quarta-feira, 16 de agosto de 2017

O DESENVOLVIMENTO DA CRISE DO REGIME POLÍTICO, O GOVERNO TEMER E O DEBATE DA FRENTE DE ESQUERDA

                                                                               


David Lucius


A análise de todo o último período de nossa História, e consequentemente da profunda crise que estamos mergulhados, passa pela constatação de que todo o processo histórico atual está ancorado no desenvolvimento de uma crise econômica mundial do capitalismo, crise essa histórica e que afeta profundamente, não só nosso país, mas todo o continente americano de forma contundente.

Essa crise, situada numa fase de declínio do sistema capitalista, e que pode ser observada, entre outras características, tanto pela extensão cronológica de uma década de continuidade da última crise mundial, como por ser a culminação de uma série de crises que abalaram o capitalismo de forma intermitente desde a crise do petróleo de 1973 até a atualidade, deixando claro que o ciclo das crises capitalistas estão aumentando sua periodicidade e diminuindo seus intervalos, expressando com isso o declínio do sistema capitalista como etapa histórica determinada. As crises cíclicas podem ser comparadas, num processo de abstração, ao pulso vital do sistema capitalista. Sua duração e seus intervalos são um instrumento valioso para se medir a vitalidade de todo o sistema. Sem buscar a raiz de toda crise mundial que vivemos, em uma crise maior, sistêmica e histórica do capitalismo, iremos perder o norte da análise política e nos perder em conjecturas ou teorias sem fundamento. O marco para a compreensão da crise que vivenciamos em nosso país só pode ser entendida cabalmente se o considerarmos como um dos elos, com sua específica peculiaridade nacional e continental, da crise mundial do capitalismo em sua etapa de decadência senil.

As peculiaridades históricas que deixaram nosso país mais fragilizado diante da crise mundial, desde as profundas desigualdades e contradições sociais que herdamos de nosso passado colonial (parte inerente da formação do sistema mundial capitalista e de seu mercado) até a dominação imperialista, etapa mais recente, do último século e meio, apenas concentraram um processo histórico desigual e combinado, ainda não superado, uma crise profunda em que toda a sociedade está diante do dilema de uma intensa luta por seus interesses sociais, isto é, de classe, diante de uma vertiginosa crise de todo o mercado mundial, que tem sua raiz na crise histórica do modo de produção capitalista, crise essa inexorável, que afeta toda a sociedade e processo civilizatório como um todo.

É importante observar que a crise também afeta a quase totalidade de nosso continente, desde os EUA até a América do Sul, afetando Argentina, Venezuela, Brasil e demais países. Mesmo a queda de regimes políticos inteiros não consegue estabilizar a crise, pelo contrário, apenas tem potencializado seus elementos, exemplo claro disso é a Argentina de Macri e os EUA de Trump. Nosso país não está isolado nesse sentido, apenas a nossa crise tomou contornos peculiares, resultado de contradições contidas por décadas e que acabaram por vir à tona de forma repentina.

Não devemos esquecer que a América Latina, num primeiro momento conseguiu ficar à margem da crise mundial. Nos primeiros anos da crise alguns países do continente (entre eles o Brasil) conseguiram um crescimento significativo do PIB, tentando a todo custo desviar-se da rota de colisão da crise mundial, mas a economia é formada de múltiplos vasos comunicantes, junta-se a isso o acúmulo das contradições históricas e sociais represadas, colocando o nosso continente no olho do furação da crise mundial.

O Brasil sofreu um forte processo de polarização que expressou a intensidade com que a luta de classes desenvolveu-se no último período. Os interesses em pugna pelas classes sociais e pelos partidos políticos podem levar ao observador inexperiente a sensação de assistir um filme de ficção científica, mas na verdade assistimos o trágico desenvolvimento de uma enorme crise que afetou e levou ao total esgotamento um regime de colaboração de classes, liderado pelo PT durante mais de uma década e ao desenvolvimento de um golpe, golpe que foi parido das vísceras ou das entranhas do mesmo governo, no qual um setor da burguesia que compunha uma frente com o PT se utilizou do Congresso para derrubar o antigo governo, mantendo no poder os setores da burguesia que sustentaram e apoiaram toda essa manobra.

Há em nosso país, e em todo continente, uma polarização social e política, que deformadamente coloca em setores opostos, alas e partidos políticos que tem o mesmo propósito: sustentar o regime político ou manter o sistema capitalista intacto. Apesar de terem diferenças políticas e econômicas notórias, as chamadas "direita" e "esquerda" de nosso continente cumprem um papel de serem dois polos da política burguesa. A luta de classes coloca em campos opostos os interesses da burguesia e dos trabalhadores assalariados. Mas essa luta é representada de uma forma confusa e deformada, em que partidos como o PT procuram a todo custo impedir a tomada de consciência, a organização e a luta dos trabalhadores. A tomada de consciência política é para os trabalhadores um trabalho árduo, pois um setor da esquerda cumpre o papel de confundir e desorientar as massas, enquanto, ao mesmo tempo, costura acordos tácitos com a burguesia, que em última análise, sempre prejudiciais aos trabalhadores enquanto classe. A chamada esquerda classista, que representa os interesses dos trabalhadores, de um modo geral, e que não capitula aos interesses da burguesia, representa um setor que luta ainda por ganhar visibilidade, organização e ganhar a consciência política das massas. Vivemos atualmente no Brasil, e em todo continente, uma intensa disputa política e social, refletindo a crise econômica e a luta pela sobrevivência. Para entendermos os reais interesses em pugna, temos que separar a essência de sua mera aparência.

Temos claro que a política de colaboração de classes, dentro da esquerda, não é um fato novo, muito menos latino-americano, mas também podemos dizer que nos últimos 30 anos, a intensidade dessa política ganhou contornos que não existiam anteriormente. Um sinal claro e inequívoco da fragilidade e dificuldade com que a burguesia nativa tem para manter as relações sociais e o sistema capitalista intacto no continente sul-americano.

A recente crise aberta pelas denúncias da JBS mostraram os dois pesos e duas medidas que a imprensa burguesa, o regime político e, principalmente, do Congresso e do Judiciário tiveram anteriormente com o PT e agora com Temer, uma lição de teoria política comparada sobre como se posicionaram com um governo que colaborava com a burguesia (o do PT) para um governo genuinamente burguês (o governo Temer). O esgotamento da via de colaboração de um setor da esquerda com a burguesia também é um fenômeno continental, que no Brasil se expressa de forma contundente, mas que em menor ou maior grau ocorre em outros países do continente. Não pairam mais dúvidas sobre a natureza de classe do golpe. O impeachment de Dilma e o arquivamento da denúncia de Temer ficarão como fatos históricos contundentes. E aqui pudemos ver a História se repetir duas vezes, como tragédia e como farsa, para os que ainda insistem em negar o legado teórico do marxismo.

É importante frisar que parte significativa da burguesia apoiou anteriormente os governos do PT, e, com o desenvolvimento da crise foi abandonando paulatinamente o governo de colaboração para buscar a formação de um governo próprio, como não conseguiram esse feito de forma eleitoral, cerraram fileiras em torno do golpe parlamentar que culminou com o impeachment. Por isso, grande parte dos ministros e personagens que apoiavam o governo anterior, aparecem agora no governo do golpista Temer. Lógico que aliados agora dos setores que ficaram na oposição burguesa, o PSDB, o DEM e seus satélites partidários.

Coube à fração dominante da burguesia nacional, apoiada por setores significativos do imperialismo, concluir um golpe parlamentar para dar uma guinada na condução do governo e do Estado (Temer era o vice de um governo de colaboração de classes, figura central no acordo que o PT e o PMDB tinham para a condução do governo mediante um condomínio com outros partidos burgueses menores), o imediatismo do golpe e sua política de rapina contra toda a população, mais especialmente contra a classe trabalhadora ( a classe operária, os assalariados) é fruto, e ponto culminante, de toda uma política de derrotas e desmoralizações que a frente popular (conduzida pelo PT) impôs aos trabalhadores como um todo, de todas as formas a política estratégica do PT (seguida pela CUT, pela burocracia sindical e pelos movimentos sociais) sempre levou à fuga do enfrentamento (como nos casos recentes do golpe parlamentar, da luta pelo Fora Temer, e na greve geral, que mesmo tendo um amplo apoio massivo foi deixada de lado, foi abortada como método de mobilização, foi esvaziada, até se transformar num mero dia de luta, com menos significado político), os trabalhadores foram assim colocados em uma camisa de força, enquanto os dirigentes do PT ficavam livres para costurar uma vasta gama de acordos políticos com o grande capital. Grande parte das investigações do MPF (Lava-Jato) vem descortinando esses acordos, só que enquanto os políticos ligados à burguesia são frequentemente poupados, os ligados ao PT são os "bodes expiatórios", como se a prática de parasitar no Estado em prol de grandes empresas não fosse uma prática ou "modus operandi" de todo regime político, dos partidos burgueses e do grande capital há muitas décadas. O PT não inventou a roda, adaptou-se ao regime burguês, e com isso caiu na vala da política corrupta que os demais partidos burgueses já praticavam anteriormente.

Se enfrentamos um ataque sem igual por parte da burguesia, isso só foi possível com a complacência do PT, que deu moral, combatividade e unidade aos partidos burgueses e à própria burguesia enquanto classe social. Sem a aliança com a burguesia, o recente "empoderamento" da direita reacionária não teria sido possível. A atitude do PT diante das recentes Reformas de Temer (uma simples oposição parlamentar formal) mostra que continuará fechando os olhos para a dura realidade das massas. Todo o peso do aparato partidário do PT (e uma parte significativa do restante da esquerda) foi contida no último período. Nem "Fora Temer", nem Greve Geral contra as Reformas e nem mesmo uma protesto massivo no dia em que a Câmara votou a denúncia da PGR contra Michel Temer. O "acordo" tácito que a esquerda (particularmente o PT, que controla grande parte dos sindicatos e organizações sociais) costurou com o governo e com a direita, impedindo a mobilização independente das massas já anuncia as futuras derrotas que irão impor nas costas dos trabalhadores em todo próximo período.

          


O governo Temer foi engendrado de dentro de um governo de colaboração de classes, parte considerável de seus ministros foram ministros dos governos Lula e Dilma, apoiado e protagonizado pelos setores fundamentais do grande capital, visando superar a queda dos lucros dos grandes empresários com as chamadas Reformas. Esse é seu verdadeiro programa de classe, sua plataforma burguesa, essencialmente, são a Reforma Trabalhista e Previdenciária, apoiadas por um Congresso formado por empresários, latifundiários e com grande influência dos setores reacionários e religiosos. As chamadas reformas são uma agenda (ou programa) de sustentação do governo Temer junto aos partidos patronais e dos grandes empresários nacionais e internacionais, assim como do chamado "mercado" (ou o capital especulativo da Bolsa de Valores).

A burguesia sentiu-se fragilizada diante da intensidade da crise. O imediatismo, a virulência e a ousadia do golpe só demonstra o caráter falimentar e de alto endividamento do capital nacional, por isso o programa do governo Temer é "sanear" os negócios da burguesia e jogar todo o ônus para os trabalhadores e assalariados do país. O programa das reformas é o programa com que o grande capital tenta se reestruturar no país, obter grandes lucros, deixando o ônus da crise aos trabalhadores.

                                                                                 


As Reformas visam alterar profundamente o mercado de trabalho, aprofundando o submetimento do trabalhador assalariado ao capital, e ao mesmo tempo deixar o orçamento do Estado com um maior "superávit" para pagar os juros da dívida interna ao atacar diretamente a previdência pública. Ainda afetará diretamente no funcionamento dos sindicatos (que perderão a prerrogativa dos acordos coletivos, substituídos por acordos individuais), aumentará a precarização, diminuirá salários e aumentará diretamente os lucros dos bancos com a venda da previdência privada aos que antes pretendiam se aposentar pelo sistema público. Isso terá um impacto profundo nos trabalhadores e até mesmo nas classes médias. São inúmeras medidas aprovadas de uma só vez, com certeza é o maior ataque aos direitos dos trabalhadores desferido por um só governo desde o advento da República. A esquerda e os sindicatos burocratizados ladraram, rosnaram, mas ficaram de cabeça baixa ao final. Só esse fato já deixa claro a capitulação à política golpista da burguesia e do governo, o PT é o principal responsável por esse fato, primeiro por ser o principal partido da esquerda, o que tem maior poder de mobilização, aparato, apoio popular e por dirigir grande parte dos sindicatos através da CUT.

Temos que deixar claro, tanto para a esquerda e quanto aos trabalhadores, que os ataques realizados pelas Reformas de Temer são, sem sombra de dúvida, o maior ataque que um governo burguês já realizou contra a classe trabalhadora no Brasil. A Reforma Trabalhista deixa os trabalhadores a mercê de todo tipo de exploração, chegando aos limites do trabalho escravo. A esquerda e os sindicatos pouco lutaram contra essa situação, dado o peso e o aparelho que as centrais sindicais tem. No dia seguinte à Reforma Trabalhista, a condenação de Lula pelo juiz Moro foi utilizada por todos os setores da burguesia como um meio de distrair a opinião pública, de um lado, e para desmoralizar ainda mais os trabalhadores, de outro lado, já que grande parte do eleitorado de Lula são assalariados e todos sabem que ele foi um dirigente sindical no passado. O valor simbólico desse fato não foi simples coincidência. A utilização consciente desse expediente foi um conluio orquestrado pelos setores mais reacionários com o aval de parte da esquerda que preferiu lutar contra a prisão de Lula a se manifestar, clara e contundentemente, contra a Reforma Trabalhista.

O Ministro da Fazenda Henrique Meirelles (ex BankBoston, ex Presidente do BC durante o governo Lula, e ex Presidente da JBS/J&S) cumpre o papel de ser o fiador do governo atual e por incrível que pareça do próximo, pois é patente que caindo ou não o governo Temer, a equipe econômica continuará a mesma. Meirelles foi o homem "forte" da JBS/J&S, mas não há uma investigação sobre como podia ser presidente do grupo e não saber da vasta corrupção da empresa. Sua empresa de consultoria lucrou quase 200 milhões de reais antes de assumir o ministério, e não há investigações sobre "quais" interesses sua consultoria agenciava. Com certeza, o grande capital está bem representado e totalmente blindado.

O que coloca a queda de Temer muito mais no mérito das disputas internas burguesas do que de uma mudança de "rumo" desse ou do futuro governo. O certo é que caindo Temer ou não, a base de sustentação do governo seguirá essencialmente a mesma. As eleições indiretas são a garantia da continuidade do regime político.

A análise das denúncias da JBS, através do Procurador Geral, Rodrigo Janot, deve ser compreendida como uma discussão sobre a fisionomia ou a "cara" do governo, mas não sobre seu programa, seu caráter de classe ou sobre os setores que lhe dão apoio. Não estamos diante da possibilidade de queda de um governo, já que a equipe econômica, que é o coração e o cérebro do governo continuará intacta, como já foi anunciado pelo próprio Meirelles. Estamos diante da discussão sobre a deposição do presidente apenas, ou seja, seu rosto, sua fisionomia pública diante das massas. Lógico que isso afetará em alguma medida os partidos que compõem a base de apoio, mas a grosso modo não haverá grandes mudanças.

A saída ou não do PSDB (ou outros partidos) do governo Temer é apenas um recurso político de manutenção do capital político desses partidos (diante de um governo totalmente desgastado perante à população). Discutem a saída do governo, mas não sobre sair da base de apoio (ou seja da base de sustentação do governo). Discutem quais partidos farão parte do governo, mas a base de sustentação no Congresso continuará quase que inalterada. Tudo pode mudar repentinamente, mas dificilmente os setores que sustentam esse governo mudarão bruscamente a coalizão de partidos que torna possível o "controle" do Congresso e a partir dai do governo. Apesar das divergências em torno da sucessão do governo Temer, os setores principais da burguesia estão unificados, sustentando a política atual mesmo diante de possíveis reveses.

Nos bastidores da crise, que toma a forma de uma crise judicializada, ou até mesmo criminalizada (já que os crimes políticos transformaram-se no ponto de disputa), disseminou-se por todo o regime político. Há, entretanto, um claro acordo entre o PMDB de Temer, o PSDB de FHC e Aécio Neves e o PT de Lula. Esses setores consertam um acordo tácito, um Acordão, de não agressão (no último período), em que pode-se ver o STF amenizando, adiando, arquivando e até mesmo fechando os olhos para crimes notórios (já que a justiça é cega, fechar os olhos é apenas um pleonasmo), como os casos de Aécio e Rocha Loures. O acordo visa a manutenção clara do governo, uma tentativa de "estabilizar" a crise política e adiar as disputas políticas para o calendário eleitoral. Parte desse acordo será finalizado pela Reforma Política que virá em seguida às demais Reformas (para manter a estabilidade política do regime) e o comprometimento dos atores políticos principais para não anular as Reformas do governo Temer. Lula faz críticas às Reformas, mas não move um dedo no sentido de anula-las quando se coloca sobre esse tema.

O PSDB e o PT amenizam o confronto direto jogando a disputa para as eleições de 2018. Parte importante desse acordo é a manutenção (por parte do PT que ainda controla grande parte das organizações sindicais e populares) das massas em um grande imobilismo. Podemos ver que tanto a greve geral de junho, como outros tipos de mobilizações, assim como no dia da votação da denúncia por corrupção contra Temer no Congresso. As mobilizações são desviadas ou abortadas, especialidade da burocracia sindical em 20 anos de frente popular (uma frente de colaboração de classes, essencial para imobilizar os trabalhadores diante dos ataques da burguesia). A mobilização independente das massas é sempre sacrificada, o PT e a CUT preparam desse modo futuras derrotas, já que o golpe parlamentar é uma derrota que ficou no passado. As mobilizações de Fora Temer que num primeiro momento ganharam as massas e tiveram ressonância na sociedade, são agora desarticuladas, tudo para manter a disputa longe das ruas, mais exatamente em Brasília, entre o Congresso e o STF, onde os trabalhadores tenham apenas um papel decorativo, mas impedindo, de todas as formas, sua intervenção independente.

Nem mesmo a aprovação da Reforma Trabalhista, um ataque sem precedentes à classe trabalhadora (e até mesmo aos sindicatos) teve uma resposta à altura, o medo de uma mobilização contundente das massas é maior do que as derrotas que possam afetar a esquerda ou a burocracia sindical. Temos que colocar as atuais derrotas, que os trabalhadores e a maioria da população vem sofrendo, na conta das direções (especialmente o PT), que imobilizam as massas diante de um dos mais ferozes ataques da burguesia e do grande capital contra seus direitos essenciais.

O ponto nevrálgico do acordão entre PT, PSDB e PMDB é a manutenção do governo atual e a continuidade das Reformas antioperárias e antipopulares. O PT sustenta a estabilidade do regime em troca do "desgaste" político do governo diante das massas. As derrotas de hoje são trocadas pela incerteza do futuro. A futura Reforma Política dará ao regime a possibilidade de se perpetuar. Até mesmo a possibilidade de um regime semi-parlamentarista ou parlamentarista estará na pauta. E os pequenos partidos de esquerda enfrentarão uma férrea cláusula de barreira para continuar existindo. Fora o voto distrital e outras "criações" parlamentares que mudarão totalmente as chamadas "regras do jogo" da atual política burguesa.

Dentro desse quadro é que vem à tona o debate que uma parcela da esquerda começa a esboçar sobre uma Frente de Esquerda, como alternativa de poder.

Essa nova Frente, ainda sem uma fisionomia programática clara, ora começa a ser debatida como um polo de aglutinação dos setores da esquerda combativa que se opõe à política de colaboração de classes do PT (nem sempre de forma consequente) e que se colocam contrários ao golpe (nem todos!), ao governo golpista de Michel Temer (ou de seu possível sucessor), ora se coloca como uma mais uma camisa de força para conter as massas, em vez de organizar, unificar e dar um programa que responda aos interesses dos trabalhadores assalariados e setores explorados, acaba sendo um meio de perpetuar a política de colaboração de classes que o PT vem desenvolvendo nos últimos trinta anos, só que com uma nova roupagem. Sob o nome de Frente de Esquerda pode-se formar uma frente única classista, uma frente de colaboração de classes ou até mesmo uma frente centrista que cumpra um papel intermediário entre as duas primeiras.

Diante da esquerda se abrem, no momento, três vertentes básicas de frente: uma das vertentes que ganha força, e que não pode ser desprezada, pois já começa a se articular e até mesmo realizar reuniões para debater suas perspectivas, é a de um acordo oportunista do PT com a esquerda que ficou fora de seu governo (PSOL, esquerda do PT, FBSM, etc). Essa possibilidade de configuração toma como ponto de partida que a frente de colaboração de classes que o PT conduzia esgotou-se completamente, não foi o PT que superou a frente e a burguesia, mas a frente que lhe deu um golpe, com Temer à frente, e colocou o PT como o "bode expiatório" da burguesia e de setores de direita da classe média. O PT perdeu o "apoio" desses setores que ficaram com Temer e o governo. Alguns setores da "esquerda" tentam aproveitar-se dessa situação (a de que a burguesia deu as costas ao PT) configurando uma nova frente, uma frente que tenha uma fisionomia mais à "esquerda", o principal "modelo" desse tipo de frente seria a "Geringonça" portuguesa. Um governo de centro esquerda que se mantém dentro dos marcos da União Europeia. Seria uma nova frente de colaboração de classes, só que adaptada aos tempos atuais, no qual a burguesia ficou com a imagem de "golpista" diante dos trabalhadores e ao mesmo tempo rompeu com o PT e tomou outro caminho, o caminho de sustentação do governo golpista de Michel Temer.

Ou seja, programaticamente seria uma frente de colaboração de classes mas sem os principais partidos da burguesia. Com isso o PSOL e os setores da esquerda que estão no último período negociando sua entrada nesse partido, seriam fiadores da política do PT e de Lula. De outro lado dariam um roupagem de "esquerda" que o PT necessita para reconquistar a militância e as massas.

Em resumo: diante da impossibilidade de setores significativos da burguesia de compor uma frente com o PT, o PT buscaria, como plano B, pois Lula até agora critica essa via, uma frente com a "sombra de esquerda" da pequena burguesia e da própria burguesia. Algo próximo da Frente Brasil Popular de 1989. Não seria o PT que se deslocaria à esquerda, mas o PSOL e outros setores que se deslocariam à direita. Os limites desse tipo de frente estarão estampados em seu programa: o respeito à propriedade privada capitalista, ao mercado e ao grande capital. Essencialmente nada mudaria, já que se colocariam, desde o princípio, como reféns da Congresso reacionário. Algumas reuniões já foram realizadas por membros da "esquerda" do PT, setores do PSOL e movimentos sociais.

Lógico que ainda estamos diante da possibilidade de que Lula seja condenado em segunda instância e seja preso ou tenha a candidatura cassada. Isso deixaria Lula mais forte, mas inelegível, se tornaria assim um plano B para o regime político, para ser usado apenas num caso de extrema necessidade. A hipótese da prisão ou condenação de Lula transforma-lo num herói é um "perigo" para o regime político, diante disso a Reforma política deve aprovar o voto distrital e um regime parlamentar para impedir qualquer mudança brusca após as Reformas reacionárias em curso.

Um segundo caminho que temos exemplo direto no Podemos da Espanha e no Syriza da Grécia, e que longe de abrir uma perspectiva de luta para os trabalhadores, limita-se a uma esquerda parlamentar, onde longe de combater o capitalismo o que se faz é apenas dar algumas esmolas aos que estão mais desfavorecidos, uma esquerda que está distante das lutas diárias, dos sindicatos, dos movimentos sociais, que busca muito mais fazer reformas que não afetem a estrutura do prédio (ou seja o capitalismo), que não tem como papel varrer a burocracia dos sindicatos ou de romper claramente com o grande capital (nacional e internacional) e seus representantes. Querem apenas ser uma alternativa de esquerda (pequeno burguesa) para se chegar ao governo e assim conseguir algumas reformas. Seria uma proposta centrista, com o PSOL na cabeça e com o apoio de outros partidos e organizações, sem a participação do PT, um programa que respeite a propriedade privada, o capitalismo, e que faça algumas pequenas "reformas" no regime atual.

A discussão que se coloca no atual momento é: qual frente de esquerda queremos, qual frente necessitamos? Qual o caráter dessa frente? É uma frente eleitoral? Ou é uma frente que também intervirá na luta de classes (greves, movimento operário, sindicatos, movimentos populares, etc). Seria uma frente para fazer uma mera "oposição" ao regime ou para organizar as massas para lutar e colocar abaixo o atual regime político?

Não podemos deixar de colocar o exemplo da esquerda na Argentina, como um outro caminho, um caminho classista e revolucionário para a classe trabalhadora, um caminho oposto à colaboração de classes. A FIT (Frente de Esquerda e dos Trabalhadores), é um exemplo a ser seguido e estudado, formado em nosso continente, em um país vizinho, que se apresenta como uma frente única (com suas naturais diferenças internas entre cada partido), abarca todos os setores da esquerda classista e os setores militantes dos trabalhadores e da juventude. A FIT (formada pelo PO, pelo PTS e pela IS) é uma frente como expressão de uma luta consciente dos trabalhadores e de um programa que expresse essa luta. É uma frente que intervem nas eleições, mas também na luta diária dos trabalhadores, desde um 1º de Maio, até as mobilizações cotidianas dos operários, professores, movimento de mulheres, estudantes, GLBT, etc, etc. Nas greves, nas mobilizações e no cotidiano das massas está presente com um programa que defende os interesses dos trabalhadores. Utiliza as eleições para politizar e organizar as massas. É uma frente com caráter classista e que procura organizar os trabalhadores e a maioria dos setores explorados para a conquista do poder como seus verdadeiros protagonistas e não como meros coadjuvantes.

Há três caminhos que a nossa esquerda confunde como sendo sinônimos e não são, muito pelo contrário: primeiro, a frente do PT com a esquerda (PSOL, etc) no qual o PSOL se deslocaria à direita para se coligar com o PT junto a outros partidos e movimentos sociais; outro caminho é o do PSOL indo à esquerda (várias organizações devem entrar em seu seio no próximo período) e formando uma frente no estilo do Podemos espanhol ou do Syriza da Grécia (pois o PSOL está à direita deses partidos), uma frente de caráter centrista, e por fim o da esquerda formar uma frente única com um programa classista, debatido em meio às suas organizações, com forte presença na luta de classes, como faz a FIT na Argentina. Que se procure dar um programa à esquerda e aos trabalhadores para se lutar contra o capitalismo, de forma consciente, através de uma frente única. Uma frente que organize e arme os trabalhadores. São três caminhos bem distintos e que os militantes tendem a colocar e confundir com o mesmo nome. Por isso quando se debater uma frente de esquerda, em primeiro lugar deveríamos perguntar: Qual frente? Quais partidos? Qual programa? Quais objetivos queremos atingir?

Para uma frente de esquerda não ser uma palavra de ordem oportunista, uma bravata parlamentar, que tem somente o objetivo de prender as massas e os trabalhadores em uma camisa de força, aprisionando diariamente seus anseios de luta, que apenas quer polarizar para obter lucros eleitorais, deve se colocar, em primeiro lugar, como uma frente combativa, que tenha um foro democrático para debater as diferentes concepções e que tenha um programa que seja expressão desse debate. Não pode ser uma frente que almeje apenas reformas, mas tem que organizar as massas e atacar diretamente o regime capitalista e sua crise histórica. Tem que expressar em seu programa uma concepção socialista de mundo.

Uma frente de esquerda dessa natureza seria classista ao se colocar como um polo de atração dos setores organizados e chamar um Congresso dos Trabalhadores, organizada por toda essa esquerda combativa que se coloca em oposição ao regime político, ao grande capital, e às tendências de colaboração de classe, que tentam aprisionar a todo custo os trabalhadores para impedir que formem uma consciência política própria e se organizem como classe social.

Um Congresso dos Trabalhadores seria necessário no atual período para dar uma fisionomia classista à essa esquerda, um programa diante da crise aberta na atualidade, e para demonstrar que essa frente intervem no dia-a-dia das massas, não só na luta parlamentar, desse modo combateria pela evolução da consciência das massas. A delimitação política sempre é necessária na esquerda, e nesse momento é urgente. Uma crise dessa envergadura só pode ser superada pela delimitação programática com a burguesia e com os setores que defendem a conciliação e a colaboração de classes. Mas somente um Congresso dos Trabalhadores pode dar unidade a esse debate programático e colocar a organização da classe trabalhadora como ferramenta de luta para o próximo período.

Diante da gigantesca crise que passamos na atualidade, nós necessitamos que haja uma intervenção da classe social mais numerosa, a única que produz a riqueza: os trabalhadores. A fusão de uma esquerda classista com um movimento organizado dos trabalhadores pode ser logrado a partir da organização de um grande Congresso que catalize os setores organizados dos trabalhadores, da juventude, das mulheres, e dos setores explorados, sem esquecer os desempregados, que necessitam de uma perspectiva política. Tal fusão seria expressa na discussão e aprovação de um programa comum, um programa de luta, combativo e socialista que abra uma perspectiva política para os trabalhadores e para essa frente de esquerda que ainda procura uma fisionomia.

Os trabalhadores sofreram, no último período, inúmeras derrotas, em grande parte essas derrotas foram engendradas pela condução e pela direção que o PT mantém nos movimentos sociais, para romper com essa política temos que ter uma nova organização dos trabalhadores, das mulheres e da juventude, é necessário uma frente de esquerda que seja combativa, classista e socialista. Só poderemos reverter essas derrotas com organização e luta e para isso é necessário construir uma nova direção para os trabalhadores e para a esquerda. A tarefa é árdua, mas há momentos em que os caminhos fáceis só nos conduzem ao fracasso e que é necessário um grande esforço coletivo para superarmos um grande obstáculo. Ao clarificar o debate e coloca-lo sobre novas bases damos nossa contribuição política a luta que se desenvolve em nosso país.

Uma frente de esquerda que seja expressão dessa luta deve encarar essa proposta como um desafio. Somente o protagonismo dos trabalhadores pode mudar o enredo da crise histórica que estamos vivenciando. Mais do que nunca é hora de unirmos força por um Congresso Nacional da Classe Trabalhadora, é esse o caminho para a esquerda combativa no atual momento e é esse o caminho para se construir uma verdadeira frente de esquerda, que mereça esse nome, não uma frente meramente eleitoral, mas uma frente de luta, formada pelos militantes de todos os setores e categorias, essa é a luta, e esse é o desafio.

                                                                             
      

                                                     


           

quarta-feira, 9 de agosto de 2017

HÁ CEM ANOS DA REVOLUÇÃO RUSSA




 



Jorge Altamira
O Partido Obrero considera-se herdeiro da Revolução Russa, mas quando a aborda não é glorificando-a ou tendo um posicionamento de apologia à mesma, mas sim do ponto de vista crítico, que em última instância é a melhor forma de glorificá-la. Refletindo politicamente, portanto, no interior do partido e não simplesmente repetindo o que muita gente disse no passado e que deve ser superado constantemente.

 O primeiro ponto a ser assinalado é em que consiste a atualidade dessa revolução, porque descobrindo essa atualidade se produzirá um interesse. Algo que ocorreu há cem anos pode ter vigência? O que significa estarmos próximos à tomada do Palácio de Inverno, como afirmou CFK em uma ocasião de uma ocupação de fábrica na Grande Buenos Aires. Este é o ponto de partida, porque o Palácio de Inverno foi tomado há cem anos atrás. Por que a preocupação com algo que ocorreu há cem anos? Por que não se preocupar com os problemas atuais?

A própria burguesia tem consciência que nos movimentos da classe trabalhadora está presente a Revolução de Outubro; a estação final vitoriosa, emancipadora de qualquer luta de classes da juventude, da mulher, dos trabalhadores. Este é o cerne da questão.

Em primeiro lugar, a Revolução Russa é uma revolução de caráter universal em um sentido inédito na História. Não é uma revolução nacional, não é como a Revolução de Maio na Argentina, que emancipou as Províncias Unidas e eventualmente ao conjunto da América de língua espanhola, mas de raízes indígenas, do jugo espanhol.  A eclosão da Revolução Russa e a vitória em outubro provocaram na humanidade inteira a sensação, a convicção de que se iniciava o caminho da emancipação do homem pelo homem. Isso não é russo, é francês, peruano, etc. de caráter universal. Foi universal no sentido em que acabou com toda a diferenciação social e elevou a humanidade produtiva não parasitária em seu conjunto à categoria real de sujeito da História. Um fenômeno destas características sempre tem vigência. Como não vai ter vigência o começo da realização prática da emancipação do homem? Porque, em definitivo, quantos pensadores não pensaram na emancipação do homem? E nesse sentido, foram precursores, que na essência das pessoas, está a liberdade e a emancipação da exploração, mas tudo o que puderam fazer, e lhes agradecemos e reconhecemos, foi pensá-la. A Revolução de Outubro foi a ação prática concreta dessa emancipação, porque os operários e os camponeses derrotaram a burguesia, tomaram o poder e iniciaram a construção de uma nova sociedade. A utopia pensada passou a ser História em movimento.

A partir de um ponto de vista prático podemos vê-la de outra maneira. A classe operária no mundo vinha lutando pela jornada de oito horas, e por outras reivindicações, porque não havia legislação trabalhista, salvo em alguns países. Uma das primeiras medidas da Revolução de Outubro foi estabelecer a jornada de oito horas, e imediatamente a jornada de oito horas foi sendo estabelecida em quase todos os países do mundo. Quer dizer que neste exemplo prático também se vê essa universalidade, no sentido de que o ser humano, ele mesmo, adquire caráter universal, porque consagra a realização prática de aspirações comuns, e não a realização exclusiva de aspirações particulares. Então, a atualidade dessa revolução deriva-se de seu caráter histórico, quer dizer que responde a uma necessidade do próprio desenvolvimento da História, não é um acidente histórico. Não é que a História por um momento se desviou para esse lado, como ocorre, por exemplo, quando votam por alguma alternativa de direita como na Frente para a vitória na Argentina. Poderiam tê-lo votado, poderia ter ganhado, no entanto no país não altera absolutamente nada... É um acidente. A História tem acidentes. A necessidade histórica se manifesta na prática através de uma série de acidentes, como um jogador de basquetebol que arremessa dez vezes na cesta e acerta uma. São acidentes históricos, é muito importante distingui-los da incidência histórica que se manifesta subterraneamente inclusive nos acidentes, como se expressa quando ganha Macri ou quando ganhou Cristina Kichner. Eles fracassaram, quer dizer que houve um acidente. Fracassaram, não mudaram absolutamente nada, não houve transcendência. Vão figurar no rodapé da página de um livro de História secundarista.

Este tema é chave para entendermos o que se passa agora, que somos nós quem vivemos encarregados de fazer nossa própria História, como eles há cem anos se encarregaram de fazer a sua própria.  Quando comparamos com a Revolução Francesa, que foi uma necessidade histórica e foi universal, mas não como a Revolução de Outubro. Falando de coisas nossas, atuais, a Revolução Francesa impactou enormemente na América Latina. Moreno e Castellis estavam imbuídos de todas as ideias da Revolução Francesa, mas impactou também no Haiti, colônia francesa, aonde pelos ideais que eram erguidos pela revolução, os escravos das plantações de açúcar se levantaram em massa e destruíram o colonialismo e a escravidão e até mandaram um representante a Paris, dizendo: “aqui vem um negro que representa a Revolução Francesa de uma nação escrava!” Desagradou aos franceses, como prova o fato de que foi enviada uma frota por Napoleão Bonaparte, e os negros do Haiti a derrotaram e depois afundaram a frota inglesa do Império Britânico no Mar do Caribe. A Revolução Francesa teve esse caráter universal. Mas o que a distinguia da Revolução de Outubro? Que era a expressão universal de um fenômeno que seguia sendo particular. Impactou mundialmente, abriu um novo desenvolvimento histórico, mas para afirmar uma nova forma de exploração, uma nova forma de afirmação de interesses individuais, e portanto do interesse de um contra o outro, porque estabeleceu o capitalismo. A universalidade da Revolução Francesa, então, é abstrata, porque sob o lema ou a etiqueta da universalidade segue afirmando-se, muito mais que antes, o interesse individual. A Revolução de Outubro é a universalidade concreta, porque se encarrega de abolir a oposição de interesses particulares, e no marco de uma ação comum das classes trabalhadoras, elimina a exploração do homem pelo homem e abre o caminho para o desenvolvimento pleno da personalidade única que é inerente a cada pessoa. Isto é muito importante porque a universalidade é a universalidade de um mesmo, que pode relacionar-se com os demais desde o desenvolvimento de sua personalidade com relação ao desenvolvimento de outras personalidades.

A Revolução de Outubro vai dominar toda a política mundial desde 1917 até hoje de diversas maneiras. Em primeiro lugar se manifesta no fato de que depois de muitos fracassos, derrotas, burocratização, fascismo e guerra, quando na guerra o fascismo é derrotado explodem as revoluções de novo por todo o mundo. No Vietnam, China, Itália, França, Grécia, Iugoslávia ... a humanidade retoma um caminho. A Revolução de Outubro adquire uma presença definitiva porque o explorador sabe, da mesma maneira que o explorado, que se estabeleceu uma rota política para a classe trabalhadora. O operário disse: “Aonde vou nesta vida?” A Revolução de Outubro lhe apontou o caminho. O patrão ou o monopolista dizem: “O que pode me preocupar? É que a pessoa que eu exploro sabe que existe um caminho. Já suspeitava, não vinha lutar pela primeira vez em 1917, lutava constantemente, havia feito experiências audazes, por exemplo: a Comuna de Paris, importante mas durou dois meses, e agora tinha um objetivo , que o realizavam milhões de pessoas, e que não o faziam em nome de um interesse nacional. Não diziam “Rússia frente aos demais”, e a mesma Rússia não era uma Rússia, porque sob o czarismo, viviam muitas nacionalidades oprimidas, sob o império do czar, então porque chamar russa a uma revolução que deu a liberdade aos georgianos, azerbaijões, kazaquistaneses, aos finlandeses, aos ucranianos ...? Era a emancipadora de outras nações. Não ia se impor em outras nações. 

Na Ásia, a Revolução de Outubro não aboliu a sharia, a lei islâmica que submete a mulher ao homem, e isto significou um dos atos mais agudos da revolução pelo seguinte: a Rússia oprimiu esses povos sob o tacão do czarismo, e se os revolucionários abolissem seus costumes, eles diriam: “agora vem outro opressor; antes era o czar, e agora são os comunistas, são os bolcheviques.” Primeiro, tem-se que ganhar a confiança desses povos e respeitar seus costumes. Uma vez que cheguem a um entendimento de que os objetivos são comuns, explica-se que esta lei é negativa, porque oprime a mulher, e eles serão ganhos à causa da emancipação feminina, e de outras formas de atraso social. É fabuloso, no sentido de que se compreende a dinâmica da opressão. Não somente não se deve exercer a opressão, como não deve parecer que ela possa existir, e cada povo tem que se emancipar por si mesmo, e cabe a outros mostrar com exemplos, mas não com uma ordem, uma doutrina ...

Tudo o que se passa no Oriente Médio atualmente, o islamismo e os demais, demonstra que não existe uma direção política socialista que tenha uma clara compreensão de como se leva esses povos à sua efetiva emancipação, em lugar de submetê-los a uma nova opressão ou à imagem dessa opressão, porque também com a etiqueta de comunista se pode oprimir outros povos. A liberação da opressão é uma prática dessa liberação da opressão. Não quer dizer porque se alguém tem um ideal já possa ser autorizado a indicar a outros como podem se libertarem.

As revoluções burguesas tiveram um caráter universal, como a revolução francesa. Criaram um mercado mundial, o qual sob o feudalismo não existia. Isso é universal mas abstrato, porque o mercado mundial foi criado sob o interesse individual dos capitalistas da Inglaterra, França, EUA, Alemanha ...  Criava uma separação, não uma universalidade, a saber: a exploração dos operários por parte dos capitalistas. Esta é a razão profunda da atualidade da Revolução de Outubro. A importância que tem uma direção operária em um processo revolucionário, e que somente o processo é revolucionário, é autenticamente socialista se tem uma direção operária. Muitas revoluções que não tiveram uma direção operária foram igualmente socialistas até certo ponto, porque se inseriam ou pretendiam inserir-se no marco histórico da Revolução de Outubro. Por exemplo: expropriavam o capital, buscavam fazer as realizações daquela revolução, e isso é outra manifestação do impacto universal que ela teve. A revolução cubana trouxe a palavra do socialismo e sua perspectiva efetivamente na América Latina. Diferencia-se do chavismo na medida em que o chavismo é uma etiqueta. Não mudou absolutamente nada, mas revolveu autodenominar-se Socialismo do Século XXI. Por si só já é suspeito, porque quer dizer que está rechaçando o Socialismo do Século XX e a Revolução de Outubro. O socialismo do século XXI disse: “a Revolução de Outubro não é atual, temos que fazer outra coisa”. Vejam o estado em que chegou, que o próprio povo está se sublevando, uma parte sob a direção da direita, mas uma parte do povo chavista está se sublevando também, só que, tem advertido, não faz coalizão com a direita. Mas a este governo que aí está já ninguém mais o quer, salvo os que estão na Casa do Governo.

Então se produz um fenômeno extraordinário. Tudo o que vem da política mundial em geral depois da Revolução de Outubro é um gigantesco fenômeno de mediocridade política. Quando se estuda esta revolução o que se vê é que no processo que vai desde sua primeira parte, em fevereiro a outubro, a humanidade, em sete meses, desenvolve o mais alto e profundo processo político. Este é um aspecto fundamental. A nação mais atrasada, oprimida e autocrática da Europa derrota ao czar e toma medidas democráticas de gestão política, em contradição permanente até chegar a outubro, que superam toda a experiência histórica do ocidente em somente sete meses. Quer dizer que o país que vem debaixo de tudo chega acima desenvolvendo uma experiência política implacável que demonstra o esgotamento de todas as formas de democracia burguesa como saída para a Rússia. O que os ianques vão experimentar em 250 anos desde que declararam a independência, o processo político, os franceses e demais, os russos o atravessaram em sete meses. A História se comprimiu, e naturalmente o fez porque tinham a vantagem da experiência dos demais países, então podiam saber quais eram os limites de tal forma política, e estabeleceram em um processo de experiência concreta a forma mais alta, o governo dos trabalhadores, o governo dos conselhos operários. 

O capitalismo introduziu no mundo o que se chama a modernidade. Acabou com tudo o que era subjugação pessoal direta, quebrou o feudalismo, em que o senhor feudal dominava pessoalmente, e estabeleceu um sistema de dominação alienante, ou seja, que impõe um domínio sem que as pessoas se deem conta. Mas se todo mundo vota, a culpa é de quem vota mal? A culpa então não é da Odebrecht, Techint, os militares, Macri, o kirchnerismo ... é de todos nós, socializa-se a culpa. Porque nas entranhas deste regime de dominação existe uma falácia. Todos somos iguais na palavra e desiguais na prática. Então, num domingo votamos a pátria, a bandeira, etc. ... mas quem tem o controle da propriedade, dos recursos dos bancos, da moeda, da dívida externa, do estado, do orçamento, dos impostos, e condicionam tudo o que vamos fazer ... a eles ninguém elegeu. É uma classe social que exerce a sua dominação através de um sistema, que podemos chamá-lo provisoriamente invisível.

Em sete meses, a classe operária e os camponeses russos destruíram o sistema de dominação alienante. Quer dizer, não somente derrotam o czar, que é um autocrata que defende a dominação pessoal, senão que uma vez que o derrubam, na experiência de sete meses derrubam também as formas que vêm depois da dominação do czar, como ocorreu no mundo depois da revolução francesa, inglesa, estadunidense ... veio a democracia. Superam esta fase, em que todos somos iguais que é uma mentira, e estabelecem o governo verdadeiro: o governo dos trabalhadores, o governo dos que estão em uma mesma situação para o interesse comum de todos.

Esta é uma visão crítica da Revolução Russa porque queremos fazer a revolução também, não somente viver dos pergaminhos do avô. Por isso, temos que ver criticamente esse desenvolvimento. Existem dois fatores que aceleraram todos os acontecimentos. O primeiro é a guerra. Os russos não queriam mais a guerra. O czar estava os exterminando, porque os exércitos do czar eram muito fracos, e havia muita corrupção. Os russos morriam, e não queriam mais a guerra. Ao derrotar o czar e estabelecer o governo provisório que em princípio proclamava a democracia burguesa, a primeira coisa que fez o governo foi prometer que ia continuar a guerra. Necessitamos então de duzentos anos de democracia? O governo defendeu a guerra e portanto o interesse nacional particular da Rússia, que se ganhava a guerra, junto à Inglaterra, França e Estados Unidos, tinha prometido um butim de guerra. A democracia desde o debult na Rússia se entrega contra o interesse popular e a favor do interesse capitalista, e somente um partido, tão somente um, disse “paz já!” Esse partido disse que o único que pode concretizar a paz é o governo dos trabalhadores. Como fazer para que a gente governe?  Lênin disse: “expliquemos isto aos trabalhadores, que somente se eles tomarem o poder vai haver a paz, e que ninguém mais irá concedê-la”. Foi visto com desconfiança, mas em abril de 1917, frente a uma declaração do Ministro de Relações Exteriores de que iria continuar a guerra, se produz uma tremenda manifestação e cai o primeiro governo provisório.

A outra questão é que 120 milhões de camponeses queriam a terra, e todos lhes disseram: “sim, lhes daremos a terra, mas calma, não nos apressamos. Primeiro tem que existir uma Assembleia Constituinte”; e quando vai ser a Assembleia Constituinte? “contudo não tem data”. Então, os bolcheviques disseram: “está bem a Assembleia Constituinte, mas quando for convocada, já temos que ter a terra. Assim que vamos tomá-la.” Uma revolução no campo, e como no campo da Rússia haviam muitas classes sociais, esta audaz posição do partido bolchevique uniu a todas as classes sociais do campo à classe operária, sem a qual não haveriam feito a revolução. Então, a democracia burguesa, quando vem um governo mais ou menos progressista promete, mas não cumpre. O governo dos trabalhadores fala menos, mas cumpre mais. O governo direto, não a alienação donde o que parece que é, não é.

O outro motivo é que aparece um partido político que até hoje é o assombro da História, um partido político que de pronto se revela como o mais moderno de toda a História ao entender os fenômenos políticos e dizer à classe operária russa, que é muito pequena, mas muito concentrada, que a única saída é tomar o poder. Porque do contrário vai continuar a guerra, a opressão e todo este esforço vai ser um fracasso. É notável porque esse partido que vai tomar essa posição ingressa na revolução em uma situação de crise. A maioria do partido crê que tem que apoiar o governo burguês e uma minoria encabeçada por Lênin demonstra que não. Esta parte é um capítulo comovente, porque é um dos casos mais profundos de ação política, inédito, insuperável em toda a História, e por isso, a minoria pôde vencer a maioria e abrir caminho a um governo dos trabalhadores.

Toda esta introdução feita tem outra atualidade. A partir de certo momento, a Revolução Russa começou a degenerar, e entramos no stalinismo. O primeiro pronunciamento político do stalinismo é fundamental, e já estamos preparados para entender porque. Proclama que o objetivo da classe operária russa é o socialismo em só país, quer dizer, seu primeiro pronunciamento programático é “nossa revolução não é universal, mas sim particular, da Rússia, de nossos interesses e não dos interesses da totalidade da classe operária mundial.” Daí, a importância da abordagem da primeira parte a partir deste ângulo. Porque para cercear esta revolução há que privá-la do caráter universal. Uma vez que se transforma no fato particular de um país, já começam a desenvolver-se no seio desse país interesses particulares. A burocracia, a dominação por parte da Rússia dos outros Estados que havia liberado a revolução e que são submetidos à dominação da Rússia, que é mais forte e mais povoada que a Geórgia, Azerbaijão, etc. Quer dizer que começa a formar-se uma casta de interesses particulares que disse: “olhem! pode triunfar a revolução na China, mas aí nos metemos em uma guerra. Não façamos aventuras, que matem a todos os chineses, mas nós defendemos o socialismo num só país.” Exatamente ao contrário do que fez a Revolução Russa em 1917, quando explodiram as revoluções de imediato em todo o mundo e saiu em apoio, levando oradores, mandando emissários, para impulsionar a revolução a nível mundial.

De um ponto de vista particular, aos russos não lhes convinha que triunfasse a revolução na Alemanha, porque esta era uma nação industrial muito forte. A partir do ponto de vista particular, a Alemanha socialista dominaria a Rússia socialista. Então, por que Lênin queria a revolução na Alemanha? Porque lhe importavam um caralho os interesses particulares, estava pensando em derrotar ao capitalismo de fundo e estabelecer o socialismo a nível universal. Por exemplo, os EUA possuem uma universalidade que se expressa no nome do país, “Estados Unidos”. Uma certa universalidade. Da América, daqui. Nós vamos unir todos, mas os daqui. O nome que Lênin coloca ao novo Estado não possui conotações nacionais. É União das Repúblicas Socialistas Soviéticas, todo é universal. Não existem russos, nem nada. Se a Argentina quisesse incorporar-se, seria outra república socialista. Então, o primeiro ato do stalinismo é esse, e é a primeira manifestação digamos no campo da esquerda, do partido russo, da Internacional Comunista, do abandono da perspectiva mundial da Revolução de Outubro. No ano de 1943, Stálin irá dissolver a Internacional Comunista, que se chamava a si mesma Partido Mundial. “Já está, não queremos nenhum partido mundial! Imperialistas, fiquem tranquilos! Não queremos lhes foder! Vocês deixem-nos tranquilos, na Rússia, nós não lhe fodemos em nenhum lado e tudo fica fenomenal.” Naturalmente, um socialismo em um país atrasado, isolado da luta de classes da classe operária mundial, vai ficar em dificuldades, porque os países capitalistas desenvolvidos dominam o mercado mundial, dominam a tecnologia, e no final pela via da pressão econômica vão terminar derrubando o caráter socialista ou futuramente socialista desse Estado.

Depois se produz uma cisão entre os partidos stalinistas, e os partidos italiano e espanhol proclamam abertamente: “A Revolução de Outubro terminou. Nós viemos do comunismo e tudo o mais, mas sejamos modernos, já está, foi um episódio.” É a segunda manifestação, mais direitista todavia, acerca do caráter particular da revolução, e depois no trotskismo, no que em seu momento se chamou Secretariado Unificado da Quarta Internacional, estabeleceu-se que a Revolução de Outubro havia caducado, modificou-se o estatuto que dizia “lutamos por uma ditadura do proletariado”, e depois trocou-se o nome de seu principal partido, e de Liga Comunista Revolucionária passou a chamar-se Novo Partido Anticapitalista.

Então, como se pode ver, no sentido de troca de nomes, o que parecia um ritual religioso, tinha um significado político mortal. Rompemos laços! Aquilo já ocorreu. Nossa corrente política, a corrente do Partido Obrero, baseia inteiramente sua estratégia na vigência da Revolução de Outubro, cem anos depois, e uma vigência que durante seu desenvolvimento mais positivo descobriu o que é o mundo pós moderno, o mundo do governo dos trabalhadores, e com o retrocesso dessa perspectiva pela derrota da classe operária nasceu uma filosofia pós moderna que é a filosofia do individualismo, do egoísmo e do niilismo. Temos então duas variantes do pós modernismo: a Revolução de Outubro, por um lado, e esta decadência monumental do capitalismo, reacionária, que aparece como filosofia atual, e que revela a completa decomposição, no plano teórico, ideológico, da classe capitalista. Não possuem mais uma rota de ação.

Quando Adam Smith escreveu A Riqueza das Nações, disse ao capitalismo: “Esta é tua rota, vamos!” Comércio mundial, mercado mundial, livre, investimento na América Latina, financiamento, e o capitalismo mais ou menos seguiu essa rota. Agora quando se abrem os livros dos Adam Smith de hoje e dizem: “Vejam rapazes, no final vamos estar todos mortos, para que traçarmos uma rota. Vamos vendo cada dia que passa!” Não possuem uma rota. Isto é, no plano teórico, do pensamento, a expressão da completa decadência de uma sociedade. Porque a expressão de que uma sociedade não é decadente, manifesta-se em sua capacidade para oferecer uma rota a essa sociedade, e aqui, a única rota que nós temos é baixar a taxa de investimento por meio da emissão de Lebacs a 24%, algo que os quarenta e quatro milhões de argentinos não sabem nem do que se trata. Deveriam descer do automóvel e desaparecer. Mas isso não vai ocorrer nunca, senão com a ação da classe operária.

A conclusão que se deve sublinhar dessa polêmica é a seguinte: o que representa para um partido operário a Revolução de Outubro? Representa que os capitalistas e os operários sabem que a abolição da exploração do homem pelo homem se dá pela formação de um governo operário. A emancipação da mulher! Todas as leis pelas quais lutam as mulheres argentinas, todas foram aprovadas nos dois primeiros anos da Revolução de Outubro. Suas mãos não vacilaram para firmar tudo o que havia que firmar e fazer o que havia de ser feito. Isto supera tudo o que temos visto nos anos posteriores. Então voltar àquilo seria um avanço. Isto é o que se deve entender para pressentir o momento atual. Deve-se estudar a fundo a Revolução Russa. Quer dizer, a Revolução de Outubro está presente permanentemente como potência, como perspectiva, mas está havendo uma mudança, e é que a burguesia começa a preocupar-se de que provavelmente tenhamos de novo uma Revolução de Outubro. Porque o semanário The Economist, que é a bíblia da burguesia – é tão velho que era lido por Marx ... É meio surrealista citar a mesma revista que Marx disse “se vem o bolchevizaço”; e qual é o objetivo? Que a sociedade capitalista em seu conjunto tem um acontecimento parecido extraordinário com as vésperas da Revolução Russa. E se determinadas causas provocaram determinadas consequências, muito cuidado!

Sem dúvida, não existe partido como o partido bolchevique, mas esta é uma deformação, porque os únicos que sabiam que o partido bolchevique era importante eram os bolcheviques, os demais não, e os bolcheviques pertenciam à Internacional Socialista, que era muito importante, mas ao explodir a guerra cindiu-se, então deixou de ser um fator revolucionário e passou a ser um fator contrarrevolucionário, e para citar Rosa Luxemburgo: “os internacionalistas que estávamos contra a guerra, sentávamos todos em uma poltrona”. Quer dizer, a crise mundial forçou as massas à intervenção. A guerra forçou as massas a uma intervenção que estes que cabiam em um salão a tinham elaborada, com perspectivas, com certezas ... Lênin havia escrito que a guerra ia levar a uma situação revolucionária, os demais se matavam de rir. Aí tem um catastrofista, desses que sempre creem que o mundo entra em colapso. Deve-se moderá-los, não? Quer dizer, os partidos revolucionários tem que ser criados antes da revolução, mas vão se desenvolver como consequência de suas características fundamentais.

A revolução de fevereiro como já se sabe foi iniciada pelas mulheres. Todos os partidos políticos disseram às mulheres que não comemoravam o oito de março mediante uma greve geral porque isso ia ser reprimido pelo czar. Por que as mulheres queriam celebrá-lo com uma greve geral? Porque queriam protestar contra as condições do momento na Rússia. Havia longas filas para comprar pão, grande escassez, e estavam fartas da guerra. Então, a briga das mulheres foi tão intensa depois de escutar a mencheviques, bolcheviques, etc. que disseram “vamos à greve igual”, e o primeiro que fizeram, que aqui todavia não se faz, mas é o que se deve fazer, porque é a chave para que a mulher triunfe, foi ir às fábricas metalúrgicas – elas vinham das fábricas têxteis – e obrigaram os homens a que lhes acompanhassem. Tentaram refletir um pouco, mas se deixaram convencer. Isto provocou o início da greve geral e da revolução.

Por que ressaltar isto? Como interpretar a consciência das mulheres? Como interpretar a consciência dos que as acompanharam? O tema foi inspirado por um debate que vários anos depois vão fazer entre dois dirigentes políticos sobre o que é a consciência política do povo, no qual um vai sustentar uma tese, o outro não vai sustentar nada. Leon Trótsky, em seu estudo da Revolução Russa, disse que o elemento fundamental dinâmico para entender toda a revolução é que se desencadearam as forças elementares das mulheres. Por exemplo, em uma greve de motoristas em Córdoba, uma mulher fala frente à televisão. Era a líder dos motoristas. Disse: “as mulheres da Rússia, os homens atrás ... porque o sindicato dos motoristas seja liderado por uma mulher ...” Segundo, disse: “sou mãe solteira”. Quantas mulheres dizem isto? Não irão declarar que são mães solteiras. Ela sim, e está orgulhosa, e é a líder dos motoristas, militante do Partido Obrero. O mais significativo foi que dissesse que era mãe solteira e que era líder de um sindicato de homens. Depois se produz uma manifestação de mil motoristas em Buenos Aires, “as forças elementares ...”. Quer dizer, nossa classe dá o combate porque já não tem mais nada a perder, e quando alguém não tem nada a perder vai a fundo. As forças elementares que Leon Trótsky assinala em seu livro.

Um líder reformista muitos anos depois disse que a Revolução Russa é um desastre, que foi feita por uma classe operária inconsciente, bárbara e imatura, porque a formação da consciência de classe dos trabalhadores leva muitos anos, e os operários russos não puderam formar isto porque haviam vivido sob uma ditadura. Não havia comícios, sedes ... Quando passassem por tudo isso teriam a consciência para tomar o poder. A pergunta é: o que é a consciência de classe? Não se nega a importância de formar politicamente, aproveita-se o ambiente de democracia para discutir e formar a consciência de classe. Mas falar de forças elementares, a palavra elementar é confusa. Não é uma força inconsciente, é a convicção mais profunda de que esta sociedade não deixa outra saída, senão a revolução. Isso é o que se formou na Rússia. Um fato excepcional. Partindo de uma nula liberdade política, os operários atuaram contudo de forma revolucionária. Foram incentivados pela própria crise política, e já em 1912, o partido bolchevique, nas eleições nacionais que aconteceram, como agora faz Maduro, operários por um lado, burgueses por outro e demais, donde os operários tinham 5% de representação e o clero 2000%, o partido bolchevique tinha ganho folgadamente as eleições entre os operários. Portanto, era o partido operário majoritário na Rússia, através da atividade clandestina. Quer dizer, a Revolução Russa demonstrou a correção da observação de Karl Marx no Manifesto do Partido Comunista, o qual termina dizendo “trabalhadores não possuem nada a perder e sim um mundo a ganhar.” Essa é a consciência revolucionária, e não a consciência acadêmica do trabalhador que se não está a serviço de compreender que a sociedade capitalista é o fechamento de todos os caminhos, não pode modificar nada profundamente.



Tradução a partir de uma transcrição de uma palestra de Jorge Altamira realizada em Mar Del Plata publicada na Revista Polenta.
Ver vídeo: vhttps://www.youtube.com/watch?v=0ksyXmSpKds&index=2&list=PL8r7QyjDw5YtD8ILmjfY4qJUNcfVwOkNV