JORGE
ALTAMIRA
Somente uma
fetichização da democracia eleitoral pode ignorar que nos marcos em
que se desenvolveu o segundo turno representam uma regressão
política da Argentina. Totalmente ao contrário do novo relato
dominante que pinta como histórico tudo o que vem ocorrendo. Desde a
Vitória do PRO na província de Buenos Aires, o debate presidencial
e a vitória do Cambiemos. No domingo passado teve lugar, na
realidade, uma disputa acerca das características de uma saída
capitalista à bancarrota financeira que deixou a gestão de governo
do kirchnerismo, entre dois candidatos conservadores da burguesia
local. Que o voto popular
tenha sido instrumentalizado como arbitro dessa diferença, não
altera em nada seu conteúdo reacionário. Os povos não somente
protagonizam epopeias históricas em períodos excepcionais, também
podem sucumbir ante os desafios que lhe impõem os impasses da
sociedade em que habitam.
O
Kirchnerismo designou de entrada ao macrismo como seu “inimigo
principal” com a convicção de que essa dicotomia lhe garantiria
um prolongado monopólio de poder. O tiro lhe saiu pela culatra. Não
contou com suas próprias contradições. Por isso desenvolveu com
entusiasmo uma política de “desendividamento”que, pregada como
uma expressão de autonomia nacional, serviu ao esvaziamento
financeiro da Argentina e a bancarrota atual. A dívida impagável
com os credores internacionais foi reconvertida em uma hipoteca
impagável com a Anses, o Banco Central e o Nación e até o Pami.
Agora difunde a necessidade de uma “recapitalização” e para
isso de um “reendividamento”. É óbvio que Macri e o Pro são
instrumentos mais afins para esta tarefa de “ajuste” do que
qualquer outra expressão política nacional. Após um transito pelo
massismo, os Techint, a Fiat e os bancos mudaram de frente para o
macrismo.”Após um transito pelo
massismo, os Techint, a Fiat e os bancos mudarem frontalmente sua orientação política para o
macrismo.
Marx
dizia que “O passado oprime como um peso morto o cérebro dos
vivos”. Isto talvez explique que os K tenham querido sair do
impasse econômico, tardiamente, por meio do bonapartismo, ou seja,
do governo pessoal e a tentativa de repetir o primeiro peronismo.
Somente conseguiu acentuar o sistema de camarilhas, as conspirações
entre serviços e a corrupção. Devolveu credibilidade aos falsos
profetas da democracia e do “consenso”. Aumentou a opulência com
o sistema de poder pessoal que se acentuou com o colapso econômico.
Estas contradições provocaram realinhamentos tormentosos no
eleitorado, que demonstrou com isso que era um organismo vivo e não
um algarismo numérico. Primeiro
tentou envolver o aparato macrista em Buenos Aires com uma súbita
guinada para Lousteau ( o
qual quase havia enterrado as aspirações presidenciais de Macri).
Seguiram-se semanas mudanças: caíram os barões do suburbano
(prefeitos históricos da região em torno de Buenos Aires), os K
perderam a província de Buenos Aires, o qual habilitou a futura
governabilidade para uma presidência de Cambiemos. Macri entrou como
ganhador do segundo turno, porém ao final sua esperada vitória por
goleada, transformou-se em uma vitória por pontos. A volatilidade do
eleitorado reflete a volatilidade do conjunto da situação política.
Nos dias prévios ao segundo turno, os porta vozes do macrismo deram
sinais de que estavam repensando a saída de “shock” por uma
saída “gradual”. Como explica uma edição recente do The
Economist, as chamadas economias emergentes estão na lona,
especialmente o Brasil, e em um segundo momento a China. Ainda que se
reserve alguma possibilidade para a Índia e a Argentina, descreve
uma agudização da crise mundial que opera como uma barreira para
uma saída de um ajuste nestes países. Uma transição econômica e
política indolor para a Argentina e para os trabalhadores está fora
do radar. A luta para não voltar a pagar a crise capitalista,
voltará a colocar na agenda a necessidade de uma alternativa
política autônoma dos trabalhadores.
Para a
Frente de Esquerda é significativo que o voto em branco foi
descartado por completo pelo eleitorado, como um instrumento
inadequado. Inclusive nosso próprio eleitorado não compartilharam
da proposta de que a delimitação política com os 'ajustadores' do
capital era, primeiro, uma questão de princípios, e a única forma
de propor uma perspectiva superadora dessa armadilha política. Ainda
que os fatos do presente e do futuro provarão o acerto de nossa
posição, é necessário aprofundar a ação política da Frente de
Esquerda. Essa necessidade revela toda sua importância ante o fato
de que muitos setores combativos aceitaram contribuir com o voto para
Scioli. Após o rotundo fracasso do governo, os K tentarão
converter-se em líderes da oposição ao macrismo (sem deixar por
isso de negociar para conservar privilégios e posições estatais). O
mesmo vale, com matizes diferentes, para a burocracia sindical. Desde
sua ação parlamentar, sindical e nos lugares de trabalho e estudo,
a Frente de Esquerda deve desenvolver as condições políticas para
que emerja uma nova direção política para as massas da Argentina.