro, até suas próprias contas
(“comissões”). Não é necessário dizer que as propinas eram depositadas nas
contas (superfaturadas) das empresas: um esquema de saque multimilionário dos
cofres públicos.
Morgan Stanley calculou que as perdas da petrolífera devido
ao esquema seriam de R$ 21 bilhões (cerca de US$ 10 bilhões). Um dos
funcionários comprometidos, o já aposentado Pedro Barusco, ex Diretor de
Serviços, apresentou-se espontaneamente (sem ser citado!) à polícia,
comprometendo-se a devolver, de seu bolso, US$ 100 milhões (mas não os juros
produzidos por esse dinheiro nos últimos doze anos). Este é o partido e o
governo cuja vitória eleitoral os “progressistas” de toda a América Latina definiram
como “continuidade do processo de mudança” (troca de moeda nacional por dólares
em contas no exterior).
A “esquerda” (PT e “progressistas”) denuncia um golpe
judicial. A Petrobrás (cujo valor de mercado caiu de R$ 410 bilhões em 2011
para R$ 160 bilhões) é responsável por 10% da arrecadação de impostos do país:
o escândalo terá impacto nas contas públicas. As nove empresas (o “cartel”)
faturaram em 2013 “pelo menos” (ou seja, mais) R$ 33 bilhões com contratos
públicos, financiaram candidatos a deputados com R$ 721 milhões, e candidatos a
senadores com R$ 274 milhões (em 2010), e viva a democracia.
Por que o escândalo não explodiu abertamente durante a
campanha eleitoral, quando as investigações já estavam em curso, para
prejudicar a candidata do PT/PMDB? Primeiro, porque o juiz envolvido na causa
declarou que o “cartel” opera desde “pelo menos” (ou seja, mais) há 15 anos,
quando o governo (e Petrobrás) estavam nas mãos do partido opositor (PSDB), que
havia chegado ao segundo turno. O “propinoduto” é um “modelo de negócios”. O
intermediário do esquema (um tal Alberto Youssef, que também abriu a boca) já
havia estado preso em 2003 (e outras vezes) por crimes semelhantes e está
metido em outros escândalos menores que beneficiam, claro, o PSDB. Ou seja, mancomunaram-se
entre todos.
Os resultados das eleições recentes, portanto, merecem uma
segunda leitura: consagraram a um candidato da oposição (Aécio Neves), com 49%
dos votos, como suplente, em caso de crise institucional e de eleições
antecipadas, se o escândalo "pluripartidário" se impuser na situação
política.
A negativa do presidente do Bradesco em assumir como
ministro não é um caso isolado: o PMDB, partido do governo, propõe para
presidente da Câmara o seu deputado Eduardo Cunha, que apoiou abertamente ao
opositor Aécio Neves no segundo turno. Tarso Genro (atual governador petista em
fim de mandato do RS e ex-ministro da Justiça de Lula) interpreta esta proposta
como um passo para uma ruptura da aliança governamental. Desenvolve-se uma
crise política que pode levar ao impeachment
da Presidenta.
O déficit comercial e em conta corrente do país são os
piores dos 12 anos de “governo progressista”. O déficit das contas externas
alcançou 3,7% do PIB, um nível que não era alcançado desde 2001-2002 (crise
Argentina) que, naquele momento, mandou à lona ao governo de FHC. Furlán,
representante do agronegócio (e ex-ministro de Lula) propõe abertamente a saída
do Mercosul e a assinatura de acordos bilaterais com os EUA e a UE, o que
também propõe Celso Lafer, ideólogo “internacional” do PSDB. Vai se formando um
consenso. O PT busca adaptar-se, anunciando medidas de ajuste violentas (um
“sistema único do trabalho”, que libera as demissões e a flexibilização
trabalhista). Manipula as contas fiscais para assegurar o pagamento da dívida
externa, que está comprometido, em especial devido à dívida privada.
Como se encontra a esquerda nesta conjuntura? O PSOL, depois
de obter 1,6 milhão de votos no 1º turno (o dobro de 2010) rifou a votação
obtida com o apoio a Dilma (“entusiasta”) no 2 º turno. O PSTU, que fez uma
votação quase marginal (menos de 100 mil votos) só consegue propor, frente à
enorme crise: “Somente a luta pode garantir mudanças e evitar retrocessos”. Ou
seja, que houve “avanços” e que se deve seguir mudando.
Também “os movimentos” e, sobretudo, as ONG’s e fundações que
recebem fundos dos Estados e as corporações, limitam-se a criticar ao governo
por temas pontuais. Agora que a crise coloca-se pesada, denunciam “o golpismo”
e apoiam ao governo: assim já fizeram em junho de 2013, assim o fazem agora – e
denunciam a esquerda classista por “golpista”.
É necessário refundar a esquerda classista no Brasil.