domingo, 5 de julho de 2015

GRÉCIA: PARLAMENTARISMO, REFERENDO, BONAPARTISMO

                                                                     


Jorge Altamira.

Grecia: parlamentarismo, referendo, bonapartismo


Votamos pelo NÃO, por uma saída operária e socialista


A crise grega assumiu abertamente um caráter político, não já para a Grécia, mas para o conjunto da União Europeia (UE). Os termos do resgate financeiro passaram a segundo plano. Independentemente da fórmula submetida ao voto, o referendo queima as etapas: é um desafio político à UE e ao conjunto do sistema político imperialista. O salto qualitativo da crise, no entanto, acentua também a crise da direção das massas. O propósito do governo da Grécia de manter vivas as possibilidades de um compromisso - tal como é revelado pelos termos do NÃO que se propõe a votação -, está superado pelos acontecimentos. Para salvar um acordo com a UE, a Grécia terá que trocar de governo - assim desejam os governos da UE. Um governo que responda ao movimento das massas deverá romper com o imperialismo e tomar a direção de uma revolução social.


O ministro Varoufakis é um estudioso da teoria dos jogos, mas dificilmente lhe sirva tal "especialização"nestas circunstâncias, devido a que carece de uma caracterização histórica adequada dos interesses de classe em disputa. O voto a favor do NÃO que impulsionamos desde a esquerda revolucionária tem que ver com uma perspectiva de conjunto e não se deixa capturar pelas miragens e as ilusões na democracia formal. Não estamos votando a favor do texto que propõe o governo, mas sim a favor da ruptura com os Estados imperialistas da Europa.

O referendo é uma saída em falso que inventou o Syriza, com seus aliados da direita clerical, quando comprovou que o pedido de aprovação dos pacotes da troika no parlamento a levaria a uma divisão: a esquerda da Coalizão Radical haveria votado contra, a direita a favor e, por fora da aliança oficialista, o acordo haveria contado com o apoio dos partidos da burguesia pró-ajuste. Syriza não assumiu a responsabilidade que lhe deu o mandato popular de rechaçar o ajuste, porque teria quebrado sua aliança com a direita clerical. Arrisca, deste modo, a possibilidade de uma vitória do SIM, sob a urgência do fechamento dos bancos e a vacilação do governo, que segue tentando acordos com a troika depois de convocado o referendo. Um voto a favor do pacote no parlamento haveria levado a coalizão com os partidários do ajuste (que assim o anunciaram) e a novas eleições. O risco de uma fragmentação de Syriza era elevado. O referendo funciona como uma arbitragem entre os partidos em disputa e perfila a possibilidade de um governo "suprapartidário" muito fraco.

As forças em questão tratam a situação como uma crise de dívida pública, sem perguntarem-se como se chegou a esta crise de dívida, que por sua vez não é somente patrimônio da Grécia. As soluções na balança vão desde o ajuste, que deveria servir para atenuar o peso dela a longo prazo, ou a reestruturação dessa dívida, que, no entanto, já foi reestruturada há somente quatro anos, sem resultado. Nos nove anos de crise, a partir da insolvência do banco norte-americano Bears & Sterns, em julho de 2007 (“Não é uma terça-feira negra qualquer”), essa dívida cresceu de maneira desproporcional, isto porque os Estados assumiram o resgate dos bancos e o capital privado. É que a crise da dívida não tem que ver especialmente com as finanças públicas, mas sim com o capital em seu conjunto. Apesar de todos os planos de ajuste que se
implantaram, o desendividamento (desalavancagem) do chamado setor privado apenas tem avançado. O endividamento internacional de numerosos países serviu para que os especuladores pudessem enfrentar sua crise de superprodução por meio de vendas altamente financiadas. Mas esses mesmos especuladores terão que incrementar sua dívida para poderem emprestar e para financiar seu capital de giro no mercado interno.

A imensidade da crise de superprodução mundial é exemplificada por alguns dados: a Reserva Federal é o principal credor do Tesouro norte-americano (4,5 trilhões de dólares), no entanto os bancos desse país têm depositado na Reserva Federal cerca de 2,5 trilhões de dólares, por incapacidade para encontrar oportunidades de investimento produtivo.

O principal promotor do endividamento europeu tem sido a Alemanha, que por este motivo leva o bastião do ajuste contra a Grécia. Não se trata somente do endividamento público; a Alemanha é o credor por excelência dos bancos privados. Por isso, o empenho do Banco Central Europeu por resgatar aos bancos gregos. Estes bancos usaram o financiamento para expandir-se nos Balcãs. A imprensa internacional já está avisando que, em caso de default, o BCE confiscaria as agências bancárias da Grécia. O Fundo de Emergência criado pela Comissão Europeia para fazer frente a eventuais bancarrotas se financia com os Tesouros nacionais, mas também no mercado internacional de dívida. Isto significa que o “default” arrastaria a muitos jogadores, tanto públicos como privados. É necessário advertir que o Bundesbank tem uma volumosa carteira de créditos incobráveis contra o Banco Central da Grécia, pelos empréstimos aprovados para a indústria alemã que exporta a Grécia (operatória “Target II”), que seriam de cerca de 150 bilhões de euros. Com isto à vista existem “economistas” que negam o “contágio” grego.

É curioso que um país do tamanho da Grécia, como ocorrera antes com a Islândia, Irlanda e Chipre, manejaram dívidas públicas e privadas muito superiores à sua capacidade de pagamento, e seus bancos volumes enormes de financiamento. A dívida grega, de 200% do PIB, é 100% superior à da Argentina em 2001, e os passivos bancários chegaram três vezes e meio por cima do argentino. Esses países quase insulares funcionavam como plataformas de operações especulativas internacionais, que depois se pretendeu que pagassem somente seus cidadãos. O impasse econômico não poderia ser maior. A crise grega enfrenta um desenlace quando um gigante, a China, assiste ao começo de uma crise financeira como consequência de pirâmides especulativas gigantescas e uma capacidade excedente enorme: a siderurgia chinesa somente poderia abastecer o consumo mundial de aço.


Todos os observadores internacionais coincidem, sem exceção, que o ajuste não resolve a crise de dívida da Grécia. O FMI propõe um abatimento importante, a segunda. A Alemanha se opõe porque não quer pagar a conta: propõe uma reprogramação, o qual prova o peso das dívidas europeias (Itália, Portugal, Espanha, inclusive França) no sistema bancário alemão. Tudo isto se encontra condicionado a um severo ajuste, que, por um lado, salve os bancos da quebra e, por outro, devolva às finanças públicas capacidade para financiar a economia. Em resumo, as propostas de redução de dívida reforçam as saídas capitalistas de superexploração e empobrecimento. Nenhuma delas prevê uma saída à crise mundial tomada em seu conjunto.

A questão do salvamento dos bancos passou a ser o eixo da política da troika. Um colunista importante do Financial Time, que inclusive apoia o NÃO, porque interpreta que as propostas da troika não levam a lugar nenhum, junto a um forte abatimento da dívida grega, propõe que o BCE assuma o comando dos bancos gregos – um confisco neoliberal – de modo a depurá-la da posse de ativos do Tesouro grego (incobráveis); cortar com sua atividade de financiar ao Estado e reconstruí-la sobre novas bases. A condição de tudo isto é sempre a mesma: um forte ajuste contra os trabalhadores. Qualquer que sejam os meios financeiros postos em prática, trata-se de aproveitar a crise para impor uma supremacia férrea do capital sobre o trabalho. A Comissão Europeia estabeleceu um mecanismo de “resolução” de crises bancárias, que consiste precisamente em que passem ao controle supranacional do BCE; os bancos centrais nacionais e os bancos nacionais perderiam suas funções... nacionais.


Grande parte do debate político sobre a crise grega se encontra travado pelo que poderíamos chamar de fetichismo do euro. Dentro do euro tudo, fora do euro nada. Este enfoque ignora a natureza capitalista da crise, por um lado, e seu alcance internacional, por outro. A ruptura dos elos débeis põe em xeque, em prazos diferentes, a toda a cadeia. A fortaleza financeira alemã (agora seu calcanhar de Aquiles), foi obtida por uma redução brutal dos salários dos trabalhadores da Alemanha e uma deterioração de suas condições de vida e de trabalho. A situação social na França e Itália é muito tensa; na Espanha, o “establishment” político está sofrendo golpes rudes. O descontentamento crescente deverá eclodir, com ritmos próprios, em rebeliões populares.

Uma ruptura com o imperialismo e o capital financeiro propõe a revolução social, isto com uma perspectiva internacional e todas suas transições necessárias. O rechaço a seguir pagando as dívidas capitalistas, a nacionalização dos bancos, o monopólio do comércio exterior e uma planificação coletiva são o ponto de partida de qualquer saída popular. O retorno catastrófico ao “dracma”, ou a qualquer outra moeda nacional, é uma propaganda extorsiva: a moeda reflete os interesses e as perspectivas sociais do Estado que a emite, assim como todas as limitações (não somente monetárias) de qualquer socialismo em só país. Os mesmos observadores internacionais coincidem em colocar um prazo fixo à vigência do euro, ao que agora descobrem como uma criação artificial de Estados com interesses rivais. 

"Audace, audace et encorel'audace" É uma frase memorável de Danton, o revolucionário francês de1789/92; audácia, audácia e mais audácia. A Grécia e outras nações modernas foram levadas a uma “catástrofe humanitária”; crescem os suicídios, a fome e as mortes prematuras. É a hora da salvação dos povos, não do capital. SOCIALISMO OU BARBÁRIE!

Em 2012, os sectários, em primeiro lugar o partido comunista da Grécia, rechaçaram a palavra de ordem de “governo de esquerda” quando o povo grego deu um giro político enorme ao romper com os partidos e burocracias tradicionais. Teria significado um governo de Syriza e outros partidos reformistas, que aceleraria o processo político na Grécia. Agora, muitos desses sectários (alguns mudaram) e de novo o partido comunista heleno, chamam à abstenção no referendo, cujos termos autorizariam a Syriza e seu aliado direitista-clerical no governo, a retomar as negociações com a troika. Mas como desenvolver a experiência do povo até o final sem impulsionar a mobilização de massas contra o imperialismo que está criando o referendo?

Em nome do governo de trabalhadores e pela União Socialista da Europa, desde o Atlântico aos Urais, aderimos ao voto pelo NÃO.

                                                                                                      Jorge Altamira