JORGE
ALTAMIRA - Partido Obrero da Argentina
(traduzido e compilado da Revista En Defensa del Marxismo Nº 48)
A prostituição de mulheres não é machismo, é exploração capitalista
A organização independente das mulheres é a chave. Nenhuma penalidade contra o machismo pode substituí-la
Entre machismo e escravidão organizada para obter lucro existe uma diferença qualitativa
A prostituição de mulheres e crianças é machismo? O traficante é igual ao metalúrgico?
Os operários e inclusive numerosos socialistas são machistas, mas não negociam com a exploração sexual de mulheres
Um regime determinado de exploração social não é economicismo, é – define – a estrutura histórica de uma sociedade
Entre machismo e escravidão organizada para obter lucro existe uma diferença qualitativa
A prostituição de mulheres e crianças é machismo? O traficante é igual ao metalúrgico?
Os operários e inclusive numerosos socialistas são machistas, mas não negociam com a exploração sexual de mulheres
Um regime determinado de exploração social não é economicismo, é – define – a estrutura histórica de uma sociedade
O chamado machismo comporta uma discriminação e uma
desqualificação da mulher por parte do homem, que marcou de um modo
diferente na estrutura de cada sociedade. No caso histórico atual é
o capitalismo, ainda que diferenciado pelas peculiaridades históricas
próprias de cada nação, que podem chegar a ser enormes. Essa
discriminação tem lugar no trabalho, na vida doméstica e, mais
precisamente, na família, ela mesma um produto social que variou
enormemente no tempo e entre sociedades dentro de um mesmo tempo
histórico. É uma forma de opressão que a corrente histórica do
marxismo estabeleceu desde seu começo – ou seja, muito antes que
aparecesse a literatura sobre a questão de gênero. A posição
subalterna da mulher em relação ao homem cumpre sempre uma função
social, da qual o discurso cultural não é mais do que sua
manifestação ideológica. Por isso, a questão da opressão da
mulher é de natureza classista: serve à reprodução do sistema
dominante. A mulher não sofre essa opressão de um modo homogêneo,
nem sequer a percebe da mesma maneira: não são iguais a esposa de
Donald Trump e uma trabalhadora do Egito ou Arábia Saudita, ou uma
mulher trabalhadora negra nos EUA e em outros países, como no
Brasil. Trabalhadora, mulher e negra pode resumir uma tripla opressão
social da condição feminina.
Os trabalhadores não somente reproduzem a ideologia da
classe dominante, como a praticam socialmente, inclusive nas formas
mais grosseiras ou brutais, pelas limitações da condição da
opressão proletária e a miséria social correspondente. Ali
aonde a maioria da esquerda levanta um programa penal para a
violência da mulher e o feminicídio, o marxismo defende a aprovação
de medidas de proteção da mulher por parte do Estado, acompanhadas
pelo controle de sua execução pelas próprias mulheres, pela
organização independente da mulher e, por sobretudo, pela luta
teórica e prática contra a violência à mulher no seio da classe
trabalhadora. Quer dizer, por romper a
barreira que bloqueia a unidade política efetiva das mulheres,
jovens e homens da classe proletária. A luta contra a opressão da
mulher é uma luta de classes: se a classe trabalhadora quer
emancipar-se do machismo ou, muito melhor, da opressão de suas
companheiras de classe dentro da própria classe dos proletários.
Este é ponto de divergência entre o marxismo, por um lado, e as
correntes democratizantes, por outro lado.
Para os marxistas, o programa do socialismo e o programa
da mulher trabalhadora são um programa de emancipação geral, um
programa de emancipação humana: o proletariado não poderá
conquistar sua emancipação fora de uma emancipação universal.
Para o democratizante, meter a luta de classes na questão da mulher
é estreitá-la; o democratizante propõe uma soma programática
algébrica das reivindicações que se expressam nas outras classes
sociais, que estariam oprimidas por uma razão comum. Uma mulher da
burguesia votaria a favor de um imposto ao capital para que todas as
empresas tenham creches para as trabalhadoras? Enquanto que a mulher
operária não poderia emancipar-se sem uma mudança da condição
assalariada dos trabalhadores, nas outras classes sociais a
emancipação é concebida e projetada, se isto for possível, no
marco de uma sociedade exploradora.
A prostituição de pessoas com a finalidade de
exploração social representa uma mudança de qualidade no que se
refere à posição subalterna da mulher. Supera a cafetinagem, como
a grande produção supera a pequena. É um comércio em grande
escala com métodos de lesa humanidade. Do mesmo modo que Marx
distinguiu ao trabalho assalariado de outras formas de remuneração
do trabalho no passado, não é o mesmo o machismo que sobrevive nas
sucessivas sociedades de classe, que a exploração econômica em
massa da mulher, em que o “valor de uso” seria sexual. A
prostituição se encontra animada pela proteção internacional que
goza dos Estados – ou seja, por uma conveniência oficial – e por
uma taxa de lucro superior à média do capital. Isto já não é
machismo, que, enquanto tal, e como ocorreu com a remuneração do
trabalho, atravessou formações sociais das mais diversas na
História. Trata-se de um bandoleirismo capitalista armado contra a
mulher e as massas – porque as massas possuem filhas, mulheres,
mães, primas e amigas – algo que parece esquecerem-se. Está
associado com um grande negócio mundial, o turismo, cuja cadeia
econômica inclui o transporte, a hotelaria, o circuito gastronômico,
os prostíbulos, o comércio varejista e até a especulação
monetária. Intervém inclusive o clero. Não poderia desenvolver-se
sem a intervenção de numerosas instituições do Estado, em
primeiro lugar as repressivas. A prostituição é a manifestação
do capitalismo em sua completa decomposição, como as guerras de
extermínio do imperialismo. É uma expressão da barbárie.
Bastou esta advertência contra a exploração em escala
industrial da mulher, para que se levantassem nas redes sociais
pessoas que se indispuseram, que se sentiram molestadas pela
introdução do capital em uma questão que seria um círculo fechado
do tema de gênero – e socialmente transversal. Entre os
incomodados figuram notórios esquerdistas que se caracterizam por
sua capacidade de adaptação às pressões e inclusive às modas do
momento. Estes sujeitos não possuem o menor constrangimento em
utilizar métodos lúmpens. O ponto é que, em lugar de recorrer à
advertência sobre a dimensão da barbárie da exploração sexual
capitalista da mulher, muitas e muitos saltaram como leite fervendo
quando leram a palavra “capitalismo”. A prostituição envolve a
totalidade do sistema existente, em suas mais variadas relações,
incluído o poder do Estado. Na luta para que não morra nenhuma
mulher mais, deve figurar de forma destacada a luta contra o
capitalismo, que se nutre a exploração capitalista sexual da
mulher, e do seu Estado.
Portanto, por sobretudo, também nesta questão, que
os capitalistas paguem a conta da crise!
A revolução proletária inscreve em seu programa a
abolição de toda forma de opressão e de degradação humana, não
a liberdade para escolher a forma de sua humilhação. A denúncia de
toda forma de discriminação e de violência deve servir à luta por
acabar com o capitalismo, que é o edifício que sustenta ao
machismo, ao racismo, ao chauvinismo e a todos os flagelos sociais na
época atual.
Pôr um sinal de igual entre o machismo, a prostituição
e exploração sexual de mulheres e meninos/as por parte das máfias
capitalistas não constitui somente uma mediocridade teórica, mas
sim inclusive uma mediocridade moral. Entre os maus tratos e a
violência contra a mulher e os filhos nas relações pessoais, de
casais e, por sobretudo, na família, por um lado, e a estrutura
social e política da prostituição, que abarca ao negócio
capitalista “normal” (todos os aspectos do turismo) e às
instituições do Estado, por outro lado, existe uma diferença de
qualidade. O capital subordina às suas próprias leis as relações
da sociedade patriarcal em geral, como tem feito também com a
escravidão e as relações de servidão. As plantações escravistas
e a prostituição de negros não eram menos capitalistas, mas sim
maiores, que o próprio capitalismo industrial, porque deixavam a nu,
sem maquiagens, a lógica fundamental de extração de mais-valia. De
acordo com as estatísticas recentes, cerca de 40 milhões de pessoas
estão sujeitas à escravidão a nível mundial.
Dissimular o caráter capitalista da prostituição, sob
a expressão genérica de “machismo”, é uma operação
ideológica. Na época do capitalismo em decadência, quando a
barbárie encerra sua época “civilizatória”, esta operação é
ainda mais reacionária. A escravidão da mulher na família se
converte, sob o capitalismo, em uma dupla opressão para as
trabalhadoras. Marx observa, no capítulo metodológico dos
Gundrisse, que o capitalismo não é uma formação pura em relação
às que a precederam, mas sim que submete às suas leis a todas estas
e às adapta a seu processo de reprodução. Isto refuta a “primazia”
que o machismo teria sobre a exploração capitalista, porque afeta
somente as mulheres. É claro que Marx não conclui que se tenha que
“limpar” o capitalismo dos resíduos históricos que se
subordinaram às suas exigências, mas sim aboli-lo. A igualdade
jurídica total para a mulher não vai erradicar as condições da
opressão feminina em uma sociedade regida pelos antagonismos de
classe; uma crise capitalista pode fazer retroceder, de fato, muitas
conquistas, como já ocorre. Esquece-se do fato de que a incorporação
massiva da mulher ao trabalho nas empresas implicou, de forma
progressiva, uma redução do salário real médio dos trabalhadores
(menor para as trabalhadoras), porque agora uma família dispunha de
dois salários para atender às despesas familiares. Isto implica que
um grande avanço social foi convertido pelo capital em um fator de
extração maior de mais-valia. Quando se consideram as numerosas
formas de opressão social que existem sob o capitalismo, inclusive
de umas nações contra outras, conclui-se que estão ligadas para
desqualificar a força de trabalho humana e reduzir seu valor. Logo,
o capital esmera-se em explorar estas diferenças para acentuar o
racismo e o machismo dentro dos próprios trabalhadores.
Muitos dos que asseguram que o “machismo” está
acima do capitalismo na prostituição, em qualidade de categoria
social, promovem, sem que lhes mova um pelo, o “direito” da
mulher a prostituir-se, como ocorre com tantos esquerdistas e
centro-esquerdistas “antimachistas”, que para isso convertem a
prostituta em “trabalhadora sexual”.
A instauração do patriarcado não foi o resultado de
uma luta de gênero, mas sim da passagem do comunismo primitivo à
apropriação privada do excedente econômico. Isso mudou de forma
radical os papéis da mulher e do homem. A opressão da mulher pelo
homem leva na frente o selo da propriedade privada. O mesmo ocorre
com a família nuclear, que substitui ao sistema de clãs. A família
é uma adaptação da reprodução humana de um sistema coletivo, que
tem por centro a mulher, a outro de acumulação. Do produto para o
consumo imediato, de onde a lei suprema é a distribuição, passa-se
à produção social do excedente e à acumulação. É claro, então,
que a emancipação da mulher coloca a abolição da propriedade
privada dos meios de produção.
Desqualificar esta conclusão como “reducionismo” é,
de novo, uma operação ideológica. Reducionismo é reduzir tudo ao
patriarcado – ou seja, fazendo abstração da forma social concreta
que assume nas diferentes formações de classe antagônicas. A
crítica ao “reducionismo” que se dirige contra o marxismo
reivindica a “pluricausalidade” – ou seja, que substitui o
método científico pela especulação. “É machismo e é
capitalismo”, dizem os socialistas ecléticos. Não: o capitalismo
é a estrutura de dominação, que se serve das heranças históricas
e do núcleo familiar fechado - o complemento “doméstico” da
exploração econômica geral. O marxismo é reducionista quando se
eleva do concreto caótico ao abstrato, para chegar à mercadoria, à
lei do valor. “Reduz” a base da formação social ao trabalho
abstrato. Depois retorna do abstrato ao concreto com uma
multiplicidade de determinações, às quais dão ao conhecimento a
forma do real. Este detalhamento e a posterior reconstrução do
tecido esmiuçado é o método do marxismo. É o oposto ao ecletismo
pluricausal, do tipo “capitalismo mas ‘também’ machismo ou
machismo, mas ‘também’ capitalismo.” Este método
plurifatorial é especulativo. Os que alegam que nosso “reducionismo”
é útil às críticas feministas aos socialistas, centram todos os
seus ataques de maneira faccionalista ao marxismo.
Não compactuamos com aqueles que fazem uma frente única
e demagogia com os movimentos feministas e convertem em sujeito
histórico ao feminismo, separando-o da luta de classes. Um feminismo
socialista que não desenvolve a luta de classes é um verso. Não
faltam aqueles que dizem apoiar as reivindicações da mulher e até
fazem gestos neste sentido, mas se aborrecem quando as mulheres
ocupam e boqueiam as vias para defenderem seus direitos. Isto deixa
exposto uma questão fundamental: a ausência da luta de classes
nestes mestres ignorantes do feminismo, os quais pretendem se fazer
passar como marxistas.
O problema do “machismo” e o capitalismo se reduz a
isto? Luta cultural e denuncismo ou luta de classes? O proletariado
não necessita diluir-se em movimentos pluriclassistas para defender
direitos de todas as mulheres sem exceção, frente a qualquer
manifestação de opressão ou violência, porque os direitos que
defende o proletariado são universais - a abolição de toda a forma
de opressão. Por isso mesmo, é necessário desenvolver um forte
movimento de classe da mulher, se esse movimento quer ser
consequente. Citamos Rosa Luxemburgo, uma mulher de altíssimo nível:
“Enquanto mulher burguesa, a mulher é uma
parasita da sociedade; sua função consiste em usufruir do consumo
dos frutos da exploração. Enquanto pequeno-burguesa, é o burro de
carga da família. Enquanto proletária moderna, a mulher se
transforma em um ser humano pela primeira vez na História, posto que
a luta (proletária) é a primeira que prepara aos seres humanos para
fazer uma contribuição à cultura, à História da humanidade.”
(A mulher proletária, 1914)
Em lugar de mesclar programas e bandeiras, é necessário
delimitar com a maior clareza a posição de classe da mulher
operária e trabalhadora.
O policlassismo neste caso esforça-se para, em primeiro
lugar, minimizar o papel fundamental do capitalismo na exploração
para seus fins de patriarcado e de sua correspondente forma familiar
e, em segundo lugar, por abandonar todo programa de classe na luta
pela mobilização e organização da mulher; quer dizer, da
organização das mulheres da classe trabalhadora. Só pode
sustentar-se com um programa que opere como um mínimo denominador
comum do movimento da mulher, ou seja, o programa da mulher burguesa
– a igualdade jurídica para a condição específica da mulher.
Não diferencia os interesses das mulheres em termos de classe.
Significativamente não fala da luta contra o “machismo” no seio
da classe trabalhadora, um ponto de partida decisivo para mobilizar
ao proletariado inteiro até a revolução. Substitui a necessidade
da organização autônoma da mulher pelos apelos legislativos; está
ausente a política do controle operário em relação às
reivindicações femininas.
Estamos diante de uma corrente que, em todos os campos,
abrevia ecleticamente o que se encontra na moda no campo acadêmico.
A importância das posições políticas expostas consiste em que
traça uma delimitação de princípios acerca da luta de classes em
todos os múltiplos conflitos que possuem lugar na sociedade atual –
sejam estes nacionais, religiosos, raciais ou de gênero.
Aqueles que querem realmente acabar com a prostituição
têm que apontar o caminho da destruição do Estado burguês.