quinta-feira, 30 de novembro de 2017

PELO SALÁRIO E OS DIREITOS TRABALHISTAS

VIVA A LUTA DOS TRABALHADORES DO SUPERMERCADO MUNDIAL

Hernán Gurian (Rio de Janeiro)

100% ou GREVE:
Trabalhador rejeita contraproposta do Mundial


Na Assembleia dos Funcionários do Mundial realizada nesta segunda-feira (27/11) na sede do Sindicato dos Comerciários do Rio, os trabalhadores disseram não à contraproposta do supermercado e mantiveram o estado de greve. As negociações serão retomadas pelo Sindicato. Caso até a próxima segunda-feira (4/12) a empresa não inclua na proposta a volta do adicional de 100% nos feriados, dentre outros pontos da pauta de reivindicações, a GREVE terá início no primeiro minuto da terça (5/12).
“Não nos contentamos com pouco. A empresa acena com a volta dos 100% aos domingos, mas faz chantagem e diz que só vai dar se abrirmos mão do feriado. Só que a gente não aceita trabalhar sem receber. É 100% ou greve, sem nenhum direito a menos”, dispara S.M., funcionário do Mundial da Siqueira Campos, em Copacabana. Sua fala retrata o ânimo da grande maioria dos trabalhadores da rede, que às centenas na Assembleia aprovaram por unanimidade paralisar todas as 18 lojas caso o supermercado não ceda em relação aos feriados.
“Os funcionários do Mundial foram os primeiros a sentir as mudanças nas leis trabalhistas. São também os primeiros a resistir. Não estarão sozinhos. Já recebemos manifestações de apoio de comerciários e outros trabalhadores de todas as partes do Brasil. Quando tivermos a confirmação do resultado da Assembleia, vamos retomar na mesma hora a conversa com a empresa. Esperamos que eles devolvam o feriado. Caso contrário, essa greve poderá ser o início de uma grande reação da classe trabalhadora às reformas do governo golpista”, avalia o presidente do Sindicato, Márcio Mayer.
O que o Mundial disse aceitar até agora:
Manter o adicional de 100% aos domingos. Novos funcionários receberiam 50%;
Regularizar e dar transparência ao espelho de ponto;
Alterar a qualificação dos atendentes como operadores de caixa;
Acabar com a substituição das operadoras de caixa por empacotadoras;
Homologar no Sindicato as demissões de funcionários;
Reintegrar trabalhadores demitidos em retaliação a sua participação nos protestos.

O que a empresa rejeitou:
Pagamento do adicional de 100% sobre as horas trabalhadas nos feriados;
Pagamento de Participação nos Lucros e Resultados (PLR);
Plano de Cargos e Salários.


ASSEMBLEIA DOS TRABALHADORES DO MUNDIAL
Segunda-feira, dia 4/12, às 8h30 e às 17h30
Sindicato dos Comerciários do Rio (R. André Cavalcanti, 33 – Lapa)

segunda-feira, 27 de novembro de 2017

TESES DA CONFERÊNCIA LATINO-AMERICANA

CONVOCADA PELO PO DA ARGENTINA E O PT DO URUGUAI
 Nos dias 15, 16 e 17 de julho de 2016 ocorreu em Montevidéu a Conferência da América Latina da esquerda e do movimento operário, convocada pelo Partido dos Trabalhadores (PT) do Uruguai e pelo Partido Obrero (PO) da Argentina. Mais de 300 companheiros participaram nas três jornadas. Estiverem presentes delegações do POR do Chile, Tribuna Classista do Brasil, Opción Obrera da Venezuela, companheiros do Paraguai, do Partido Obrero da Argentina e, evidentemente, militantes e  simpatizantes uruguaios.
Segue abaixo o texto completo que foi aprovado como resultado de um profundo debate na plenária final, que se caracteriza como um documento programático para a ação revolucionária em toda a América Latina.
                                                                   




1. O aspecto político mais relevante que enfrenta a esquerda da América Latina é o colapso dos governos nacionalistas ou de centro-esquerda, do chavismo na Venezuela até o petismo, o Kirchnerismo e o 'luguismo' no Brasil, Argentina e Paraguai, respectivamente. Dentro desta tendência aparecem no radar a “Frente Cidadã”, no Equador, o indianismo na Bolívia e a Frente Ampla no Uruguai. Outro aspecto crucial é o destino da Revolução Cubana.


A situação política em que se encontra a esquerda na nova etapa está determinada, em grande medida, por sua política durante a experiência nacionalista. Por isso, para lidar com o novo período é necessário um balanço rigoroso da ação política na fase anterior. O conjunto das forças políticas presentes, sejam burguesas e principalmente a esquerda, não entram nesta etapa como um papel em branco, que estaria aberto abstratamente a todas as possibilidades oferecidas pelo novo período. Pelo contrário, estão condicionadas pelos seus programas e por suas políticas precedentes e até pelos compromissos amarrados na fase que agora está se esgotando.


Nacionalismo burguês

2. O colapso das experiências nacionalistas em questão é, antes de mais nada, um resultado político concreto da bancarrota mundial capitalista, que assumiu um caráter de conjunto da crise bancária-hipotecária de meados de 2007. É uma consequência política objetiva do colapso capitalista. Em graus diferentes, a bancarrota capitalista tem afetado a todos os regimes do mundo inteiro, desde, por exemplo, as revoluções árabes até o recente referendo sobre a separação da Grã-Bretanha da União Europeia. Na América Latina, é evidente de Porto Rico e Cuba até a Colômbia. É retomada com toda força a atualidade da questão da independência nacional de Porto Rico. É necessária a análise materialista deste colapso político. 
Empurrado para o poder político por bancarrotas econômicas extraordinárias, desde o início da década de 1990, o nacionalismo de conteúdo burguês esgota-se agora como resultado do aumento e aprofundamento daquelas bancarrotas. O chavismo e o nacionalismo militar venezuelano emergiram do ajuste criminoso do governo da Ação Democrática, em 1989, e do caracaço; o kirchnerismo, uma metamorfose do menemismo como consequência do argentinaço; o longo processo de desenvolvimento do PT culmina no governo de Frente Popular, em 2003, após a bancarrota brasileira que se sucedeu à crise asiática, o colapso financeiro da Rússia e explosão, de alcance sistêmico, do fundo LCTM dos Estados Unidos. Os ascensos de Evo Morales e Rafael Correa, nesse mesmo período, 2000/4, foram o resultado retardatário e distorcido de grandes insurreições das massas, detonadas pelas crises das privatizações anteriores.
Como resposta defensiva à crise mundial, o nacionalismo burguês encontra seus limites intransponíveis nesta mesma crise mundial e no declínio histórico do capitalismo.
3. O processo nacionalista burguês das últimas duas décadas caracteriza-se, além disso, por uma proposta de desenvolvimento capitalista fortemente parasitário. Nos meandros da crise mundial, a América Latina assistiu a dois ciclos de grandes aumentos dos preços internacionais das matérias-primas. Foram descritos como o fim da tendência à deterioração dos resultados negativos do intercambio comercial. Os superávits comerciais causados por estes aumentos deram origem, por sua vez, a um novo ciclo do endividamento internacional (público e privado), promovido pelo apoio oferecido pelo crescimento das reservas internacionais. O pagamento da dívida externa herdada foi feito com a emissão de dívida interna e o esvaziamento dessas reservas. A abundância de liquidez foi aplicada à expansão sem precedentes do crédito ao consumo, a taxas de juros excepcionais ou subsidiadas pelo Estado. 
Desenvolveu-se, dessa forma, um populismo “bancário”, que engordou os benefícios financeiros em detrimento de uma hipoteca crescente das famílias. Foi uma versão latino-americana dos créditos "subprime", que detonaram a crise nos Estados Unidos. Os chamados planos sociais, em muitos casos financiados pelo Banco Mundial, embelezados pelo 'conto' do fomento do consumo, esconderam a falta de criação de emprego e a quase nenhuma industrialização, e agora estão ameaçados por enormes déficits fiscais (que eles obedecem, é claro, a outras razões, em primeiro lugar o pagamento de juros usurários da dívida pública e o financiamento público subsidiado para os capitalistas). O mito da criação de uma classe média se derrete agora à vista de todos como a neve às vésperas do verão.
Longe de ter se esquivado da bancarrota capitalista mundial, a gestão política nacionalista (às vezes chamada de progressista) operou para converter a nações da América Latina em um despejo de lixo do capital financeiro internacional - que encontrou nessas gestões o mercado para seus excedentes de produção, rentabilidade dos investimentos financeiros e a recuperação de seus créditos incobráveis. As empreiteiras de obras públicas 'nacionais' tiveram uma expansão sem precedentes no Brasil (claro!), na América Central, Venezuela, Cuba, Peru e Argentina, acompanhadas de um elevado endividamento internacional e um festival de superfaturamentos. 
O colapso das experiências nacionalistas vem acompanhado pelas falências das empresas estatais e privadas (da Odebrecht e o complexo em volta da Petrobras até as Telecom ou a siderurgia no Brasil, ou a YPF e sistema energético na Argentina e PDVSA; déficits fiscais extraordinários e, finalmente, o default de fato da dívida externa, que só é honrada com novas dívidas de taxas onerosas e a venda de ativos industriais).
4. As experiências nacionalistas das duas décadas recentes estão muito aquém das realizações das que a precederam – como o primeiro peronismo, o varguismo, o nacionalismo boliviano desde a guerra do Chaco ou o velazquismo equatoriano. Rafael Correa segue empenhado ainda em conciliar a proposta nacionalista com a dolarização e a autonomia econômica com o rentismo petroleiro. Para isso contraiu, da mesma maneira que a Venezuela, uma dívida impagável com a República Chinesa, contra a garantia da entrega do petróleo. Ao “eterno retorno” do nacionalismo aplica-se aquela frase de Marx em relação à repetição da História. O sujeito histórico do nacionalismo – a burguesia nacional -, que, além disso, se faz por movimentos pequeno burgueses, militares ou inclusive de “trabalhadores” (PT), é mais impotente que nunca para encarar uma iniciativa nacional autônoma, no marco da decadência do capitalismo mundial. As segundas versões não foram, então, melhores; o nacionalismo é uma proposta historicamente em retrocesso, inclusive quando assume posições nacionais progressivas de caráter parcial. O chavismo destacou-se como uma tentativa de ir mais longe que os que lhes precederam, os desacreditados da Ação Democrática, e a distribuição corrupta do aparato do estado pelo Pacto do Ponto Fixo (acordo político firmado em 31 de outubro de 1958, entre os três grandes partidos venezuelanos - a ão Democrática (AD) e a União Republicana Democrática (URD), de centro-esquerda, e o social-cristão Comitê de Organização Eleitoral Independente (Copei) (cristianismo de direita) -, para assegurar estabilidade ao país, após a derrocada da ditadura de Marcos Perez Gimenez alguns meses antes das eleições de dezembro do mesmo ano. Seus efeitos se fizeram sentir até o início dos anos 90). 
O socialismo do século XXI
5. O esforço do chavismo por fundamentar sua experiência em termos bolivarianos (unidade continental) ficou sem destino - até mesmo as iniciativas do gasoduto do Sul ou do banco do sul. Estas propostas não foram levadas em conta quando se aprovou a entrada da Venezuela no MERCOSUL, ou quando se criou o Unasul (um veículo de exportação das empreiteiras brasileiras e da Embraer), ou menos ainda na ocasião da criação do Banco de Desenvolvimento proposto pela China. A questão bolivariana foi reduzida a uma invocação nacionalista romântica, com a finalidade reacionária de realçar as forças armadas. Foi usada como um instrumento de propaganda política contra o colombiano Uribe, que foi designado como um descendente direto do general Santander - que dividiu a então Grã - Colômbia. 
Por outro lado, ignora-se o conteúdo contra-revolucionário que contém o rótulo do socialismo do século XXI - inventado, além disso, não por Chavez, mas por um acadêmico diletante, Heinz Dietrich, que já faz tempo deu marcha à ré e passou a alardear a conciliação com os esquálidos. Dietrich não foi o único conselheiro que conseguiu a atenção superficial de Chávez; outros lhe aconselharam a promover a criação da V Internacional, que não teve a menor importância. A etiqueta do século XXI é uma réplica de negativa, não já para a Revolução Bolchevique de 1917, mas à Revolução Cubana, o estágio mais elevado que atingiu a revolução latino-americana. A Revolução Cubana (século XX) começou com uma abordagem democrática e chegou à expropriação massiva do capital estrangeiro e nacional. Os simpatizantes mais politizados do chavismo ignoram o significado estratégico do recuo programático e estratégico que está contido nesta preferência pelo século XXI. 
A atualidade da revolução socialista emana do ingresso do capitalismo na época do seu declínio ou decadência histórica, da época em que o desenvolvimento das forças produtivas assume um caráter cada vez mais parasitário e destrutivo, quando a contradição delas com as relações de produção e as estruturas estatais e nacionais torna-se mais violenta. O rótulo de Século XXI, que não é usado somente para banalização ao socialismo, mas é invocado para troco de nada, não passa de recurso publicitário ou de marketing político.
O ponto de partida desta decolagem política que, iniciou de fato, o movimento Sandinista, que, ao contrário da Revolução Cubana, atolou a revolução vitoriosa de papel mais importante das massas na História da América Latina (uma guerra civil de massas que deixou 50 mil mortos em poucos meses), através de uma política de conciliação com a burguesia democrática... Fê-lo em total acordo com a antiga burocracia da URSS e o castrismo, que por essa época já tinha abandonado o foquismo e buscava essa mesma conciliação com as burguesias latino-americanas e os EUA. Anos mais tarde, o movimento Sandinista voltou ao governo como um gendarme da ordem capitalista, comandado por Daniel Ortega. O socialismo do século XXI postula uma mudança social nos marcos do capitalismo, sem revolução, ou seja, sem a destruição do aparato de estado existente e sem governo de trabalhadores (ditadura do proletariado). A roupagem militar e o apoio popular não convertem ao chavismo em socialismo de qualquer tipo, mas em um 'replay' da demagogia socialista que tem caracterizado todos os movimentos nacionalistas no mundo. Isso tem sido assim desde o declínio da Revolução Francesa e, em particular, de Napoleón III e Bismarck - os 'populistas' por excelência (caracterizados por promover a maior acumulação de capital no século XIX).
Nacionalizações
6. Aonde mais se observa o declínio do nacionalismo de conteúdo burguês é no campo das nacionalizações. Em geral, a nacionalização parcial do capital estrangeiro obedece ao propósito de promover o desenvolvimento das forças produtivas que a burguesia nacional é incapaz de fazer por causa da pressão do capital financeiro internacional. Neste sentido, as nacionalizações procuram melhorar o campo de exploração social da burguesia nacional e oferecer uma base mais sólida para o Estado capitalista. No momento oportuno, estas nacionalizações podem reverter-se em privatizações em benefício dessa mesma burguesia nativa na medida em que está se desenvolvendo em forma suficiente para isso. As nacionalizações mais avançadas do nacionalismo latino-americano foram a do petróleo mexicano por Lázaro Cárdenas; a da United Fruit, na Guatemala; a mineração na Revolução Boliviana de 1952 e a do petróleo em 1970; e as do petróleo e as fazendas da Costa pelo governo militar peruano. A esquerda insiste em confundir as nacionalizações burguesas com a expropriação do capital que tem como sujeito o proletariado e o governo dos trabalhadores. A expropriação sem indenização do capital por parte da Revolução Cubana constituiu uma transição histórica entre as nacionalizações burguesas mais avançadas e as nacionalizações que fazem os governos dos trabalhadores que emergem das revoluções proletárias. O conteúdo histórico delas está condicionado pelo curso posterior da luta de classes, nacional e internacional. A esquerda é responsável pela abertura de uma discussão deste processo, com base em uma investigação, ao invés de substituí-lo com simples etiquetas.
Em numerosos casos, as nacionalizações burguesas operam como um resgate do capital estrangeiro cobrado das finanças públicas. Esta renúncia fiscal conspira contra o posterior desenvolvimento das forças produtivas proposto pela nacionalização. Os casos mais conhecidos são o executado pelo primeiro Peronismo em relação ao capital britânico que precisava bater em retirada. O caso das ferrovias é paradigmático, porque eles enfatizaram uma deterioração que já faz quase um século. Para atingir seus fins, o imperialismo britânico bloqueou os créditos da Argentina depositados em Londres. O mesmo pode ser dito da nacionalização do petróleo da Venezuela, na década de 70, que serviu para financiar uma especulação imobiliária enorme e ainda maior corrupção. 
Num contexto diferente, o governo de Chavez fez o mesmo com a nacionalização das telecomunicações (Verizon) e siderurgia (Sidor), às custas das enormes receitas de petróleo. Em um caso às compensou por um preço elevado da Bolsa (que se estabelece, especulativamente, pela rentabilidade esperada, em vez do valor dos ativos), ou seja, com um prêmio sobre o capital. A nacionalização beneficiou a Verizon em outro aspecto, porque, em seguida, sua cotação caiu em forma acentuada como resultado da crise financeira internacional. Em outro, Sidor, o Estado assumiu todas as dívidas ocultas (passivo trabalhista) do Grupo Techint, que resultou em uma enorme indenização. A nacionalização deste tipo constitui uma transferência de renda dos trabalhadores para os capitalistas estrangeiros, através da renúncia fiscal. Representam uma descapitalização e, portanto, uma hipoteca para o desenvolvimento das forças produtivas. O colapso das empresas nacionalizadas, na Venezuela, tem levado a um declínio nas expectativas estatizantes na consciência das massas, que se utiliza a direita para promover o retorno do programa privatizador. 
A nacionalização de 51% do capital da Repsol-YPF, por Kirchner, se fez às custas de uma substancial indenização por uma empresa que tinha esgotado as reservas de petróleo e gás. O 'conto' nacionalizador escondeu uma reprivatização do petróleo na Argentina, pois a YPF se converteu numa empresa mista que cotiza nas bolsas internacionais. O conto 'nacional e popular' do Kirchnerismo é, também, particularmente 'curioso', porque seu principal esforço foi direcionado para preservar, com subsídios, para eles, as empresas privatizadas do Menemismo. O resultado tem sido, em geral, um grande esvaziamento produtivo e industrial na área de energia. Na onda da demagogia estatizante, a Frente de Esquerda, na Argentina, desenvolveu uma forte denúncia contra a reprivatização do petróleo, que foi então confirmada pela associação secreta da YPF com a americana Chevron.
O manifesto político apresentado pelo Partido Obrero à FIT para a campanha eleitoral de 2013, focou-se em uma crítica marxista das nacionalizações capitalistas, suas contradições e limitações.
Outra questão que deve ser discutida é a nacionalização do petróleo na Bolívia, que está mal contada. Consiste de uma grande mudança na tributação do capital internacional de petróleo, que tirou as finanças públicas do déficit crônico. O indigenismo oficial conseguiu, por esta via, desviar a reivindicação da nacionalização total que fez a insurreição de outubro de 2003. A mesma coisa aconteceu com a questão agrária, culminando em um compromisso com a burguesia sojeira de Santa Cruz e do leste da Bolívia, materializada em uma nova Carta Constitucional. O compromisso com as companhias de petróleo foi possível devido ao enorme aumento dos preços internacionais dos combustíveis. Numerosos agrupamentos de esquerda e sociais que apoiam a FIT na Argentina, apoiam o indigenismo pequeno burguês do Alti-plano sem definir uma posição programática sobre este pseudo nacionalismo de conteúdo capitalista. A doutrina estratégica do indigenismo boliviano é o desenvolvimento do "Capitalismo andino" (tinha sido batizado de "Socialismo Andino"), definido como uma aliança entre o capital estrangeiro, o Estado boliviano e o pré-capitalismo agrário. A proposta comete a gafe 'teórica' de apontar o Estado como uma categoria social e de classe, ao lado de outras classes, ou seja, que não está acima das classes, porque é uma superestrutura política, refletindo e protegendo, como tal, a estrutura social dominante (é o “marxismo do século XXI"). Durante o período recente, a Bolívia tornou-se um negócio próspero das empreiteiras brasileiras incluídas na “lava-jato”.
Brasil
7. As limitações colossais deste nacionalismo explicam, por um lado, o escasso desenvolvimento das forças produtivas na década e meia passada, assim como o impacto que causou a bancarrota capitalista mundial, nos dois episódios principais – a queda de preços internacionais e a fuga de capitais de 2009 e, com mais severidade, a atual. O sempre esgrimido crescimento do PIB não capta esse desenvolvimento. O desenvolvimento das forças produtivas é medido pela qualidade do investimento reprodutivo, a aplicação de tecnologia, o nível de capacidade da força de trabalho, o desenvolvimento da educação, da saúde, o progresso habitacional e a infraestrutura urbana. Uma centralização produtiva dos recursos econômicos existentes deveria operar como uma alavanca industrializadora potente.
O governo PT/PMDB do Brasil tentou converter a Petrobrás, companhia mista majoritariamente estatal, nesta alavanca industrial: mediante o investimento da maior parte dos lucros; o monopólio operacional das associações com o capital estrangeiro; um importante trabalho de tecnologia; e o desenvolvimento de um entorno de serviços tecnológicos, de prestadores de serviços e empreiteiras nacionais sem proceder a nacionalizações, desenvolveu até certo ponto um nacionalismo burguês e da grande burguesia. Utilizou as contribuições operárias nos fundos de pensões e impulsionou a arrecadação fiscal ao banco público de desenvolvimento – BNDES, com essa mesma finalidade. Tentou, inclusive, impulsionar a criação de uma burguesia petroleira nacional, através do apoio ao aventureiro Eike Batista. O colapso fenomenal desta tentativa estabelece uma conclusão sucinta, porque terminou na quebra de todos os setores envolvidos, golpe de Estado, que partiu de dentro do próprio oficialismo, e na venda acelerada de ativos industriais e na revogação das principais limitações impostas ao capital estrangeiro. A queda vertical dos preços internacionais do petróleo, as pressões provocadas por um elevado endividamento internacional, a desvalorização do capital cotizante e, não menos importante, a difusão da enorme corrupção de toda esta trama política e econômica (por parte dos setores interessados em derrubá-lo), tudo isto está metendo o Brasil em uma crise de maior alcance que a dos anos trinta. O ataque ao movimento operário é devastador.
8. A esquerda brasileira, frente à crise de conjunto do capitalismo, depara-se com a obrigação de desenvolver um programa operário e socialista, ou seja, um governo de trabalhadores, a nacionalização sem pagamento dos bancos e dos monopólios petroleiros e de toda a empresa que feche, a escala móvel de salários e horas de trabalho, a abertura dos livros de todos os monopólios capitalistas, o controle operário e a convocação de um plano de ação com toda a esquerda e setores combativos da América Latina.
Ocorre, no entanto, o contrário: propõe a fórmula da democracia, ou seja, sem transição revolucionária, nem governo dos trabalhadores. Quando ainda nem se encerrou a etapa do golpe de Estado que destituiu Dilma Roussef (longe disso, o governo golpista reúne uma base parlamentar precária), a agenda dominante na esquerda brasileira são as eleições municipais de outubro próximo e a possibilidade de consagrar prefeita de São Paulo a uma candidata patronal, Luiza Erundina, que já governou esta cidade em termos puramente capitalistas. Erundina é uma ex-petista, oriunda da ala clerical, ministra do governo de Itamar Franco e até há pouco membro do partido de direita, PSB, e apoiadora do candidato Eduardo Campos, que morreu em um acidente na campanha eleitoral do ano passado. A candidata foi lançada pelo PSOL, uma frente de esquerda e das comunidades de base que romperam com o PT há mais de uma década. O grupo ligado ao PTS na Argentina pediu seu ingresso no PSOL. No entanto, em sua terra natal, sua casa central, reivindica a independência política da classe operária e a hostilidade às candidaturas patronais. Esta duplicidade entre o principismo e o oportunismo, é característica de todas as correntes centristas. O PSOL, em contraste com a FIT da Argentina, que chamou o voto em branco contra Scioli e Macri na Argentina, apoiou no segundo turno eleitoral das eleições passadas a candidatura de Dilma Roussef.
Em oposição ao julgamento político de Dilma Roussef, o PT e grande parte da esquerda tem se refugiado na reivindicação de um plebiscito que autorize a antecipação das eleições para a presidência (que deveria ter lugar em 2018), o qual deve ser votado pelo mesmo parlamento golpista e de ladrões. A proposta conta até certo ponto, com a simpatia de uma parte da imprensa golpista, que visualiza a impossibilidade de um ajuste a fundo da economia sem um governo eleito desvinculado dos políticos burgueses submetidos aos processos judiciais contra a corrupção. No Brasil existe uma desintegração expressa da burguesia contratista (empreiteiras) e o desenvolvimento de uma reconfiguração capitalista acompanhada por quebras, resgates e concentração de capitais. A proposta de eleições presidenciais ou gerais de parte da esquerda, não faz referência à derrubada do governo Temer por meio de uma ação direta das massas, que ligue a luta contra as demissões, a carestia e as privatizações aos métodos da greve e da Greve Geral. Os observadores políticos preveem que a realização de novas eleições daria a vitória a uma das diversas coalizões direitistas presentes. A palavra de ordem eleitoral não educa aos trabalhadores em uma política de luta de classes. Busca-se uma saída imediata à crise política, ou seja, um compromisso, em lugar da preparação sistemática da classe operária para lutar por um governo dos trabalhadores.
No Brasil, a esquerda integrada ao PT impulsionou a chegada desse partido ao governo em coalizão com o PMDB. Isto ocorreu inclusive depois que Lula firmou o acordo com o FMI, na campanha eleitoral de 2002 e nomeou o atual ministro da Fazenda de Temer para a presidência do Banco Central, depois de um acordo fechado entre Lula e William Rhodes, então presidente do Citibank (W. Rhodes, Financial Times, 24.06.2004). O PSOL reivindica, de conjunto, o PT “das origens”, ou seja, que segue aderindo à perspectiva estratégica traçada pela direção fundadora do PT, inclusive depois da experiência e os resultados políticos de quase quatro décadas. A partir desta reivindicação do ponto de partida está seguindo a seu modo o rumo do seu espelho retrovisor. 
Em oposição a esta linha estratégica, é necessário um debate que estabeleça um novo ponto de partida, ou seja, um programa e uma política realmente socialistas.
A este debate deveria integrar-se o PSTU, o qual acaba de sofrer uma cisão em torno à questão do recente golpe de Estado, por um lado, e do caráter das mobilizações anti-governamentais a partir de 2013. As propostas democratizantes da esquerda demonstram toda sua inconsistência frente à derrubada dos processos nacionalistas e à crise de regime que emergiu como sua consequência. A América Latina ingressa em uma nova etapa de maiores confrontações sociais e políticas que superam os limites de seus Estados.
Golpismo
9. O impeachment contra a presidenta Dilma Roussef e sua eventual destituição constituem um golpe de Estado “tout court (curto e grosso)”, sem acréscimos, porque implicam uma virada política reacionária nas relações de classe existentes. Substitui a um governo que revelou sua inconsistência para aplicar a política de ajuste que reivindica o capital e para salvar os políticos burgueses e aos grandes capitalistas dos processos judiciais por corrupção. Inaugura uma nova proposta de ofensiva contra as massas, sem esperar as novas eleições, nem obter um novo mandato eleitoral. O governo de Temer não é uma tentativa de interinato constitucional, mas sim uma nova coalizão política para uma nova política, que encare o resgate da quebra capitalista e uma ofensiva mais decidida contra os trabalhadores. Não existe uma mudança no caráter de classe do governo, mas sim uma tentativa de modificar a relação pré-existente entre as distintas classes.
Para a esquerda revolucionária, a luta contra o golpe é uma questão de princípios, porque significa defender as posições conquistadas pela classe operária frente à ofensiva capitalista – de nenhum modo apoiar ao governo capitalista destituído. Não defendemos “o mal menor”, mas sim a posição conquistada pelo proletariado dentro da sociedade e o Estado capitalista; por isso não esconde sua hostilidade com o governo estabelecido. A esquerda democratizante, ao contrário, atribui um caráter progressivo à gestão ajustadora de Roussef, inclusive quando muitos, entre essa esquerda haviam criticado e até enfrentado a política ajustadora dessa gestão. Por outro lado, aqueles que discordam da caracterização de um golpe de Estado, destacam a identificação de classes entre ambos os bandos capitalistas, ignorando que representa um salto de qualidade do ataque do Estado capitalista contra as massas.
Àqueles a quem as formas constitucionais se identificam com o golpismo é oportuno recordar que o governo constitucional que iniciou em 1973, na Argentina, desenvolveu-se por meio de uma sucessão de golpes “constitucionais”, que primeiro eliminaram ao mandatário eleito, Câmpora, depois a governadores do mesmo campo político, inclusive por meios policiais; mais tarde, à criação da Triple A (Aliança Anticomunista Argentina, um grupo parapolicial e terrorista criado dentro do peronismo, da gendarmeria e das Forças Armadas ligados à maçonaria anticomunista Propaganda Due, que assassinou artistas, intelectuais, militantes de esquerda, estudantes, historiadores e sindicalistas, além de utilizar como métodos as ameaças, as execuções sumárias e o desaparecimento forçado de pessoas durante a década de 1970.​ Foi responsável pelo desaparecimento e morte de quase 700 pessoas e à militarização do país) – um processo que culminou com a ditadura militar. Naquele momento, o Partido Obrero advertiu acerca da sequência de golpes, que foram escamoteados nas formas parlamentares e na popularidade de Perón.
Apesar da falácia dos termos do “impeachment” (pedalada contábil de contas fiscais), Dilma Roussef, o PT e a burocracia dos sindicatos se recusaram a desconhecer o voto do Congresso e propor um conflito entre poderes. A razão é que poderia ter aberto uma brecha para a intervenção das massas, por um lado, e para a intervenção das forças armadas, por outro, que teria sido em apoio ao Congresso. O árbitro do golpe de Estado são as forças armadas, ainda que não se trate de um golpe militar. O golpe de Estado no Brasil não é mais que o segundo ato golpista depois da derrubada de Lugo no Paraguai, o qual também se constituiu em um “impeachment” de seus próprios aliados de governo – o partido Liberal. A burguesia brasileira apoiou com força esse golpe, em uma espécie de ensaio geral do que se daria depois no Brasil. O movimento operário e camponês retrocedeu fortemente no Paraguai como consequência da vitória do golpe, enquanto que, por outro lado, facilitou uma avalanche de compras de empresas e terras por parte da burguesia brasileira, com a cumplicidade do governo de Dilma Roussef. A destituição de Lugo e de Roussef por parte de seus próprios aliados constitui uma prova contundente da falácia que aposta na colaboração de classes entre os partidos operários ou pequeno burgueses populares com a grande burguesia nacional e inclusive com o capital financeiro internacional. 
Uruguai e Chile
10. A Frente Ampla do Uruguai passou por um processo parecido ao do governo da Frente Brasil Popular. Tabaré Vasquez chegou ao governo em 2005 depois de um longo período de colaboração política com o imperialismo desde sua gestão em Montevidéu e o respaldo aos ataques patronais ao movimento operário (greve da construção civil). A FA se constituiu como uma frente “policlassista”, a princípio com o argumento que era o veículo das transformações democráticas, agrárias e antiimperialistas. O balanço é um aumento do submetimento ao capital financeiro, a primarização maior da economia, a concentração da terra, a desindustrialização e o avanço da especulação bancária-imobiliária.
A Frente Ampla leva adiante um ajuste contra o movimento operário, rebaixando salários e aposentadorias, aumentando as tarifas e os impostos ao salário, e cortando o gasto social na saúde e educação. A tentativa de proibição de greves (medida que já havia aplicado Mujica contra os municipários) provocou uma rebelião das bases dos sindicatos na educação, ao mesmo tempo em que reforçou a integração da burocracia sindical ao Estado (o caso de Castillo é um dos mais exemplares). Está se processando um aprofundamento da tendência à ruptura de um setor do ativismo com o governo. Neste quadro, a direita da FA se desloca até um governo de “unidade nacional”; de outro lado, as massas, na busca de um novo polo político de caráter anticapitalista. A tese da ala esquerda da FA e em especial do Partido Comunista, de que os governos frenteamplistas não são governos do capital, mas sim “governos em disputa” é uma justificativa para continuar seu trabalho de retaguarda do imperialismo e neutralizar os protestos populares para um conflito interno dentro da Frente Ampla e do próprio governo. 
No Uruguai, no entanto, revela-se uma crise semelhante à que pôs fim ao governo patronal liderado pelo PT, no Brasil, incluindo a pretensão de Tabaré Vazquez de desenvolver, como tentou Dilma Rousseff, um ajuste econômico e social sem ter que, primeiro, proceder com uma mudança de alianças e regime político. Em oposição às correntes frenteamplistas atual, ou que já romperam com a FA (Assembléia Popular) de recompor "a FA das origens" ou copiar um chavismo a la uruguaio, o PT do Uruguai convoca os trabalhadores avançados a construir um partido revolucionário.
O Chile, após o retorno de Bachelet ao governo, assiste a uma profunda crise política há somente dois anos que um esgotado concertacionismo tentou reviver a "Unidade Popular", integrando ao governo o Partido Comunista. A crise da Nova Maioria enraíza-se na incapacidade de conter aos diferentes movimentos de lutadores que cortam o país, no marco de um capitalismo chileno que confiscou de uma maneira abismal os salários dos trabalhadores e a dilapidação dos recursos naturais. Trabalhadores terceirizados da mineração, florestais, portuários, do comércio e o varejo, ao lado de uma luta tenaz do movimento estudantil por uma educação gratuita, nos últimos dez anos têm sido a manifestação do estrangulamento das condições de vida das massas populares nas mãos de uma burguesia nativa aliada com o capital imperialista internacional. O resultado de quatro décadas de políticas "neoliberais" de abertura comercial, privatizações (incluindo o profundo confisco da poupança dos aposentados pelas AFP) e um trabalho flexibilizado em todas as áreas tem sido a base de um ataque brutal sobre os trabalhadores, que desenvolvem hoje respostas de luta em todo o país.
Esta versão ultra reacionária da colaboração de classe, que é a Nova Maioria, sofreu desde o início um retrocesso político, chegando ao governo com 60% de abstenção. Esta tendência continua se desenvolvendo como consequência de uma profunda crise política que coloca no centro a todos os partidos tradicionais que têm defendido por décadas a herança da ditadura. Esta versão degradada da política frente populista está fadada ao fracasso, já que suas pretensões de propor um plano de "reformas" sem alterar as bases sociais nem as instituições criadas sob a ditadura, não pode representar, sob qualquer termo, a canalização das aspirações sociais dos trabalhadores e dos setores populares... Estamos diante de uma política de resgate da herança deixada por Pinochet. Esta situação se agravará, produto dos golpes da bancarrota capitalista, donde a queda dos preços do cobre está diminuindo a arrecadação fiscal, empurrando uma política de ajuste e limitando um regime de arbitragem por meio da assistência social. As demissões começaram a massificarem-se no país, o que está dando origem a diferentes greves no setor do comércio e a luta dos trabalhadores do salmão em Porto Montt, que está marcando um ressurgimento do movimento operário baseado em piquetes, assembleias de base e greves ilegais.

Neste quadro da situação é colocada a tarefa central da batalha pela delimitação política da Frente Popular, baseada na iniciativa de recuperar as organizações operárias e estudantis para uma alternativa de independência política. O Chile começa a entrar em uma nova etapa política, onde o esgotamento da experiência da Concertação abre um campo de ação para a construção de uma alternativa operária e socialista.





Chavismo
11. Outro elemento que se destaca para o posicionamento da esquerda nesta nova etapa é a experiência do nacionalismo Bolivariano como movimento popular ou de massas. O Chavismo realizou a maior transferência de renda dos rendimentos do petróleo em empreendimentos sociais (habitação, educação, saúde), possivelmente de toda História da América Latina. Esta agenda foi a menina dos olhos do seu programa. Vê agora, tardiamente, os limites de aço de uma economia rentista, cuja bonança havia calculado para um século; o povo da Venezuela assiste, não já a descontinuidade desses planos sociais, mas a incerteza da preservação do que foi feito e a possibilidade da sua reversão. Isto se manifesta na disputa aberta da titularização da propriedade das casas construídas, devido à insegurança jurídica criada pela crise e a incapacidade do Estado para garantir toda a infraestrutura de manutenção e reparos, que estariam nas mãos das famílias beneficiárias.
Este gigantesco empreendimento social foi realizado por uma organização paralela ao Estado, as chamadas "missões". O Chavismo, com uma proposta em princípio mobilizadora, 'saltou' para dentro do Estado, em vez de destruir o aparato burocrático desse Estado e transformá-lo em uma máquina dirigida por órgãos de poder das massas. Salientou-se, desta forma, a desqualificação e a precarização dos trabalhadores e dos serviços públicos desse Estado, o que explica a oposição gerada na saúde e educação. A mesma coisa aconteceu com as cooperativas que substituíram as empresas que aderiram à sabotagem do petróleo de 2002/3. É também o que fez o kirchnerismo, em versão farsesca com as cooperativas de trabalho ou de habitação dirigidas pela camarilha de Shocklender e Milagro Salas, entre outros. Assinalou-se, em geral, uma cooptação e arregimentação dos movimentos populares. A empresa capitalista, na Venezuela, não foi substituída por empreendimentos de gestão operária sob um plano econômico único e o desenvolvimento de uma legislação trabalhista mais avançada. As grandes empresas estatizadas crescem sob a negligência e a corrupção de uma burocracia oficial. O resultado da gestão Bolivariana não foi a consolidação do proletariado, mas uma atomização poderosa. Este é um risco fundamental da desintegração econômica que tem lugar nos dias de hoje.

O processo Bolivariano penetrou profundamente na esquerda da Venezuela, que tornou-se uma cobertura do chavismo, alegando que isso desenvolvia um processo revolucionário; por exemplo, o Ccura e Maré Socialista. O chamado maoísmo tornou-se "minguado" como alguns ex lambertistas. Durante os eventos eleitorais, a esquerda tem participado, em locais diferentes, de frentes díspares e sem princípios determinados pelos cálculos oportunistas ocasionais. 

É com este pano de fundo que entra em uma nova fase extraordinária, que anuncia mudanças radicais de regime, em um quadro de crise que envolve todas as classes sociais e todos os níveis do Estado, incluindo as forças armadas. Envolve diretamente ao imperialismo ianque, bem como Cuba e a vizinha Colômbia, para toda a América Latina e grande parte da União Europeia. Os países 'aliados' do Unasul mudaram sua posição política, passaram ao campo diplomático que pressiona por uma mudança de regime na Venezuela, como o ilustrado pela posição do Uruguai. O macrismo argentino trocou sua hostilidade inicial por uma posição favorável para uma transição acordada, como reivindica a administração de Obama.

12. Na Venezuela, um importante retrocesso político é processado. O regime plebiscitário de Chavez, que reivindicava para si a solidez do voto popular, tornou-se um regime de fato, que governa por decreto, violentando a soberania da Assembleia Nacional dominada pela direita esmagadoramente nas recentes eleições. Este governo por decreto está se sustentando pelo apoio da cúpula militar, no quadro de uma rejeição majoritária da população, de acordo como indicam as pesquisas que não são questionadas. As forças armadas se encarregam da distribuição dos alimentos. Do lado econômico está em curso um plano de ajuste e de desvalorização externa do bolivar, que visa garantir o pagamento da vultosa dívida externa do Tesouro e da PDVSA. Circulam propostas, no governo, para vender ativos estatais para pagar a dívida externa e melhorar a capacidade de importação do país. O que resta do capital estrangeiro se retira da Venezuela.

A "guerra econômica" que denuncia o chavismo desenvolve-se no âmbito desta desorganização econômica e da prioridade ao pagamento da dívida externa. O fechamento das contas dos bancos privados e do Banco Central, pelo Citibank, é, por um lado, uma expressão do estado de suspensão de pagamentos da Venezuela e, por outro lado, traduz a pressão de um setor do capital financeiro para acelerar o desfecho da crise política. O capital internacional se sente encorajado pela vitória do macrismo na Argentina, o golpe de Estado no Brasil e o giro anti-chavista do governo do Uruguai. Os trabalhadores são chamados a lidar com fábricas que são esvaziadas, ou não tem financiamento. A militarização crescente do Estado, mesmo que seja uma militarização 'Bolivariana', não é progressiva, mas reacionária. Historicamente, esses governos de fato presidiram as transições entre regimes políticos e até sociais, mediando entre as forças em disputa. Lembramos do golpe de Estado 'Comunista' de Jaruzelsky, na Polônia, que contou com o apoio do Vaticano e serviu para a transição a um novo regime político. Precisamente por esta razão, setores cada vez mais vociferantes da direita venezuelana reivindicam um golpe contra Maduro às forças armadas chavistas.

Uma parte representativa da oposição esquálida (direita) construiu um programa próprio para a crise. Mendoza, o proprietário da empresa nacional principal, a Polar, levantou um programa de aguçado caráter 'macrista': eliminação do controle das mudanças e dos preços regulados, apoiado por uma 'ajuda' ou socorro financeiro internacional, cujas fontes não definiu. O impacto deste 'rodrigazo' seria na Venezuela, consideravelmente mais catastrófico que o do macrismo - que, aliás, tem o apoio de todo arco político, especialmente do peronismo e do PJ. A transição política marcha a toda a velocidade, embora na superfície prime o imobilismo.

Entendemos que a esquerda venezuelana deve chegar a um acordo prático em torno a uma reivindicação política de conjunto. É a condição para que possa intervir como protagonista político independente nesta crise; pode reagrupar aqueles setores que romperam com o PSUV com propostas progressistas. Deve abrir essa discussão com máxima urgência. Em oposição ao governo militarizado de fato por um lado e a uma revogação de conteúdo direitista, que também parece incompatível com o acelerado ritmo da crise, a nossa proposta é a chamada para uma Assembleia Constituinte livre e soberana. A proposta deve servir para construir as assembleias populares que podem postular-se, eventualmente, como convocadores da Assembleia Constituinte. Uma proposta deste tipo iria servir, em qualquer caso, para que a esquerda apareça como uma postulante autônoma para o poder, que permita intervir nas diferentes fases pelas quais vão passar por esta crise, que promete ser explosiva e prolongada.
Crise mundial
13. A crise aberta na América Latina não é uma simples evidência de limitações políticas subjetivas, quer dizer de classe, programa e estratégia da diversidade de governos nacionalistas. É, antes de tudo, uma crise de conjunto de suas estruturas sociais e políticas, nos marcos de uma bancarrota capitalista de caráter mundial. A queda dos fenômenos nacionalistas opera como um acidente histórico que põe a descoberto o declínio capitalista e a gravidade da crise em curso. Isto condiciona e contamina os processos políticos de mudança que encabeça a direita. A tentativa “restauradora” da direita inaugura uma etapa de maior potencial revolucionário. Não inaugura uma etapa de arrefecimento da luta de classes, mas sim de acentuação desta luta. Parte da ruptura do equilíbrio político precedente e inicia um período de desequilíbrios políticos maiores.
Um exemplo eloquente é o México, onde assistimos a um início de rebelião contra o governo e a perseguição exercida contra os trabalhadores e a juventude. Em Oaxaca, capital de Estado, a Coordenação Nacional dos Trabalhadores da Educação (CNTE) liderou uma demonstração massiva em repúdio ao massacre de seis professores e para exigir "punição para os culpados" e o aparecimento com vida de 22 pessoas desaparecidas. A demonstração chegou ao Zócalo e ao Instituto Estatal de Educação Pública. A CNTE, do sindicato dos professores, rejeita a reforma da educação porque estipula que os postos de ensinos dos professores devem ser atribuídos pelo governo e não pelos sindicatos, como ocorria antes, impõe avaliações dos professores e denunciam a privatização da educação. Segue ainda não esclarecido o massacre de 43 alunos da Escola Normal Rural de Ayotzinapa em 2014. O confronto crescente entre os explorados, a juventude e o governo de Peña Nieto está colocando uma bomba-relógio nos próprios portões do imperialismo ianque, um país-chave para o Tratado Trans-Pacífico (TTP). A luta de classes no México articula a América Latina com a revolução no centro do imperialismo mundial.
Esta fase, na América Latina, tem lugar em um marco internacional concreto. A ruptura da União Europeia, com a saída da Grã-Bretanha, é um salto de qualidade na bancarrota capitalista. A UE foi o empreendimento contra-revolucionário político mais importante da burguesia mundial, após a segunda guerra. É um bloco econômico, político e militar - neste último como sucursal da OTAN. Foi um instrumento de disciplinamento do proletariado e a arma política mais relevante para sustentar a restauração capitalista na ex União Soviética, encarada pela burocracia de cunho stalinista. Um quarto de século após a dissolução da URSS se destaca a desintegração de seu coveiro. As violentas contradições do capitalismo são impostas acima dos reveses e derrotas do proletariado.
O chamado Brexit expôs a vulnerabilidade do mercado internacional dos capitais mais importantes do mundo. Obriga o Estado a operar um segundo resgate capitalista no centro nervoso do capital financeiro, quando nem sequer fecharam ainda as fissuras financeiras deixadas pelo resgate de 2008 – e nem inclusive foram superadas. Combina com a bancarrota declarada pelos bancos italianos; a corrida bancária parcial na Espanha; e acima de tudo a insolvência dos dois principais bancos na Alemanha. Na zona do euro se desenvolve um processo de desintegração, crises políticas e luta da classe operária - como é o caso da Grécia e a França, por um lado, e na Europa central, por outro. A dívida nacional desses países, à força de salvamentos de bancos, beira 300% do PIB. Um termômetro enérgico do impasse econômico é a dívida pública colocada a taxas de juros negativas, que passou entre janeiro e junho passado de U$ 1,3 bilhões para U$ 13,5 bilhões. Isso implica em uma ameaça para o sistema bancário e às companhias de seguros e um registro inapelável da tendência à deflação monetária e à depressão econômica. A retirada da Grã-Bretanha e a crise da zona do euro podem levar, alternativamente, a uma desintegração desses territórios, ou sua transformação em um território colonial da Alemanha seguida pela França. Nos Estados Unidos, a vitória do Trump na interna republicana revela uma tendência chauvinista, que responde a um crescimento da rivalidade econômica e mesmo militar entre as potências capitalistas, manifestada no mar da China, na Ucrânia e na agressão imperialista no Oriente Médio e norte da África.
Este quadro mundial condiciona os recursos disponíveis para as burguesias latino-americanas para sair das experiências nacionalistas sob suas próprias bases. A enorme superprodução de mercadorias e capital explica que a frente nacionalista internacional dos chamados BRICS passou para uma vida melhor, pois todos os seus membros enfrentam ameaças de falência. A aliança do Brasil com a China abriu caminho para uma reivindicação de ruptura comercial de parte da indústria siderúrgica instalada no Brasil.
A crise mundial tem um desenvolvimento desigual, bem como acontece com o capitalismo e a História em geral. A China, por exemplo, rebateu com um enorme gasto público o impacto da crise mundial em sua economia, o que levou a um 'boom' dos preços internacionais das matérias-primas. As derivações destas despesas foram responsáveis por 30% do PIB dos países produtores destes bens (Martin Wolf, "The Shifts and the Shocks"). A China enfrenta agora uma hipoteca da dívida fenomenal e, pela primeira vez, autorizou os procedimentos de falência. Nos últimos meses, a acentuação da queda das taxas de juro nos mercados internacionais de dívida pública, produziu um retorno parcial dos capitais de curto prazo para a América Latina, por suas altas taxas de juros. A falência econômica também produz seus próprios negócios: a venda de ativos da Petrobras lhe reabriu, embora de forma precária, o mercado da dívida externa. Esta volatilidade produto da crise não deve confundir-se com o financiamento de uma expansão econômica que, por ora, não tem fundamentos. A Argentina tem expandido sua dívida pública em U$ 25 bilhões, nos últimos meses, para pagar aos fundos abutres e financiar a saída de lucros e dividendos. Um novo ciclo de endividamento internacional tem bases mais restritas que no passado e as consequências mais explosivas.
Se a experiência macrista serve de guia de rota para as tentativas semelhantes que se esboçam na América Latina, o balanço provisório é claro: um aumento fenomenal da inflação, um crescimento do elevado déficit fiscal herdado, uma suba enorme das taxas de juros e uma aguçada recessão econômica. Os esboços democrático-eleitorais e o apoio massivo da oposição patronal para as suas medidas mais decisivas, não foram suficientes para evitar uma resistência, que já é enorme, ao 'rodrigazo' tarifário. O macrismo foi posto na defensiva, em seu curto período de governo por uma revolta popular contra o tarifaço, que também causou um princípio de fratura no aparato estatal (amparo judicial a favor dos usuários). Perfila-se, além disso, um novo ciclo de reivindicações salariais, apesar do apoio da burocracia sindical à nova gestão. O governo macrista ainda tem de encontrar os recursos econômicos e políticos para sua política de ajustes, e então impô-los através de uma intensa luta de classes. É um regime dividido entre camarilhas capitalistas, sem base parlamentar própria, condicionado no governo pela exigência de ganhar as eleições parlamentares no próximo ano.
A esquerda na nova etapa
14. Na Argentina e na América Latina, esta crise de conjunto coloca o desafio de que a esquerda se torne uma alternativa política de conjunto, desta vez já não sob formas democratizantes, como na década e meia passada, mas sim operária e socialista. Faria em confronto com os partidos patronais históricos em desintegração, burocracias sindicais desprestigiadas e a chegada em menor número das forças reformistas ou democratizantes. Para isso é necessário um debate político e uma compreensão adequada da situação presente.
Na Argentina, a Frente de Esquerda tornou-se um canal político desta alternativa, particularmente em 2013, quando alcançou seu melhor desempenho eleitoral e até mesmo derrotando o peronismo - governante e opositor - na capital de Salta. Seguiu se desenvolvendo no movimento operário, especialmente entre delegados e comissões internas. Em abril passado, uma lista de esquerda e classista, encabeçada em todos os sentidos pelo Partido Obrero, ganhou o sindicato dos pneumáticos (Pirelli, Firestone, Fate, etc.); com este mesmo caráter foram conquistadas posições no sindicato dos professores, entre as estatais, em seções da CTA (Central de centro-esquerda), na indústria da construção civil, da alimentação, na grande indústria de alumínio, entre outros. O programa da Frente de Esquerda propõe o desenvolvimento da independência política dos trabalhadores e o governo dos trabalhadores.
Em contraste com esta perspectiva é que se desenvolveu na Frente de Esquerda uma tendência em direção ao Kirchnerismo, por parte do PTS. É uma repetição histórica degradada da dissolução dessa mesma corrente no peronismo, especialmente após o golpe de 55; o suporte para o retorno de Perón, em 1972; a incorporação de parte do peronismo à Frente do Povo, em 1985. Em cada encruzilhada histórica, essa corrente posou seu olhar em uma frente com o peronismo e na adaptação política à verborragia nacionalista. Colocou inclusive em marcha uma revisão histórica favorável ao foquismo montonero; combina sem pudor o eleitoralismo com uma pose militarista (em 2011 na campanha eleitoral estava reivindicando em particular os escritos militares de Von Clausewitz; em 2013, o desenvolvimento da democracia pela igualdade dos salários dos legisladores com os professores). Esta adaptação é manifestada também na Bolívia, aonde se abstiveram na reeleição de Evo Morales, ao invés de rejeitá-la, ou no pedido de entrada no Psol, que impulsiona a Luiza Erundina como candidata nas próximas eleições municipais de São Paulo.
Em diversas tentativas de coordenação sindical, tanto o PTS como a Esquerda Socialista rejeitaram, como inoportuna, a reivindicação da independência política da classe trabalhadora, em razão da necessidade de atender a ideologia de ativistas peronistas. O seguidismo é postulado como uma tática política. Na lista Negra nos pneumáticos, no entanto, existem ativistas de primeiro nível que permanecem romanticamente ligados ao peronismo, que defendem a independência política dos trabalhadores. A ruptura do PTS com a FIT, em ocasião do 1 ° de Maio, explica essa linha. O pretexto pueril, a saber, que a IS não caracterizava como golpe o movimento contra Dilma Rousseff, obedeceu a uma orientação de dar um sinal de aproximação ao Kirchnerismo, que tinha se expressado em uma frente parlamentar do PTS com a oposição burguesa em defesa incondicional do governo de Dilma - para pior, com o objetivo posto nos resultados que poderiam obter para as eleições de renovação parlamentar de 2017. 
O pretexto da luta contra o golpe de estado no Brasil operou como uma cortina de fumaça contra o desenvolvimento da alternativa política da FIT ao governo de Macri e seus partidários políticos. O mesmo sentido teve a votação parlamentar do PTS a favor do plebiscito proposto pelo Kirchnerismo para um pagamento dos fundos abutres nos termos da reestruturação regida para o conjunto da dívida permutada, em oposição à posição revolucionária do parecer do PO propondo o não-pagamento da dívida, no que constituiu uma formidável denúncia do regime como um todo e em particular do kirchnerismo, que garantiu o pagamento serial da dívida externa com os fundos dos aposentados. A mídia digital do PTS aponta claramente nessa direção, porque tornou-se uma tribuna para o Kirchnerismo, que está oculto com entrevistas jornalísticas de porta-vozes da direita. As diferenças políticas, como aconteceu com a posição da IS, devem ser discutidas com tempo e método e a participação ativa do conjunto dos militantes. As perspectivas políticas da FIT exigem uma clara delimitação do centrismo político das forças que a integram. O Partido Obrero tem se destacado por uma delimitação rigorosa e uma crítica sem concessões à experiência auto-proclamada "nacional e popular" - que é o conteúdo principal do avanço da esquerda. Isto está em contraste com a oposição ao Kirchnerismo da chamada "esquerda plural" (MST, Libres del Sur), que ignorou esta tarefa ao aliar-se à oligarquia agrária no conflito de 2008 e formar listas eleitorais com os representantes políticos da indústria automobilística de Córdoba e também seguidores do macrismo.
A nova etapa encontra a FIT em uma encruzilhada. A adaptação ao Kirchnerismo por parte do PTS – o levou a uma ruptura política, como aconteceu com o boicote ao ato do 1º de maio (há uma ruptura já faz tempo dos acordos de co-gestão das representações parlamentares e, portanto, uma usurpação política das bancadas conquistadas). Em oposição a esta adaptação e às tendências democratizantes presentes, o PO caracteriza que a etapa política atual oferece uma possibilidade consideravelmente maior para que a esquerda revolucionária se coloque como uma alternativa política ao colapso capitalista e ao esgotamento e até mesmo desintegração dos partidos patronais da Argentina. A luta pela independência de classe do proletariado é o degrau político para estabelecer um governo socialista da classe trabalhadora. 
15. O balanço geral revela a falência completa e definitiva do chamado Fórum de São Paulo, cujos governos ruíram como resultado de suas limitações políticas e até mesmo sua colaboração com o imperialismo.
A esquerda latino-americana aborda a nova etapa de bancarrotas capitalistas e de regimes políticos na América Latina, delimitada em três blocos. Por um lado, uma direita que reivindica o frentismo 'plural' e democratizante e que se esforça para apagar qualquer distinção entre a classe trabalhadora e os explorados, de um lado, e a burguesia de outro, e que se manifesta no apoio e na promoção de candidatos patronais. Por outro lado, uma esquerda centrista, que oscila entre o frentismo democratizante e especialmente na adaptação ao nacionalismo ou democratismo burguês (como ocorre na Bolívia, Brasil e Argentina). Finalmente, um polo revolucionário, que defende o princípio de acordos práticos com todas as correntes presentes quando se trata de promover uma luta de massas, mas combate pela independência do proletariado como trabalho preparatório para um governo da classe operária. A estratégia desta última corrente está resumida na palavra de ordem dos Estados Unidos Socialistas da América Latina, incluindo Porto Rico.
Parlamentarismo, sindicatos
16. As últimas décadas caracterizaram-se pelo lugar histórico sem precedentes dos processos eleitorais, resultado de um cruzamento de processos históricos latino-americanos e internacionais. Seja como for, resultou em um protagonismo eleitoral, também inédito, da esquerda e em particular da trotskista. Em alguns países levaram a organizações trotskistas aos Congressos ou Assembleias nacionais. Esta circunstância pôs à prova a capacidade dessas organizações para desenvolver uma atividade revolucionária no campo eleitoral e no Parlamento. Obviamente, a capacidade para satisfazer este objetivo depende, em primeiro lugar, dos programas e das estratégias das forças da esquerda presentes, que são, na sua maioria, democratizantes, ou seja, eleitoralistas e reformistas. Como tem se denunciado na imprensa de esquerda do Brasil, o PSOL aceitou contribuições de grandes corporações para suas campanhas eleitorais e o mesmo PSOL justificou esta aceitação. As oportunidades de reconhecimento político que oferecem os processos eleitorais para correntes confinadas a uma atividade sindical ou marginalizadas na luta política, quando não diretamente sectárias, funcionaram como um poderoso fator de pressão para a adaptação eleitoral aos prejuízos da chamada "opinião pública". É o caso já mencionado da proposta de equiparar o salário dos parlamentares aos professores para acabar com "a casta política" e "avançar a democracia". Não é mais do que o charlatanismo do Podemos da Espanha. Ao igualar com esta “casta política” a persistência dos dirigentes socialistas mais antigos, o palavreado democrático se converteu agora em contra-revolucionário. 
Para que processos democráticos possam ser explorados pela esquerda revolucionária é necessário fazer uma caracterização adequada deles. O mesmo se aplica ao parlamentarismo: são, por um lado, a oportunidade de levar a propaganda socialista para as grandes massas, mas ao mesmo tempo um mecanismo de legitimação do Estado e uma pressão para substituir a luta de classes pela arbitragem do sufrágio e da representação popular. No campo da burguesia, as frações democratizantes ou simplesmente demagógicas, usam o trabalho legislativo para bloquear a ação direta dos trabalhadores, quase sempre instigadas pela burocracia dos sindicatos ou com sua colaboração. Na Argentina, os parlamentares do PTS deram seu apoio aberto a uma legislação 'anti-demissões' "acordada" por frações de oposição da burguesia, que visava substituir a luta dos trabalhadores pela arbitragem da justiça do trabalho e justificar a inanição dos sindicatos frente às suspensões e demissões. O Partido Obrero denunciou, desde o primeiro momento, a "parlamentarização" da reivindicação da burocracia sindical, usando a tribuna parlamentar durante 50 dias de crise e debate sobre o item, para defender, no seu projeto, um programa baseado na distribuição das horas de trabalho sem afetar o salário - escala móvel de horas de trabalho, em função das greves e ocupações de fábricas para enfrentar as demissões e da proposta de Greve Geral contra o conjunto do ajuste. Curiosamente, o PTS havia combatido, no início da FIT, propostas de legislação feitas pela esquerda, como puro eleitoralismo. Ignorava o trabalho legislativo do PO, no âmbito municipal, que obteve aprovação parlamentar para a redução das horas de trabalho dos metroviários e desencadeou uma enorme luta dos trabalhadores, impulsionando o trabalho na empresa para derrubar a burocracia sindical e, mais recentemente, um grande movimento pelas seis horas da enfermagem. Assim como no parlamento nacional reanimamos um movimento nacional pela reparação de 36 mil trabalhadores da YPF e depois para o sindicato dos telefonistas abrindo rotas de desenvolvimento do classismo. 
Os golpes de Estado em vários países, embora não diretamente militar; os massacres no México e a aliança entre o Estado e o narcotráfico; os massacres de camponeses no Paraguai; os paramilitares na Colômbia; o assassinato de ativistas de esquerda por capangas patronais na Venezuela; os assassinatos sistemáticos dos trabalhadores e líderes sem-terra e indígenas no Brasil; as mortes dos lutadores na Argentina, por gangues da burocracia e da polícia e o chamado gatilho fácil; tudo isto demonstra a fragilidade e a improvisação da tão comentada etapa democrática na América Latina. A política que tem por base a perspectiva de durabilidade e aprofundamento dos processos democratizantes carece de sustentação. 
17. O ascenso da esquerda e das correntes trotskistas na América Latina manifesta-se fortemente nos sindicatos. Novos progressos, no entanto, podem ser bloqueados por um agudo faccionalismo. Este faccionalismo exacerbado é, por um lado, o reflexo de um período prolongado de desenvolvimento marginal e sectário e, por outro lado, de uma imaturidade que se caracteriza pela substituição da delimitação política pela briga de aparatos. Isto tem impedido o desenvolvimento sindical que poderia ter sido mais enérgico, especialmente no Brasil, Argentina e Venezuela. Na luta contra este bloqueio, defendemos a frente única de todas as tendências combativas nos sindicatos.

A Revolução Cubana
18. Nas últimas décadas, a Revolução Cubana ficou retraída como foco de referência para as massas da América Latina, até mesmo para o surgimento de novas experiências políticas que provocaram enormes ilusões políticas nos explorados. A principal razão pela qual, no entanto, tem sido o impasse completo que atingiu o regime político da Ilha é sua política de colaboração com as burguesias nacionais e o próprio imperialismo. Há uma tendência para desqualificar seu resultado histórico, no entanto segue representando uma referência para os trabalhadores da América Latina, especialmente por sua capacidade de resistência ao maior imperialismo de todos os tempos - a 90 milhas de suas costas. Manteve-se, também, sua peculiaridade histórica frente à restauração capitalista na URSS e seu entorno geopolítico e à penetração vigorosa do capitalismo na China e Vietnam. A aceitação, por parte dos EUA, de relações diplomáticas com Cuba, constitui um recuo político do imperialismo, após mais de meio século de bloqueio, independentemente de ter a mesma finalidade de retomar a colonização capitalista da Ilha. O bloqueio permanece de pé, embora diminuído, como arma de extorsão para impor ao país as pretensões do imperialismo.

Com evidentes ziguezagues, Cuba está encarando uma solução para a sua estagnação econômica pela via da colaboração do capital internacional, e por uma política de ajuste e maior diferenciação social. Não tem a possibilidade, no entanto, de que se reproduzam as características do caminho da China na direção do capitalismo, porque não tem a capacidade de oferecer um mercado interno ao capital internacional, mas tornar-se uma plataforma de exportação e um paraíso turístico e imobiliário. Em última análise, que faria de Cuba uma espécie de República Dominicana, Porto Rico e de Haiti. Porto Rico, a menor ilha das Antilhas enfrenta agora um default econômico generalizado que tem reduzido a nada seu status de Estado associado dos EUA, porque passou a ser governado por um Comitê de supervisão financeira e fiscal, com o compromisso de pagar sua dívida externa enorme. O caminho chinês levou a própria China a uma crise de potencial monumental e ao mesmo tempo cada vez mais impetuoso desenvolvimento da luta de classes dos trabalhadores. A bancarrota mundial capitalista opera, por um lado, como um fator de pressão para a abertura completa de Cuba ao capital internacional e, por outro lado, como um limite intransponível de suas possibilidades, porque isso vai acentuar o impasse do regime político e a luta dos trabalhadores.


Cuba continua sendo uma sociedade em transição, com a particularidade de que está governada por uma burocracia estatal forte e uma crescente tendência interna, que favorece a privatização da propriedade pública. Esta condição dá à proposta de parceria com o capital estrangeiro uma forte conotação restauracionista. Um regime proletário procuraria atrair investimentos estrangeiros, em condições de isolamento e de crise, de acordo com um fortalecimento da ditadura do proletariado. Os grandes debates no bolchevismo, na década de 1920, mostram a rejeição do esquematismo hierárquico. Se o processo da China serve de exemplo, a perspectiva de uma renovação revolucionária em Cuba passa pela luta em defesa da organização independente dos sindicatos, o desenvolvimento da autonomia política da classe trabalhadora e a perspectiva de um governo dos trabalhadores. 


Os governos de Cuba e dos Estados Unidos são os principais promotores do processo de paz na Colômbia, que tem o apoio da União Europeia e da ONU. O longo processo guerrilheiro na Colômbia, há muito tempo, entrou em uma clara decomposição e sofreu derrotas militares contundentes. As conversações de paz visam integrá-lo ao regime político e ao Estado capitalista, o propósito indicado pelas próprias Farc. O resultado, no entanto, permanece incerto devido ao rápido crescimento do paramilitarismo e ao agravamento da questão agrária. Um acordo de paz não vai resolver nenhuma das contradições explosivas da Colômbia. As novas condições políticas deveriam ser usadas para convocar a construção de um partido revolucionário.

Tarefas
19. O propósito dessas teses e da Conferência sobre a América Latina é de servir para o debate político e a elaboração de um programa. Não pode haver um partido sem programa, ainda que seja isto o que está ocorrendo na América Latina. Os participantes da conferência adotam um plano de trabalho de difusão das teses e a sua discussão na esquerda, no movimento operário e na juventude.
Assinam: Partido dos Trabalhadores (Uruguai), Partido Obrero (Argentina), Partido Obrero Revolucionário (Chile), Tribuna Classista (Brasil), Opção Obrera (Venezuela), Emigdio Idoyaga (Paraguay), Osvaldo Coggiola (Brasil).

domingo, 26 de novembro de 2017

Dez anos desde o início da crise financeira global: à beira de uma nova explosão?


 Pablo Heller - dirigente do Partido Obrero da Argentina

Dez anos após a explosão da crise mundial,
estamos diante de uma nova bolha financeira



Na primeira semana de agosto, o índice Dow Jones (composto por 30 das ações mais significativas, de todas as indústrias, exceto transportes e serviços) ultrapassou a barreira de 22 mil pontos. Desde setembro de 2008, a suba tem sido contínua: em menos de cinco anos, o Dow Jones conseguiu recuperar o nível atingido em 2007. O índice de ações continua a manter uma tendência ascendente e, de acordo com várias empresas de investimento, mais cedo ou mais tarde poderia superar a barreira de 23.000 pontos.


Um dos indicadores do aparecimento de condições de bolhas financeiras tem sido o surgimento e o aumento do valor da criptomoeda Bitcoin, que aumentou 600% este ano, atingindo um preço de mais de 7.000 dólares.


Trump passou de criticar para aplaudir a "exuberância irracional" dos investidores do mercado de ações depois de se tornar presidente. Lembre-se de que, em setembro de 2015, o mercado imobiliário lançou críticas severas contra os "mestres do capital financeiro".


A bolha atual


Este boom no mercado de ações tem bases ainda mais fracas e parasitárias do que em outras altas no passado, o que quer dizer muito.


A expansão dos mercados de ações no período 1949-56 foi sustentada pelo crescimento da indústria norte-americana no período pós-guerra. Pelo contrário, a corrida ascendente atual ocorre em condições de baixo crescimento, bem abaixo de qualquer "recuperação" anterior, combinada com queda de produtividade e o congelamento ou queda dos salários.


O período atual nem sequer compara-se com o aumento mais recente do preço das ações de 1987-2007, que culminou com a crise das pontocom. A "exuberância irracional", denunciada na época pelo antigo presidente do FED - Banco Central norte-americano, Alan Greespan, baseava-se, pelo menos até certo ponto, em algumas mudanças na economia real. Pode-se mencionar a redução da estrutura de custos da indústria como resultado do desenvolvimento da produção globalizada e da maior utilização da tecnologia informatizada.


A alta atual, no entanto, foi virtualmente impulsionada no total pelas políticas monetárias promovidas pelo Banco Central norte-americano e outros grandes bancos centrais, de dinheiro barato e até mesmo gratuito, trazendo a taxa de juros para zero. Isso é um reflexo da falta de oportunidades de investimento na economia real. Em vez de usar os fundos que foram concedidos para o reinvestimento produtivo, as empresas repassaram para o mercado de ações.


Um aspecto das manipulações financeiras foi o uso de fundos emprestados a taxas baixas para financiar as recompras de suas próprias ações.


Uma radiografia dessa operação foi fornecida em uma investigação publicada pelo Financial Times. Aí se assinala que a Apple, a Microsoft e o Alphabet (a empresa-mãe do Google) estão entre as principais empresas dos EUA que se tornaram uma força no mercado global de títulos. Cerca de 30 grandes corporações dos EUA, agora têm mais de US $ 800 bilhões em investimentos de renda fixa e se tornaram "gerentes de ativos por direito próprio".


O Financial Times descobriu que as 30 empresas mais importantes que foram objeto de sua investigação, incluindo empresas como Ford, Coca Cola e Boeing têm mais de US $ 1,2 bilhão em dinheiro. Estes números, que indicam a falta de oportunidades de investimento produtivo devido a baixos níveis de crescimento, representam a crescente divergência entre o aumento do mercado de ações e a economia real de que ele depende em última instância.


Uma recuperação anêmica


Na última década, o processo de recuperação da economia dos EUA tem sido decepcionante, registrando a menor taxa de crescimento desde a Segunda Guerra Mundial.


A mídia, no entanto, está lutando para fazer acreditar que a economia dos EUA está indo de vento em popa: no segundo trimestre deste ano, o PIB cresceu 2,6%, uma taxa que é mais que o dobro registrada durante o primeiro trimestre, quando o crescimento foi de apenas 1,2%. Sob esta mesma perspectiva, os dados fornecidos pelo Departamento de Trabalho dos EUA destacam uma melhoria substancial nas condições do mercado de trabalho. Em julho passado, a taxa de desemprego oficial caiu para 4,3%, igualando ao nível mais baixo dos últimos 16 anos.


No entanto, a verdade é que a economia dos EUA não consegue entrar em uma dinâmica de recuperação robusta e sustentada. Os níveis de investimento das empresas não conseguem decolar; e o mesmo acontece com o consumo das famílias. Um relatório recente elaborado pelo economista J.W. Mason, do Instituto Roosevelt, conclui que "não há precedentes da debilidade do investimento no ciclo atual. Quase dez anos depois, os gastos com investimento real permanecem 10% abaixo do seu pico de 2017. Isso é lento, em relação ao ritmo anêmico do crescimento do PIB e muito baixo em termos históricos ".


O panorama que se abre


Levando em consideração esse cenário, há aqueles que preveem uma nova explosão no próximo período. Mas, ao contrário que da última vez, nada indica que o impulsionador seja o mercado imobiliário como aconteceu no passado. Os preços imobiliários não recuperaram os níveis de 2007, apesar das baixas taxas de juros e do volume das transações de habitação serem modestas.


O foco de atenção é colocado no próprio setor industrial. A dívida corporativa continuou aumentando em todo o mundo, incluindo os países desenvolvidos. Apesar das baixas taxas de juros, uma proporção significativa de empresas mais débeis mal conseguem pagar seus compromissos. A consultoria S&Capital observou que a massa recorde de dinheiro retido por empresas não financeiras nos EUA mascara uma carga de dívidas de 6,6 trilhões de dólares. O grande barulho sobre gigantes como a Apple, a Microsoft Amazon e suas reservas de caixa esconde a situação real da maioria das empresas: as margens de lucro estão diminuindo e os lucros das empresas americanas estão caindo.


Existe um receio fundado de que, se o
FED estiver inclinado a elevar muito a taxa de juros de referência, a atividade econômica dos Estados Unidos entrará em colapso. Para piorar as coisas, o risco de uma nova crise financeira em erupção no território dos EUA não se limita ao mercado de ações. Alan Greenspan, que serviu como presidente do Fed por 18 anos, observa que a principal ameaça não é tanto a especulação no mercado de ações, mas sim uma bolha no mercado de títulos. Para Greenspan, o fato de que as taxas de juros foram mantidas muito baixas por muito tempo acabou causando graves distorções nos rendimentos dos títulos financeiros de renda fixa. Como uma crise no mercado de ações, um colapso do mercado de títulos teria repercussões globais.


O perigo não é apenas para os Estados Unidos, mas em escala mundial. Os bancos centrais dos países industrializados estão em condições mais frágeis para enfrentar uma outra crise financeira de grande magnitude. Enquanto alguns bancos centrais, como o FED, estão aumentando a taxa de juros de referência nos últimos anos, sua margem de manobra é muito pequena para responder a uma crise de crédito.


O alto endividamento do Estado norte-americano torna impossível sair para resgatar grandes bancos. A dívida pública ultrapassou a barreira de 20 trilhões de dólares, mais de 100% do PIB norte-americano. A artilharia do FED também está super delimitada. O Banco Central dos Estados Unidos desenvolveu uma estratégia para começar a descartar mais de 4,2 trilhões de ativos registrados em sua folha de balanço. O custo de novos empréstimos, como os já ocorridos, aumentará, justamente no momento em que a rentabilidade está caindo.


Neste quadro, uma das grandes apostas de Trump é a reforma tributária, a partir da qual o magnata busca fortalecer sua liderança e autoridade, prejudicada em diferentes frentes. A reforma contempla uma redução sensível dos impostos às empresas. Isso poderia prolongar a euforia ascendente em Wall Street, mas sua capacidade de promover a revitalização econômica deve ser seriamente questionada. Não existe uma relação empírica entre o declínio das taxas de impostos sobre as empresas e o crescimento do emprego. O que as empresas estavam fazendo esses anos "para pagar menos impostos era comprar suas próprias ações para aumentar o preço das ações ou emitir títulos a taxas muito baixas para permitir que eles assumissem o controle de outras empresas. Portanto, o déficit fiscal apenas levou a um aumento no capital fictício (dívida e ações) e não ao investimento real "(Michel Roberts, Sin Permiso). Por outro lado, uma redução de impostos dessas dimensões agrava significativamente o buraco fiscal e pode acabar sendo um salva-vidas oneroso, aumentando os enormes desequilíbrios econômicos já existentes.


Em um ano em que celebramos 100 anos da Revolução de Outubro, assistimos a um agravamento da crise mundial capitalista, que é a premissa e o combustível fundamental em que se nutrem os grandes giros políticos e sublevações sociais e portanto, as tendências à revolução social.