David
Lucius
A
análise de todo o último período de nossa História, e
consequentemente da profunda crise que estamos mergulhados, passa
pela constatação de que todo o processo histórico atual está
ancorado no desenvolvimento de uma crise econômica mundial do
capitalismo, crise essa histórica e que afeta profundamente, não só
nosso país, mas todo o continente americano de forma contundente.
Essa
crise, situada numa fase de declínio do sistema capitalista, e que pode ser observada, entre
outras características, tanto pela extensão cronológica de uma
década de continuidade da última crise mundial, como por ser a
culminação de uma série de crises que abalaram o capitalismo de
forma intermitente desde a crise do petróleo de 1973 até a
atualidade, deixando claro que o ciclo das crises capitalistas estão
aumentando sua periodicidade e diminuindo seus intervalos,
expressando com isso o declínio do sistema capitalista como etapa
histórica determinada. As crises cíclicas podem ser comparadas, num
processo de abstração, ao pulso vital do sistema capitalista. Sua
duração e seus intervalos são um instrumento valioso para se medir
a vitalidade de todo o sistema. Sem buscar a raiz de toda crise
mundial que vivemos, em uma crise maior, sistêmica e histórica do
capitalismo, iremos perder o norte da análise política e nos perder
em conjecturas ou teorias sem fundamento. O marco para a compreensão
da crise que vivenciamos em nosso país só pode ser entendida
cabalmente se o considerarmos como um dos elos, com sua específica
peculiaridade nacional e continental, da crise mundial do capitalismo
em sua etapa de decadência senil.
As
peculiaridades históricas que deixaram nosso país mais fragilizado
diante da crise mundial, desde as profundas desigualdades e
contradições sociais que herdamos de nosso passado colonial (parte
inerente da formação do sistema mundial capitalista e de seu
mercado) até a dominação imperialista, etapa mais recente, do
último século e meio, apenas concentraram um processo histórico
desigual e combinado, ainda não superado, uma crise profunda em que
toda a sociedade está diante do dilema de uma intensa luta por seus
interesses sociais, isto é, de classe, diante de uma vertiginosa
crise de todo o mercado mundial, que tem sua raiz na crise histórica
do modo de produção capitalista, crise essa inexorável, que afeta
toda a sociedade e processo civilizatório como um todo.
É
importante observar que a crise também afeta a quase totalidade de
nosso continente, desde os EUA até a América do Sul, afetando
Argentina, Venezuela, Brasil e demais países. Mesmo a queda de
regimes políticos inteiros não consegue estabilizar a crise, pelo
contrário, apenas tem potencializado seus elementos, exemplo claro
disso é a Argentina de Macri e os EUA de Trump. Nosso país não
está isolado nesse sentido, apenas a nossa crise tomou contornos
peculiares, resultado de contradições contidas por décadas e que
acabaram por vir à tona de forma repentina.
Não
devemos esquecer que a América Latina, num primeiro momento
conseguiu ficar à margem da crise mundial. Nos primeiros anos da
crise alguns países do continente (entre eles o Brasil) conseguiram
um crescimento significativo do PIB, tentando a todo custo desviar-se
da rota de colisão da crise mundial, mas a economia é formada de
múltiplos vasos comunicantes, junta-se a isso o acúmulo das
contradições históricas e sociais represadas, colocando o nosso
continente no olho do furação da crise mundial.
O
Brasil sofreu um forte processo de polarização que expressou a
intensidade com que a luta de classes desenvolveu-se no último
período. Os interesses em pugna pelas classes sociais e pelos
partidos políticos podem levar ao observador inexperiente a sensação
de assistir um filme de ficção científica, mas na verdade
assistimos o trágico desenvolvimento de uma enorme crise que afetou
e levou ao total esgotamento um regime de colaboração de classes,
liderado pelo PT durante mais de uma década e ao desenvolvimento de
um golpe, golpe que foi parido das vísceras ou das entranhas do
mesmo governo, no qual um setor da burguesia que compunha uma frente
com o PT se utilizou do Congresso para derrubar o antigo governo,
mantendo no poder os setores da burguesia que sustentaram e apoiaram
toda essa manobra.
Há
em nosso país, e em todo continente, uma polarização social e
política, que deformadamente coloca em setores opostos, alas e
partidos políticos que tem o mesmo propósito: sustentar o regime
político ou manter o sistema capitalista intacto. Apesar de terem
diferenças políticas e econômicas notórias, as chamadas "direita"
e "esquerda" de nosso continente cumprem um papel de serem
dois polos da política burguesa. A luta de classes coloca em campos
opostos os interesses da burguesia e dos trabalhadores assalariados.
Mas essa luta é representada de uma forma confusa e deformada, em
que partidos como o PT procuram a todo custo impedir a tomada de
consciência, a organização e a luta dos trabalhadores. A tomada de
consciência política é para os trabalhadores um trabalho árduo,
pois um setor da esquerda cumpre o papel de confundir e desorientar
as massas, enquanto, ao mesmo tempo, costura acordos tácitos com a
burguesia, que em última análise, sempre prejudiciais aos
trabalhadores enquanto classe. A chamada esquerda classista, que
representa os interesses dos trabalhadores, de um modo geral, e que
não capitula aos interesses da burguesia, representa um setor que
luta ainda por ganhar visibilidade, organização e ganhar a
consciência política das massas. Vivemos atualmente no Brasil, e em
todo continente, uma intensa disputa política e social, refletindo a
crise econômica e a luta pela sobrevivência. Para entendermos os
reais interesses em pugna, temos que separar a essência de sua mera
aparência.
Temos
claro que a política de colaboração de classes, dentro da
esquerda, não é um fato novo, muito menos latino-americano, mas
também podemos dizer que nos últimos 30 anos, a intensidade dessa
política ganhou contornos que não existiam anteriormente. Um sinal
claro e inequívoco da fragilidade e dificuldade com que a burguesia
nativa tem para manter as relações sociais e o sistema capitalista
intacto no continente sul-americano.
A
recente crise aberta pelas denúncias da JBS mostraram os dois pesos
e duas medidas que a imprensa burguesa, o regime político e,
principalmente, do Congresso e do Judiciário tiveram anteriormente
com o PT e agora com Temer, uma lição de teoria política comparada
sobre como se posicionaram com um governo que colaborava com a
burguesia (o do PT) para um governo genuinamente burguês (o governo
Temer). O esgotamento da via de colaboração de um setor da esquerda
com a burguesia também é um fenômeno continental, que no Brasil se
expressa de forma contundente, mas que em menor ou maior grau ocorre
em outros países do continente. Não pairam mais dúvidas sobre a
natureza de classe do golpe. O impeachment de Dilma e o arquivamento
da denúncia de Temer ficarão como fatos históricos contundentes. E
aqui pudemos ver a História se repetir duas vezes, como tragédia e
como farsa, para os que ainda insistem em negar o legado teórico do
marxismo.
É
importante frisar que parte significativa da burguesia apoiou
anteriormente os governos do PT, e, com o desenvolvimento da crise
foi abandonando paulatinamente o governo de colaboração para buscar
a formação de um governo próprio, como não conseguiram esse feito
de forma eleitoral, cerraram fileiras em torno do golpe parlamentar
que culminou com o impeachment. Por isso, grande parte dos ministros
e personagens que apoiavam o governo anterior, aparecem agora no
governo do golpista Temer. Lógico que aliados agora dos setores que
ficaram na oposição burguesa, o PSDB, o DEM e seus satélites
partidários.
Coube
à fração dominante da burguesia nacional, apoiada por setores
significativos do imperialismo, concluir um golpe parlamentar para
dar uma guinada na condução do governo e do Estado (Temer era o
vice de um governo de colaboração de classes, figura central no
acordo que o PT e o PMDB tinham para a condução do governo mediante
um condomínio com outros partidos burgueses menores), o imediatismo
do golpe e sua política de rapina contra toda a população, mais
especialmente contra a classe trabalhadora ( a classe operária, os
assalariados) é fruto, e ponto culminante, de toda uma política de
derrotas e desmoralizações que a frente popular (conduzida pelo PT)
impôs aos trabalhadores como um todo, de todas as formas a política
estratégica do PT (seguida pela CUT, pela burocracia sindical e
pelos movimentos sociais) sempre levou à fuga do enfrentamento (como
nos casos recentes do golpe parlamentar, da luta pelo Fora Temer, e
na greve geral, que mesmo tendo um amplo apoio massivo foi deixada de
lado, foi abortada como método de mobilização, foi esvaziada, até
se transformar num mero dia de luta, com menos significado político),
os trabalhadores foram assim colocados em uma camisa de força,
enquanto os dirigentes do PT ficavam livres para costurar uma vasta
gama de acordos políticos com o grande capital. Grande parte das
investigações do MPF (Lava-Jato) vem descortinando esses acordos,
só que enquanto os políticos ligados à burguesia são
frequentemente poupados, os ligados ao PT são os "bodes
expiatórios", como se a prática de parasitar no Estado em prol
de grandes empresas não fosse uma prática ou "modus operandi"
de todo regime político, dos partidos burgueses e do grande capital
há muitas décadas. O PT não inventou a roda, adaptou-se ao regime
burguês, e com isso caiu na vala da política corrupta que os demais
partidos burgueses já praticavam anteriormente.
Se
enfrentamos um ataque sem igual por parte da burguesia, isso só foi
possível com a complacência do PT, que deu moral, combatividade e
unidade aos partidos burgueses e à própria burguesia enquanto
classe social. Sem a aliança com a burguesia, o recente
"empoderamento" da direita reacionária não teria sido
possível. A atitude do PT diante das recentes Reformas de Temer (uma
simples oposição parlamentar formal) mostra que continuará
fechando os olhos para a dura realidade das massas. Todo o peso do
aparato partidário do PT (e uma parte significativa do restante da
esquerda) foi contida no último período. Nem "Fora Temer",
nem Greve Geral contra as Reformas e nem mesmo uma protesto massivo
no dia em que a Câmara votou a denúncia da PGR contra Michel Temer.
O "acordo" tácito que a esquerda (particularmente o PT,
que controla grande parte dos sindicatos e organizações sociais)
costurou com o governo e com a direita, impedindo a mobilização
independente das massas já anuncia as futuras derrotas que irão
impor nas costas dos trabalhadores em todo próximo período.
O
governo Temer foi engendrado de dentro de um governo de colaboração
de classes, parte considerável de seus ministros foram ministros dos
governos Lula e Dilma, apoiado e protagonizado pelos setores
fundamentais do grande capital, visando superar a queda dos lucros
dos grandes empresários com as chamadas Reformas. Esse é seu
verdadeiro programa de classe, sua plataforma burguesa,
essencialmente, são a Reforma Trabalhista e Previdenciária,
apoiadas por um Congresso formado por empresários, latifundiários e
com grande influência dos setores reacionários e religiosos. As
chamadas reformas são uma agenda (ou programa) de sustentação do
governo Temer junto aos partidos patronais e dos grandes empresários
nacionais e internacionais, assim como do chamado "mercado"
(ou o capital especulativo da Bolsa de Valores).
A
burguesia sentiu-se fragilizada diante da intensidade da crise. O
imediatismo, a virulência e a ousadia do golpe só demonstra o
caráter falimentar e de alto endividamento do capital nacional, por
isso o programa do governo Temer é "sanear" os negócios
da burguesia e jogar todo o ônus para os trabalhadores e
assalariados do país. O programa das reformas é o programa com que
o grande capital tenta se reestruturar no país, obter grandes
lucros, deixando o ônus da crise aos trabalhadores.
As
Reformas visam alterar profundamente o mercado de trabalho,
aprofundando o submetimento do trabalhador assalariado ao capital, e
ao mesmo tempo deixar o orçamento do Estado com um maior "superávit"
para pagar os juros da dívida interna ao atacar diretamente a
previdência pública. Ainda afetará diretamente no funcionamento
dos sindicatos (que perderão a prerrogativa dos acordos coletivos,
substituídos por acordos individuais), aumentará a precarização,
diminuirá salários e aumentará diretamente os lucros dos bancos
com a venda da previdência privada aos que antes pretendiam se
aposentar pelo sistema público. Isso terá um impacto profundo nos
trabalhadores e até mesmo nas classes médias. São inúmeras
medidas aprovadas de uma só vez, com certeza é o maior ataque aos
direitos dos trabalhadores desferido por um só governo desde o
advento da República. A esquerda e os sindicatos burocratizados
ladraram, rosnaram, mas ficaram de cabeça baixa ao final. Só esse
fato já deixa claro a capitulação à política golpista da
burguesia e do governo, o PT é o principal responsável por esse
fato, primeiro por ser o principal partido da esquerda, o que tem
maior poder de mobilização, aparato, apoio popular e por dirigir
grande parte dos sindicatos através da CUT.
Temos
que deixar claro, tanto para a esquerda e quanto aos trabalhadores,
que os ataques realizados pelas Reformas de Temer são, sem sombra de
dúvida, o maior ataque que um governo burguês já realizou contra a
classe trabalhadora no Brasil. A Reforma Trabalhista deixa os
trabalhadores a mercê de todo tipo de exploração, chegando aos
limites do trabalho escravo. A esquerda e os sindicatos pouco lutaram
contra essa situação, dado o peso e o aparelho que as centrais
sindicais tem. No dia seguinte à Reforma Trabalhista, a condenação
de Lula pelo juiz Moro foi utilizada por todos os setores da
burguesia como um meio de distrair a opinião pública, de um lado, e
para desmoralizar ainda mais os trabalhadores, de outro lado, já que
grande parte do eleitorado de Lula são assalariados e todos sabem
que ele foi um dirigente sindical no passado. O valor simbólico
desse fato não foi simples coincidência. A utilização consciente
desse expediente foi um conluio orquestrado pelos setores mais
reacionários com o aval de parte da esquerda que preferiu lutar
contra a prisão de Lula a se manifestar, clara e contundentemente,
contra a Reforma Trabalhista.
O
Ministro da Fazenda Henrique Meirelles (ex BankBoston, ex Presidente
do BC durante o governo Lula, e ex Presidente da JBS/J&S) cumpre
o papel de ser o fiador do governo atual e por incrível que pareça
do próximo, pois é patente que caindo ou não o governo Temer, a
equipe econômica continuará a mesma. Meirelles foi o homem "forte"
da JBS/J&S, mas não há uma investigação sobre como podia ser
presidente do grupo e não saber da vasta corrupção da empresa. Sua
empresa de consultoria lucrou quase 200 milhões de reais antes de
assumir o ministério, e não há investigações sobre "quais"
interesses sua consultoria agenciava. Com certeza, o grande capital
está bem representado e totalmente blindado.
O
que coloca a queda de Temer muito mais no mérito das disputas
internas burguesas do que de uma mudança de "rumo" desse
ou do futuro governo. O certo é que caindo Temer ou não, a base de
sustentação do governo seguirá essencialmente a mesma. As eleições
indiretas são a garantia da continuidade do regime político.
A
análise das denúncias da JBS, através do Procurador Geral, Rodrigo
Janot, deve ser compreendida como uma discussão sobre a fisionomia
ou a "cara" do governo, mas não sobre seu programa, seu
caráter de classe ou sobre os setores que lhe dão apoio. Não
estamos diante da possibilidade de queda de um governo, já que a
equipe econômica, que é o coração e o cérebro do governo
continuará intacta, como já foi anunciado pelo próprio Meirelles.
Estamos diante da discussão sobre a deposição do presidente
apenas, ou seja, seu rosto, sua fisionomia pública diante das
massas. Lógico que isso afetará em alguma medida os partidos que
compõem a base de apoio, mas a grosso modo não haverá grandes
mudanças.
A
saída ou não do PSDB (ou outros partidos) do governo Temer é
apenas um recurso político de manutenção do capital político
desses partidos (diante de um governo totalmente desgastado perante à
população). Discutem a saída do governo, mas não sobre sair da
base de apoio (ou seja da base de sustentação do governo). Discutem
quais partidos farão parte do governo, mas a base de sustentação
no Congresso continuará quase que inalterada. Tudo pode mudar
repentinamente, mas dificilmente os setores que sustentam esse
governo mudarão bruscamente a coalizão de partidos que torna
possível o "controle" do Congresso e a partir dai do
governo. Apesar das divergências em torno da sucessão do governo
Temer, os setores principais da burguesia estão unificados,
sustentando a política atual mesmo diante de possíveis reveses.
Nos
bastidores da crise, que toma a forma de uma crise judicializada, ou
até mesmo criminalizada (já que os crimes políticos
transformaram-se no ponto de disputa), disseminou-se por todo o
regime político. Há, entretanto, um claro acordo entre o PMDB de
Temer, o PSDB de FHC e Aécio Neves e o PT de Lula. Esses setores
consertam um acordo tácito, um Acordão, de não agressão (no
último período), em que pode-se ver o STF amenizando, adiando,
arquivando e até mesmo fechando os olhos para crimes notórios (já
que a justiça é cega, fechar os olhos é apenas um pleonasmo), como
os casos de Aécio e Rocha Loures. O acordo visa a manutenção clara
do governo, uma tentativa de "estabilizar" a crise política
e adiar as disputas políticas para o calendário eleitoral. Parte
desse acordo será finalizado pela Reforma Política que virá em
seguida às demais Reformas (para manter a estabilidade política do
regime) e o comprometimento dos atores políticos principais para não
anular as Reformas do governo Temer. Lula faz críticas às Reformas,
mas não move um dedo no sentido de anula-las quando se coloca sobre
esse tema.
O
PSDB e o PT amenizam o confronto direto jogando a disputa para as
eleições de 2018. Parte importante desse acordo é a manutenção
(por parte do PT que ainda controla grande parte das organizações
sindicais e populares) das massas em um grande imobilismo. Podemos
ver que tanto a greve geral de junho, como outros tipos de
mobilizações, assim como no dia da votação da denúncia por
corrupção contra Temer no Congresso. As mobilizações são
desviadas ou abortadas, especialidade da burocracia sindical em 20
anos de frente popular (uma frente de colaboração de classes,
essencial para imobilizar os trabalhadores diante dos ataques da
burguesia). A mobilização independente das massas é sempre
sacrificada, o PT e a CUT preparam desse modo futuras derrotas, já
que o golpe parlamentar é uma derrota que ficou no passado. As
mobilizações de Fora Temer que num primeiro momento ganharam as
massas e tiveram ressonância na sociedade, são agora
desarticuladas, tudo para manter a disputa longe das ruas, mais
exatamente em Brasília, entre o Congresso e o STF, onde os
trabalhadores tenham apenas um papel decorativo, mas impedindo, de
todas as formas, sua intervenção independente.
Nem
mesmo a aprovação da Reforma Trabalhista, um ataque sem precedentes
à classe trabalhadora (e até mesmo aos sindicatos) teve uma
resposta à altura, o medo de uma mobilização contundente das
massas é maior do que as derrotas que possam afetar a esquerda ou a
burocracia sindical. Temos que colocar as atuais derrotas, que os
trabalhadores e a maioria da população vem sofrendo, na conta das
direções (especialmente o PT), que imobilizam as massas diante de
um dos mais ferozes ataques da burguesia e do grande capital contra
seus direitos essenciais.
O
ponto nevrálgico do acordão entre PT, PSDB e PMDB é a manutenção
do governo atual e a continuidade das Reformas antioperárias e
antipopulares. O PT sustenta a estabilidade do regime em troca do
"desgaste" político do governo diante das massas. As
derrotas de hoje são trocadas pela incerteza do futuro. A futura
Reforma Política dará ao regime a possibilidade de se perpetuar.
Até mesmo a possibilidade de um regime semi-parlamentarista ou
parlamentarista estará na pauta. E os pequenos partidos de esquerda
enfrentarão uma férrea cláusula de barreira para continuar
existindo. Fora o voto distrital e outras "criações"
parlamentares que mudarão totalmente as chamadas "regras do
jogo" da atual política burguesa.
Dentro
desse quadro é que vem à tona o debate que uma parcela da esquerda
começa a esboçar sobre uma Frente de Esquerda, como alternativa de
poder.
Essa
nova Frente, ainda sem uma fisionomia programática clara, ora começa
a ser debatida como um polo de aglutinação dos setores da esquerda
combativa que se opõe à política de colaboração de classes do PT
(nem sempre de forma consequente) e que se colocam contrários ao
golpe (nem todos!), ao governo golpista de Michel Temer (ou de seu
possível sucessor), ora se coloca como uma mais uma camisa de força
para conter as massas, em vez de organizar, unificar e dar um
programa que responda aos interesses dos trabalhadores assalariados e
setores explorados, acaba sendo um meio de perpetuar a política de
colaboração de classes que o PT vem desenvolvendo nos últimos
trinta anos, só que com uma nova roupagem. Sob o nome de Frente de
Esquerda pode-se formar uma frente única classista, uma frente de
colaboração de classes ou até mesmo uma frente centrista que
cumpra um papel intermediário entre as duas primeiras.
Diante
da esquerda se abrem, no momento, três vertentes básicas de frente:
uma das vertentes que ganha força, e que não pode ser desprezada,
pois já começa a se articular e até mesmo realizar reuniões para
debater suas perspectivas, é a de um acordo oportunista do PT com a
esquerda que ficou fora de seu governo (PSOL, esquerda do PT, FBSM,
etc). Essa possibilidade de configuração toma como ponto de partida
que a frente de colaboração de classes que o PT conduzia esgotou-se
completamente, não foi o PT que superou a frente e a burguesia, mas
a frente que lhe deu um golpe, com Temer à frente, e colocou o PT
como o "bode expiatório" da burguesia e de setores de
direita da classe média. O PT perdeu o "apoio" desses
setores que ficaram com Temer e o governo. Alguns setores da
"esquerda" tentam aproveitar-se dessa situação (a de que
a burguesia deu as costas ao PT) configurando uma nova frente, uma
frente que tenha uma fisionomia mais à "esquerda", o
principal "modelo" desse tipo de frente seria a
"Geringonça" portuguesa. Um governo de centro esquerda que
se mantém dentro dos marcos da União Europeia. Seria uma nova
frente de colaboração de classes, só que adaptada aos tempos
atuais, no qual a burguesia ficou com a imagem de "golpista"
diante dos trabalhadores e ao mesmo tempo rompeu com o PT e tomou
outro caminho, o caminho de sustentação do governo golpista de
Michel Temer.
Ou
seja, programaticamente seria uma frente de colaboração de classes
mas sem os principais partidos da burguesia. Com isso o PSOL e os
setores da esquerda que estão no último período negociando sua
entrada nesse partido, seriam fiadores da política do PT e de Lula.
De outro lado dariam um roupagem de "esquerda" que o PT
necessita para reconquistar a militância e as massas.
Em
resumo: diante da impossibilidade de setores significativos da
burguesia de compor uma frente com o PT, o PT buscaria, como plano B,
pois Lula até agora critica essa via, uma frente com a "sombra
de esquerda" da pequena burguesia e da própria burguesia. Algo
próximo da Frente Brasil Popular de 1989. Não seria o PT que se
deslocaria à esquerda, mas o PSOL e outros setores que se
deslocariam à direita. Os limites desse tipo de frente estarão
estampados em seu programa: o respeito à propriedade privada
capitalista, ao mercado e ao grande capital. Essencialmente nada
mudaria, já que se colocariam, desde o princípio, como reféns da
Congresso reacionário. Algumas reuniões já foram realizadas por
membros da "esquerda" do PT, setores do PSOL e movimentos
sociais.
Lógico
que ainda estamos diante da possibilidade de que Lula seja condenado
em segunda instância e seja preso ou tenha a candidatura cassada.
Isso deixaria Lula mais forte, mas inelegível, se tornaria assim um
plano B para o regime político, para ser usado apenas num caso de
extrema necessidade. A hipótese da prisão ou condenação de Lula
transforma-lo num herói é um "perigo" para o regime
político, diante disso a Reforma política deve aprovar o voto
distrital e um regime parlamentar para impedir qualquer mudança
brusca após as Reformas reacionárias em curso.
Um
segundo caminho que temos exemplo direto no Podemos da Espanha e no
Syriza da Grécia, e que longe de abrir uma perspectiva de luta para
os trabalhadores, limita-se a uma esquerda parlamentar, onde longe de
combater o capitalismo o que se faz é apenas dar algumas esmolas aos
que estão mais desfavorecidos, uma esquerda que está distante das
lutas diárias, dos sindicatos, dos movimentos sociais, que busca
muito mais fazer reformas que não afetem a estrutura do prédio (ou
seja o capitalismo), que não tem como papel varrer a burocracia dos
sindicatos ou de romper claramente com o grande capital (nacional e
internacional) e seus representantes. Querem apenas ser uma
alternativa de esquerda (pequeno burguesa) para se chegar ao governo
e assim conseguir algumas reformas. Seria uma proposta centrista, com
o PSOL na cabeça e com o apoio de outros partidos e organizações,
sem a participação do PT, um programa que respeite a propriedade
privada, o capitalismo, e que faça algumas pequenas "reformas"
no regime atual.
A
discussão que se coloca no atual momento é: qual frente de esquerda
queremos, qual frente necessitamos? Qual o caráter dessa frente? É
uma frente eleitoral? Ou é uma frente que também intervirá na luta
de classes (greves, movimento operário, sindicatos, movimentos
populares, etc). Seria uma frente para fazer uma mera "oposição"
ao regime ou para organizar as massas para lutar e colocar abaixo o
atual regime político?
Não
podemos deixar de colocar o exemplo da esquerda na Argentina, como um
outro caminho, um caminho classista e revolucionário para a classe
trabalhadora, um caminho oposto à colaboração de classes. A FIT
(Frente de Esquerda e dos Trabalhadores), é um exemplo a ser seguido
e estudado, formado em nosso continente, em um país vizinho, que se
apresenta como uma frente única (com suas naturais diferenças
internas entre cada partido), abarca todos os setores da esquerda
classista e os setores militantes dos trabalhadores e da juventude. A
FIT (formada pelo PO, pelo PTS e pela IS) é uma frente como
expressão de uma luta consciente dos trabalhadores e de um programa
que expresse essa luta. É uma frente que intervem nas eleições,
mas também na luta diária dos trabalhadores, desde um 1º de Maio,
até as mobilizações cotidianas dos operários, professores,
movimento de mulheres, estudantes, GLBT, etc, etc. Nas greves, nas
mobilizações e no cotidiano das massas está presente com um
programa que defende os interesses dos trabalhadores. Utiliza as
eleições para politizar e organizar as massas. É uma frente com
caráter classista e que procura organizar os trabalhadores e a
maioria dos setores explorados para a conquista do poder como seus
verdadeiros protagonistas e não como meros coadjuvantes.
Há
três caminhos que a nossa esquerda confunde como sendo sinônimos e
não são, muito pelo contrário: primeiro, a frente do PT com a
esquerda (PSOL, etc) no qual o PSOL se deslocaria à direita para se
coligar com o PT junto a outros partidos e movimentos sociais; outro
caminho é o do PSOL indo à esquerda (várias organizações devem
entrar em seu seio no próximo período) e formando uma frente no
estilo do Podemos espanhol ou do Syriza da Grécia (pois o PSOL está
à direita deses partidos), uma frente de caráter centrista, e por
fim o da esquerda formar uma frente única com um programa classista,
debatido em meio às suas organizações, com forte presença na luta
de classes, como faz a FIT na Argentina. Que se procure dar um
programa à esquerda e aos trabalhadores para se lutar contra o
capitalismo, de forma consciente, através de uma frente única. Uma
frente que organize e arme os trabalhadores. São três caminhos bem
distintos e que os militantes tendem a colocar e confundir com o
mesmo nome. Por isso quando se debater uma frente de esquerda, em
primeiro lugar deveríamos perguntar: Qual frente? Quais partidos?
Qual programa? Quais objetivos queremos atingir?
Para
uma frente de esquerda não ser uma palavra de ordem oportunista, uma
bravata parlamentar, que tem somente o objetivo de prender as massas
e os trabalhadores em uma camisa de força, aprisionando diariamente
seus anseios de luta, que apenas quer polarizar para obter lucros
eleitorais, deve se colocar, em primeiro lugar, como uma frente
combativa, que tenha um foro democrático para debater as diferentes
concepções e que tenha um programa que seja expressão desse
debate. Não pode ser uma frente que almeje apenas reformas, mas tem
que organizar as massas e atacar diretamente o regime capitalista e
sua crise histórica. Tem que expressar em seu programa uma concepção
socialista de mundo.
Uma
frente de esquerda dessa natureza seria classista ao se colocar como
um polo de atração dos setores organizados e chamar um Congresso
dos Trabalhadores, organizada por toda essa esquerda combativa que se
coloca em oposição ao regime político, ao grande capital, e às
tendências de colaboração de classe, que tentam aprisionar a todo
custo os trabalhadores para impedir que formem uma consciência
política própria e se organizem como classe social.
Um
Congresso dos Trabalhadores seria necessário no atual período para
dar uma fisionomia classista à essa esquerda, um programa diante da
crise aberta na atualidade, e para demonstrar que essa frente
intervem no dia-a-dia das massas, não só na luta parlamentar, desse
modo combateria pela evolução da consciência das massas. A
delimitação política sempre é necessária na esquerda, e nesse
momento é urgente. Uma crise dessa envergadura só pode ser superada
pela delimitação programática com a burguesia e com os setores que
defendem a conciliação e a colaboração de classes. Mas somente um
Congresso dos Trabalhadores pode dar unidade a esse debate
programático e colocar a organização da classe trabalhadora como
ferramenta de luta para o próximo período.
Diante
da gigantesca crise que passamos na atualidade, nós necessitamos que
haja uma intervenção da classe social mais numerosa, a única que
produz a riqueza: os trabalhadores. A fusão de uma esquerda
classista com um movimento organizado dos trabalhadores pode ser
logrado a partir da organização de um grande Congresso que catalize
os setores organizados dos trabalhadores, da juventude, das mulheres,
e dos setores explorados, sem esquecer os desempregados, que
necessitam de uma perspectiva política. Tal fusão seria expressa na
discussão e aprovação de um programa comum, um programa de luta,
combativo e socialista que abra uma perspectiva política para os
trabalhadores e para essa frente de esquerda que ainda procura uma
fisionomia.
Os
trabalhadores sofreram, no último período, inúmeras derrotas, em
grande parte essas derrotas foram engendradas pela condução e pela
direção que o PT mantém nos movimentos sociais, para romper com
essa política temos que ter uma nova organização dos
trabalhadores, das mulheres e da juventude, é necessário uma frente
de esquerda que seja combativa, classista e socialista. Só poderemos
reverter essas derrotas com organização e luta e para isso é
necessário construir uma nova direção para os trabalhadores e para
a esquerda. A tarefa é árdua, mas há momentos em que os caminhos
fáceis só nos conduzem ao fracasso e que é necessário um grande
esforço coletivo para superarmos um grande obstáculo. Ao clarificar
o debate e coloca-lo sobre novas bases damos nossa contribuição
política a luta que se desenvolve em nosso país.
Uma
frente de esquerda que seja expressão dessa luta deve encarar essa
proposta como um desafio. Somente o protagonismo dos trabalhadores
pode mudar o enredo da crise histórica que estamos vivenciando. Mais
do que nunca é hora de unirmos força por um Congresso Nacional da
Classe Trabalhadora, é esse o caminho para a esquerda combativa no
atual momento e é esse o caminho para se construir uma verdadeira
frente de esquerda, que mereça esse nome, não uma frente meramente
eleitoral, mas uma frente de luta, formada pelos militantes de todos
os setores e categorias, essa é a luta, e esse é o desafio.